Energia eólica offshore: adoção no Brasil vai além de custos em queda no mundo

Gigantes do petróleo como Petrobras e Equinor apostam na modalidade para fazer a transição energética de seus negócios, mas há desafios de regulação e fornecedores no país

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Bloomberg Línea — Nas últimas semanas, o cancelamento de alguns projetos de energia eólica offshore - em alto-mar - no exterior em razão de viabilidade econômica chamou a atenção para os custos crescentes dessa modalidade. Mas é uma situação que se aplica a certos players de energia e que não reflete o setor como um todo.

O custo médio dos projetos de energia eólica offshore está, na verdade, em queda na comparação com anos anteriores e isso ajuda a atrair cada vez mais empresas, principalmente grandes petroleiras como Petrobras (PETR3, PETR4), a norueguesa Equinor e a anglo-holandesa Shell (SHEL).

Segundo estudo da A&M (ex-Alvarez & Marsal) em parceria com a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), obtido com exclusividade pela Bloomberg Línea, a média de custos de instalação de projetos eólicos offshore no mundo caiu 40% entre 2010 e 2020, de US$ 4.876 por kilowatt (kW) para US$ 2.858/kW.

Turbinas e torres representam de 33% a 44% dos custos totais desses projetos, enquanto instalação e montagem correspondem de 8% a 19% dos desembolsos, mostra o levantamento.

O histórico de capex (investimento) das usinas eólicas offshore mostrou queda significativa de preços de implantação dos projetos em diferentes países nos anos que antecederam a pandemia de covid-19, em meio ao grande avanço tecnológico. Projeções apontam ainda para uma queda contínua de custos em cenários tanto otimista como moderado e conservador.

Atualmente, há pouco mais de 60 gigawatts (GW) de capacidade de energia eólica implementada globalmente. Estima-se que 260 GW podem ser gerados até 2030 na modalidade, com investimentos previstos da ordem de US$ 1 trilhão, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

A modalidade começou a ganhar escala de fato em meados de 2006, apontou a A&M. Com a implantação de projetos mais próximos à costa na China, os custos caíram de forma mais acentuada – já que a distância média acima de 40 quilômetros, como acontece majoritariamente na Europa, afeta sobremaneira os custos.

Os números globais não repercutiram até no Brasil, segundo a CNI, ainda que o aproveitamento do potencial energético offshore seja de cerca de 700 GW no país. Não há no país usinas eólicas offshore operando.

Uma das razões é o rito para aprovação de novas instalações. Hoje, há aproximadamente 189 GW em projetos de eólica offshore no Brasil à espera de licenciamento. São 78 pedidos protocolados no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), apontou a CNI.

A soma dessa potência corresponde praticamente à capacidade total de energia já instalada no país e conectada ao Sistema Interligado Nacional, hoje de 194 GW, acrescentou a entidade.

“Fundamentalmente são majors de petróleo e algumas empresas de energia que tocam esses projetos, mas ainda é difícil saber o que para em pé de fato”, disse o sócio-diretor da A&M Infra, Filipe Bonaldo, à Bloomberg Línea.

Segundo o especialista, atualmente há três grandes desafios para destravar esses investimentos no Brasil. O primeiro, como mencionado acima, é o ambiente regulatório para a aprovação dos projetos. O segundo está relacionado a eventuais incentivos financeiros.

“Todas as demais novas energias passaram por um processo de maturação, em que foram necessários incentivos. Se o governo quer de fato explorar esse mercado, temos que pensar em um programa com começo, meio e fim”, avaliou.

Bonaldo disse que poderia haver um programa com duração de dez anos, por exemplo, com redução fiscal e tributária, além de incentivos para importação de determinados equipamentos e peças. “Com isso, o capex dos projetos seria reduzido e a tecnologia avançaria.”

De acordo com o levantamento da A&M, à medida que a tecnologia avança, o preço dos projetos de eólica offshore segue em trajetória de queda. “Se hoje esse custo médio está na casa dos US$ 2.800, olhando para o futuro, em meados de 2040, esse valor pode chegar a US$ 1.500. Isso significaria um preço de energia mais barato do que muita usina térmica em operação atualmente.”

Outro desafio é a cadeia de fornecedores. “Muitas plataformas offshore são feitas na Ásia, não temos tantos fornecedores nacionais. A cadeia terá que se aperfeiçoar”, disse Bonaldo. “Mas há um problema inerente à adoção de novas tecnologias: quem sair na frente nem sempre vai ter o retorno esperado.”

A presidente-executiva da ABEEólica, Elbia Gannoum, afirmou que a instabilidade do mercado nacional, com muitos altos e baixos, afeta o setor. “Quando falamos de cadeia produtiva como um todo, alguns fornecedores de componentes acabaram fechando ou saindo do Brasil.”

Em sua avaliação, os fornecedores de componentes não têm musculatura financeira para enfrentar tantas oscilações. “O Brasil conseguiu construir uma cadeia produtiva 80% local, com grandes fabricantes de turbinas dos Estados Unidos e da Europa. Com a queda da demanda, essas empresas conseguiram se ajustar, mas restaram menos fabricantes como um todo no país.”

