Busca por proteção acelera mercado de US$ 25 bi em derivativos climáticos

Mais empresas buscam mitigar riscos de impacto de eventos como chuva e calor extremo nos negócios; volume médio de negociação de produtos subiu 260% em 2023, segundo CME Group

Porto Alegre, 03/05/2024, Prefeitura de Porto Alegre a esquerda e o Mercado Municipal a direita, alagados, após chuva intensa. Foto: Gilvan Rocha/Agência Brasil
Por Sam Potter
06 de Maio, 2024 | 04:50 AM

Bloomberg — A mãe de Marty Malinow nunca conseguiu entender o que seu filho fazia para viver. Para os amigos, ela dizia que ele era “um corretor de ações que fazia algo com o clima”. Malinow não podia realmente discordar - ele sabia que a maioria das pessoas não tinha ideia sobre contratos financeiros baseados em coisas como sol, chuva e vento. Isso começa a mudar.

Diante de crescente volatilidade climática e mudanças, a demanda por derivativos climáticos tem aumentado. O volume médio de negociação de produtos listados aumentou mais de 260% em 2023, segundo o CME Group, com o número de contratos em aberto atualmente 48% maior do que há um ano.

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E esse segmento com negociação pública pode representar tão pouco quanto 10% de toda a atividade, de acordo com estimativas do setor; os derivativos em aberto podem valer até US$ 25 bilhões com base no valor nocional.

“Há muito mais caminho para o nosso negócio agora”, disse Malinow, fundador e CEO da consultoria Parameter Climate. “A maior fragilidade decorrente de volatilidade climática direta, problemas na cadeia de suprimentos, inflação, geopolítica. Isso significa que o clima pode consumir uma parte maior do resultado final agora.”

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As apostas climáticas mais conhecidas de Wall Street, os títulos de catástrofe, também estão em alta após um ano de retornos excepcionais. Mas esse boom acontece também nos derivativos, que fornecem um tipo diferente de proteção: contra ameaças meteorológicas menos graves, mas mais comuns.

Enquanto um título de catástrofe pode pagar se uma tempestade que acontece uma vez a cada cem anos devastar uma comunidade, um derivativo climático pode compensar um negócio de turismo se houver muitos dias chuvosos, ou um agricultor se um verão quente afetar suas colheitas.

Em resposta à demanda crescente por seus derivativos listados - todos baseados em temperaturas -, o CME Group expandiu suas ofertas no ano passado.

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Agora, traders e empresas podem comprar opções que cobrem cidades como Filadélfia, Houston, Boston, Burbank, Paris e Essen, na Alemanha, além de contratos estabelecidos que abrangem locais como Chicago, Nova York, Londres e Tóquio. Em sua estreia em agosto, 5.000 opções do “Heating Degree Day” foram negociadas apenas para Essen.

Vista aérea do bairro de Sarandi, em Porto Alegre, coberto pelas águas depois das chuvas da última semana no estado do Rio Grande do Sul (Foto: Carlos Fabal/AFP via Getty Images)

“Estamos na versão 3.0 do mercado”, disse Scott Klemm, diretor de receitas da Arbol, que estrutura produtos para empresas que buscam proteger seu risco climático. “A trajetória de crescimento em que estamos agora tem muito mais potencial, muito mais vantagem.”

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Parte do aumento da demanda é impulsionada por empresas que estão enfrentando sua exposição aos elementos climáticos de maneira nova.

Mensuração do risco climático aos negócios

Em alguns casos, é porque suas operações já foram impactadas, em outros, porque respondem às pressões de investidores e consumidores. Em muitas jurisdições, os reguladores começam a obrigar as empresas a quantificar de forma precisa os riscos do clima para seus negócios.

A maioria das grandes empresas europeias listadas agora é obrigada a divulgar quais são os riscos e as oportunidades decorrentes de fatores ambientais.

Nos EUA, a Securities and Exchange Commission (SEC) finalizou regras em março que tornariam obrigatório para as empresas publicar informações descrevendo os riscos relacionados ao clima que podem impactar seus negócios, bem como quaisquer medidas de mitigação que tenham adotado.

“Todas essas empresas têm riscos climáticos que não estão protegendo e agora têm que lidar com isso”, disse Nicholas Ernst, diretor administrativo de derivativos climáticos do BGC Group, um intermediário de mercado. “Estamos começando a entrar nesse mercado financeiro muito maior.”

