Bloomberg — Na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas do ano passado, Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente eleito do Brasil, foi aplaudido quando declarou “O Brasil está de volta” na luta contra o aquecimento global. Foi uma alusão a seu antecessor, Jair Bolsonaro, cujo governo testemunhou o aumento desenfreado do desmatamento da Floresta Amazônica, ajudado pela diminuição das proteções ambientais.
Este ano, Lula está determinado a mostrar o quão séria é a maior economia da América Latina em relação à sustentabilidade. Na COP28 em Dubai, ele pretende apresentar políticas para proteger o meio ambiente, tanto no país quanto no exterior - medidas que visam atrair financiamento para projetos sustentáveis, reduzir as emissões e subsidiar veículos elétricos.
“Vamos para a COP28 em uma posição de força, exigindo essa transição do mundo”, disse ele a jornalistas em outubro.
O presidente colocou a floresta amazônica como prioridade em seu terceiro mandato e está trabalhando para restaurar a liderança climática do Brasil. Ele se comprometeu a acabar com o desmatamento, conseguiu vencer a candidatura para sediar a COP30 na cidade amazônica de Belém em 2025, e tentou unir os países vizinhos do Brasil em sua causa.
Tudo faz parte de um esforço concentrado para mudar a reputação do Brasil de pária internacional no tema do clima para líder do Sul Global. No retorno oficial de Lula à conferência, o governo brasileiro levará uma das maiores delegações a Dubai, incluindo 15 ministros e mais de 1.600 pessoas dos setores público e privado.
“O Brasil está começando a colocar em prática suas palavras” em relação ao clima, disse Laura Trajber Waisbich, diretora do programa de estudos brasileiros do Latin American Centre, da Universidade de Oxford.
Ainda este ano, Lula chamou a atenção ao reunir líderes de nações amazônicas e de outros países com florestas tropicais em Belém para uma reunião rara, com o objetivo de chegar a uma posição unificada sobre como proteger a maior floresta tropical do mundo.
Um acordo importante entre eles é que os países ricos devem cumprir os compromissos anteriores de destinar US$ 100 bilhões por ano para o financiamento climático de economias em desenvolvimento. Os países atingiram a meta anual de financiamento pela primeira vez em 2022, de acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Não está claro quanto apoio Lula pode obter das nações ricas, nem até que ponto ele conseguirá convencer os países em desenvolvimento a seguir seu exemplo. Os líderes estão se reunindo em Dubai para uma cúpula de duas semanas em meio a duas guerras que estão esgotando os cofres públicos e aumentando as tensões entre as potências globais.
Lula mostrará o progresso e os planos do Brasil para tentar “reapresentar o desafio de 1,5ºC”, disse Ilona Szabó, presidente do Instituto Igarapé, um think tank no Rio de Janeiro, referindo-se ao limite de aquecimento estabelecido pelo Acordo de Paris de 2015. Se as temperaturas subiram acima disso, os cientistas alertam que o risco de impactos perigosos do aquecimento global aumentará significativamente.
O governo brasileiro apresentará o que chamou de plano de transição ecológica. Isso inclui a criação de um mercado regulado de carbono e limites de emissões para grandes empresas, que estão sendo discutidos no Congresso; a atração de bilhões de dólares em investimentos por meio da exportação de biocombustíveis; e a transição para fontes de energia limpas.
Ao mesmo tempo, o governo de Lula busca atuar como um interlocutor que pode facilitar reuniões entre os países e encontrar pontos comuns. “A outra opção é um filme de faroeste ocidental”, disse André Corrêa do Lago, principal diplomata climático do Brasil.
Até agora, os esforços de Lula para reunir as nações têm produzido resultados mistos. As reuniões de agosto em Belém, a primeira desse tipo em 14 anos, resultaram em um acordo para evitar que a Amazônia atinja “um ponto de não retorno”, mas o plano estabelecido por oito países da América do Sul decepcionou muitos ativistas por sua falta de metas mensuráveis e prazos.
“Eles estão longe, em termos de ações concretas, de evitar o ponto de ruptura”, disse Claudio Angelo, responsável por política internacional no Observatório do Clima, uma rede de grupos ambientais brasileiros.
Com 60% da Floresta Amazônica em seu território, o Brasil está sofrendo com temperaturas recordes. Este ano, também enfrentou uma seca severa na Amazônia, que reduziu os rios a cursos lamacentos, e incêndios devastadores em suas áreas úmidas.
O esforço para reunir a região ocorre depois que o Brasil, sob o governo de Bolsonaro, enfrentou proibição de importações e críticas generalizadas do exterior por permitir o aumento da destruição de sua floresta tropical. O governo de Lula conseguiu reduzir o desmatamento em 22,3% entre agosto de 2022 e julho de 2023, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
“Se a tendência que identificamos quando assumimos o cargo continuasse, a situação seria muito pior” para a floresta, disse Marina Silva, ministra do Meio Ambiente do Brasil. “O mundo entende isso e sabe do esforço que o governo de Lula está fazendo”.
No entanto, durante as recentes conversas regionais em Belém, houve resistência à proposta de Lula de chegar a um acordo para acabar com o desmatamento ilegal.
Na Bolívia, incêndios devastaram 3,5 milhões de hectares de floresta este ano, à medida que os agricultores abrem terrenos para a produção de carne bovina e soja, enquanto na Venezuela a mineração clandestina de ouro disparou com a crise econômica. Nenhuma das nações assinou um compromisso em 2021 para proteger florestas na COP26 em Glasgow.
A questão de como lidar com os hidrocarbonetos tem incomodado também os líderes desta região dependente de commodities. O presidente colombiano Gustavo Petro, que adotou algumas das políticas de conservação mais rígidas da América do Sul, pediu a seus colegas em Belém que se unissem a ele na cruzada para pôr fim à exploração de petróleo - uma posição que a Colômbia sinalizou que continuará a defender na COP28.
Apesar das ambições ambientais de Lula, seu governo está explorando uma enorme jazida de petróleo offshore perto da foz do Rio Amazonas, o que lhe rendeu críticas tanto de ativistas quanto de seus próprios aliados.
“Há apenas um limite para o quanto Lula pode agitar a bandeira da ação coletiva e liderança climática do Brasil enquanto seu governo busca simultaneamente incentivar a exploração de combustíveis fósseis”, disse Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Os esforços da União Europeia para aplicar regras de proteção ambiental aos seus parceiros comerciais têm irritado líderes do Brasil e de outras nações em desenvolvimento, que criticaram as medidas que consideram unilaterais. O acordo comercial negociado há muito tempo entre a UE e o bloco Mercosul - composto por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai - está sendo impedido pelas novas exigências europeias de compromissos com o desmatamento, que Lula categorizou como “ofensivas”.
Da mesma forma, os planos da UE de impor uma taxa sobre importações para combater o chamado carbon leakage, ou seja, quando empresas transferem produção intensiva em carbono para países com normas de poluição menos rigorosas, têm gerado alarme no Brasil.
No final, Lula buscará mostrar que pode construir um certo consenso em toda a região da Amazônia, mas “sem condicionar a política do Brasil às negociações com seus vizinhos”, afirmou Spektor. “O Brasil jogará seu próprio jogo, e Lula o fará tendo em vista a realização da COP e o Brasil sendo sujeito a escrutínio internacional.”
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