Segundo a dirigente, a indústria eólica offshore ainda não está consolidada globalmente, mas segue em expansão. “A velocidade de expansão do segmento é muito superior ao histórico da onshore [em terra]. Diversos países estão iniciando agora projetos offshore, como Estados Unidos e Europa.”

Já o Brasil, acrescentou, prepara o seu aparato regulatório para que no ano que vem seja realizado o primeiro leilão de cessão de uso de áreas para a modalidade. “Com essa licença, o investidor poderá fazer seus estudos e devemos ter os primeiros projetos entrando em operação em 2027.”

Gannoum contou que o setor tem trabalhado na legislação do modelo de geração. “Enquanto isso, precisamos de demanda. Principalmente com o hidrogênio, vamos ter mercado para eólicas offshore, mas, para tanto, temos que atrair a indústria, pois são tecnologias complexas. Também precisamos desenvolver os portos para receber esses projetos.”

Onshore x offshore

A Prysmian, maior fabricante de cabos e sistemas de energia do mundo, já tem 30% da sua receita no país proveniente de fontes renováveis. No segmento de eólica offshore, há somente consultas, mas não ainda em fase avançada, relatou o CEO da filial brasileira do grupo, Raul Gil Boronat.

“A energia eólica offshore é mais cara, mas seguramente no Brasil seria mais barata do que nos Estados Unidos e na Europa”, disse o executivo em entrevista à Bloomberg Línea.

Ele estimou que de 30% a 35% dos custos dos projetos de eólica offshore são cabos submarinos, ao passo que, na geração onshore, os cabos representam 5% do capex.

No Brasil, o grupo já fornece os chamados cabos umbilicais para a indústria de óleo e gás offshore, incluindo projetos em águas ultraprofundas da Petrobras. O equipamento é produzido na planta de Vila Velha, no Espírito Santo.

“Temos uma fábrica em Vila Velha pronta para atender o segmento de eólica offshore. Queremos nos antecipar a essa tendência e, se o mercado demandar, teremos cabos para entregar em 2025″, destacou. “Mas não vejo projetos de eólica offshore acontecendo nos próximos três anos.”

Na visão de Boronat, os efeitos da guerra iniciada pela Rússia contra a Ucrânia reforçaram a importância de energias renováveis. “A transição energética só vai acontecer com fontes competitivas. Se os governos tiverem que subsidiar, não vai acontecer.”

Ele acrescentou que a guerra trouxe uma nova preocupação global: a segurança energética. “Muitos países perceberam que depender de energia importada é uma fragilidade”, avaliou.

O CEO da Petrobras, Jean Paul Prates, vem afirmando que energia eólica offshore será uma prioridade na estratégia da companhia de descarbonização. “Águas profundas e ultraprofundas nos colocam em posição privilegiada para a produção de energia eólica offshore”, disse o executivo recentemente em teleconferência com investidores.

Em março, a Petrobras e a norueguesa Equinor assinaram uma carta de intenções para cooperação em sete projetos de geração eólica offshore na costa brasileira, com potencial para gerar até 14,5 GW, o equivalente a uma usina de Itaipu. A companhia não informou uma estimativa de valores envolvidos.

Analistas de mercado ouvidos pela Bloomberg Línea demonstram ceticismo sobre os planos da estatal de investir em geração eólica offshore, diante dos elevados custos de implementação dos projetos.

Para o sócio da A&M, no entanto, embora o custo médio dos projetos onshore seja a metade dos empreendimentos offshore, há oportunidades para a geração em alto-mar.

“Quando as majors de óleo e gás fizerem a transição para renováveis, a alocação de capital será significativa. Não faz sentido para essas empresas apostarem em projetos pequenos”, disse Bonaldo.

De acordo com o especialista, o regime de produção das eólicas offshore tem a vantagem de maior estabilidade em comparação à modalidade onshore, principalmente à noite, quando os ventos se mantêm relativamente inalterados.

Para a presidente da ABEEólica, uma modalidade não exclui a outra.

“A matriz elétrica brasileira tem espaço para todas as fontes. Com a eólica offshore, temos a oportunidade de trazer grandes volumes de capital externo e promover a reindustrialização do país”, disse Gannoum. “O Brasil tem potencial de liderar a transição energética pela abundância de renováveis, só é preciso rearranjar sua estrutura econômica para receber esses investimentos”, acrescentou.

O head de research do banco ABC Brasil, Roberto Dumke, lembrou que, atualmente há uma sobreoferta de energia no país e que os preços de insumos desestimulam grandes investimentos.

Neste contexto, muitos projetos de energia eólica não estão saindo do papel em meio a um cenário de juros elevados e à cadeia de fornecedores com dificuldades. “Parques eólicos têm uma complexidade muito grande, tudo isso entra na conta do investidor″, avalia.

Bonaldo ponderou que o ciclo de investimento da geração eólica offshore gira em torno de sete anos. “Os projetos em discussão hoje estão se preparando para obter licenciamento e são previstos para começar a operar em meados de 2030. Mas as empresas que quiserem vender energia quando o mercado voltar [com a demanda] não podem esperar muito tempo para investir”, disse.

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