Os planos da SEC permanecem objeto de intenso debate. O órgão regulatório enfrenta processos não apenas de grupos que desafiam sua autoridade para introduzir tal regulamentação mas também daqueles que dizem que as regras não vão longe o suficiente.

Volume médio diário de contratos de derivativos ligados ao clima na última década: salto de 260% em 2023, segundo o CME Group

Independentemente disso, as expectativas de investidores e outros interessados significam que há uma pressão crescente sobre as empresas para identificar e abordar seus riscos.

Tornou-se muito mais difícil para as corporações ignorarem a questão da maneira como historicamente faziam, avaliou Klemm, da Arbol.

“Quantas vezes lemos um relatório de resultados trimestrais ou ouvimos uma teleconferência e os executivos da empresa diziam: ‘Sabe, foi, foi uma primavera muito úmida. Isso impactou nosso resultado final.’ Com encolhimento de ombros e seguindo em frente?” ele questionou.

Malinow, que se descreve como a eminência cinza do mercado, foi um colaborador inicial para uma das primeiras mesas de derivativos climáticos do mundo na Enron Corp.

Em mais de um quarto de século ajudando empresas a proteger sua exposição à “Mãe Natureza”, ele criou contratos para tudo, desde gado que pode passar frio (tremer queima calorias, o que pode significar menos carne) e cabos de energia subaquáticos (eles não conduzem eletricidade bem quando seus pontos de conexão esquentam) até mortalidade de peru (as aves morrem se estiver muito calor).

Demanda do setor de energia

Mas, historicamente, os derivativos climáticos foram usados principalmente para proteger empresas de energia contra flutuações na demanda causadas por mudanças de temperatura.

Empresas de distribuição de energia enfrentam riscos claros e previsíveis: se um verão for menos quente do que o esperado, as pessoas não usarão tanto ar condicionado, e, em um inverno ameno, a demanda por aquecimento pode diminuir. Opções baseadas em índices de temperatura podem ajudar a compensar qualquer impacto em sua renda.

Por exemplo, a Star Group, uma empresa com sede nos EUA de produtos de aquecimento doméstico e ar condicionado e distribuidor de óleo de aquecimento, monta hedge para ajudar a mitigar o impacto do clima quente nos fluxos de caixa.

De acordo com seus demonstrativos financeiros, os contratos significavam que a empresa poderia receber até US$ 12,5 milhões se as temperaturas experimentadas durante o período de cobertura de novembro a março ultrapassassem determinados limites.

A flooded field of corn crops outside Wimbledon, North Dakota. Photographer: Ben Brewer/Bloomberg

Após receber pagamentos nos últimos anos financeiros - incluindo o benefício total em 2023 -, o pagamento máximo subiu para US$ 15 milhões para os contratos pagáveis em 2025. A empresa se recusou a comentar.

As empresas de energia também estão contribuindo para o atual boom, embora por razões diferentes.

Painéis solares, fazendas eólicas e geração hidrelétrica estão à mercê de luz solar, velocidade do vento e chuva, respectivamente, o que significa que, à medida que os produtores migram para fontes renováveis, enfrentam novas flutuações no lado da oferta além dos balanços tradicionais no consumo.

“Essa intermitência, junto com a volatilidade do mercado de gás natural, reavivou o espaço dos derivativos climáticos”, disse Klemm na Arbol, que recentemente levantou US$ 60 milhões em uma rodada de financiamento para ajudar a impulsionar sua expansão.

A empresa de Malinow, a Parameter Climate, trabalha com interessados em se proteger contra esses tipos de ameaças. Isso inclui fornecedores de energia com suas necessidades cada vez mais complexas, bem como empresas que consideram recorrer a coberturas climáticas pela primeira vez.

“Há outros setores com riscos climáticos embutidos que ainda não foram desvendados, como construção em terra e offshore, agricultura e transporte”, disse. “Há muitas empresas que nem sabem por onde começar a abordar seu risco, e isso contribuirá para o crescimento futuro do mercado à medida que aprendam.”

Negócios para a Syngenta

Avanços na ciência e na tecnologia meteorológica dão origem a produtos novos e mais sofisticados. Um comércio climático clássico pode parecer com o usado pelo Star Group, mas a Syngenta, uma gigante global de sementes e defensivos agrícolas, encontrou outra maneira de usar derivativos para aprimorar sua oferta aos agricultores.

Sob seu programa AgriClime, a Syngenta promete um reembolso em dinheiro de até 30% da compra de certas culturas por um agricultor se a natureza não fornecer as condições certas de crescimento.

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Portanto, quando chuvas pesadas ameaçam uma colheita de cevada, por exemplo, os produtores não serão arruinados. Isso aconteceu na última temporada de plantio no Reino Unido, e a Syngenta disse que fez pagamentos a 99% de seus clientes de cevada híbrida.

O programa é fundamentado em derivativos.

A estrutura exata desses contratos pode variar (calls, puts e swaps são variantes comuns), mas geralmente envolvem um comprador com risco climático - digamos, a Syngenta - que paga um prêmio a um vendedor que assume esse risco, prometendo um pagamento se certas medidas meteorológicas forem atendidas.

Seguradoras e, às vezes, fundos hedge ou outras empresas de investimento geralmente assumem o outro lado dos negócios.

A Syngenta disse que seu programa provou ser um grande sucesso. A oferta AgriClime agora cobre uma variedade de culturas em mais de 50.000 fazendas em 17 países, de acordo com Peter Steiner, chefe global de gerenciamento de risco climático e de crédito da empresa.

“Em muitos países e áreas, o clima ficou mais volátil, e o risco climático, mais difícil”, disse. “A Syngenta AgriClime provou que os derivativos não são apenas eficazes para proteger os balanços das empresas mas que, com a tecnologia e os processos certos, podem proteger vários usuários finais individuais.”

Incentivos e riscos envolvidos

O crescimento do mercado climático traz de volta uma pergunta sem resposta sobre o risco moral: mitigar o impacto financeiro do clima nas empresas reduz o incentivo das mesmas para buscar suas próprias contribuições para a mudança climática causada pelo homem?

Como um acadêmico escreveu em 2014, isso “pode aumentar o impacto negativo das ações daqueles que se beneficiam desses mercados, em detrimento da maioria e especialmente dos mais vulneráveis às mudanças climáticas.”

Os profissionais do setor insistem que é um resultado líquido positivo, apontando para o papel-chave do mercado em ajudar a financiar projetos de energia renovável, bem como a proteger comunidades de desafios climáticos.

“Somos capazes de amenizar a dor de alguns desses problemas globais massivos”, disse Dave Whitehead, co-CEO da Speedwell Climate, que fornece dados meteorológicos detalhados que sustentam muitos negócios climáticos. “Não estamos resolvendo os problemas, mas criamos situações em que os governos podem financiar projetos de reconstrução em caso de desastre.”

São preocupações mais práticas que têm segurado o crescimento das negociações climáticas até agora. O setor sofreu um grande golpe durante a crise financeira, com um estudo apontando uma queda de 50% no valor nocional do mercado de derivativos climáticos à medida que os tomadores de risco se retiravam de posições mais exóticas e difíceis de proteger.

Os derivativos climáticos também são altamente específicos - muitas vezes um contrato sob medida baseado em riscos localizados - e frequentemente de curto prazo. Isso limita severamente a atividade de negociação secundária.

Há também o “basis risk”, que se refere à eficácia de um derivativo como ferramenta de hedge. No caso do mercado climático, esse risco pode estar na geografia (se o ponto de medição que decide um contrato não estiver próximo o suficiente do local que busca proteção), no momento em que o contrato é eficaz e no fato de que o pagamento não está vinculado ao impacto econômico real que ocorre.

Apesar de todos os desafios, os players do mercado agora parecem tão otimistas quanto já estiveram.

Maria Rapin, CEO da Nephila Climate, supervisiona uma estratégia de investimento que direciona capital para empresas e instituições que enfrentam maior exposição financeira à volatilidade climática. Rapin disse que, há 20 anos, os olhos se reviravam quando ela falava sobre seu trabalho em uma grande seguradora em que estruturava títulos de catástrofe e ajudava a transferir o risco climático.

“Agora as pessoas estão dizendo algo como, ‘uau, você está no centro de tudo’”, disse. “Isso é mainstream.”

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