Bloomberg — Na noite de sexta-feira (14), Javier Milei, um usuário frequente de redes sociais, direcionou seus seguidores a um site que pretendia arrecadar dinheiro para pequenas empresas na Argentina por meio de criptografia.
A meio mundo de distância, o empresário de ativos digitais Hayden Davis viu o token Libra, uma “memecoin” que ele ajudou a lançar, começar a subir de valor.
O valor de mercado passou de US$ 1 bilhão, de US$ 2 bilhões e chegou a ultrapassar US$ 4 bilhões.
Quando entrou em colapso, como costuma acontecer com esses tokens, a presidência de Milei na Argentina estava em crise.
Investidores como o fundador da Barstool Sports, Dave Portnoy, sofreram grandes perdas e apelidaram o token de “a maior puxada de tapete de todos os tempos” - uma referência ao léxico criptográfico para uma fraude. O próprio Davis, em um post posterior nas redes sociais, reconheceu ter mantido alguns lucros apesar das quedas.
Os eventos são agora objeto de uma investigação interna do governo argentino. Membros proeminentes do mundo das criptomoedas acusam uns aos outros, enquanto Milei tenta se recuperar de um golpe político.
“A saga de Libra é uma farsa”, disse Henry Elder, da UTXO Management. “É uma ilustração clara de que a safra atual de líderes de criptografia não tem qualquer bússola moral.”
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Impacto econômico e político
Investidores em Buenos Aires avaliaram a situação e se desfizeram de ações de algumas das maiores empresas locais. O índice de referência Merval, da bolsa local, teve sua maior queda intradiária em cerca de três semanas e chegou a cair 5,8%, antes de reduzir o declínio. Fechou com perdas de 5,58%.
Milei, por sua vez, viaja para Washington DC nesta semana na esperança de se encontrar com Donald Trump.
O líder argentino quer garantir o apoio do presidente dos Estados Unidos para que seu país receba mais recursos do Fundo Monetário Internacional (FMI) em um novo programa de socorro que ainda está em negociação, bem como possíveis isenções das tarifas comerciais de Trump.
Milei venceu as eleições na Argentina no final de 2023 enquanto seus apoiadores se mostravam desesperados por uma reforma econômica após vários anos de crise.
Ele tem se alinhado cada vez mais com líderes de direita em todo o mundo, e sua propaganda de criptografia lembrava o token que o próprio Trump lançou poucos dias antes de sua posse.
O token Libra foi lançado no Solana, um blockchain com velocidades de transação rápidas e taxas baixas que o tornaram popular entre os traders de memecoin.
Para aumentar a confusão no fim de semana, houve histórias contraditórias.
Depois que a Libra caiu de valor, Davis - o CEO da Kelsier Ventures - disse no sábado (15) em um vídeo postado no X que ele era consultor de Milei e que “trabalhou com ele e sua equipe em tokenização muito maior e em coisas realmente legais na Argentina”.
O gabinete de Milei emitiu então uma declaração dizendo que Davis “não tinha nem tem nenhuma conexão com o governo argentino”.
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Encontros e desencontros
Milei disse que se encontrou com Davis no mês passado no palácio presidencial em Buenos Aires porque o executivo de criptografia estaria envolvido no fornecimento da infraestrutura digital para a Libra.
O presidente argentino declarou que havia tomado conhecimento do projeto meses antes, quando um trader que ele conhecia de antes do início de seu mandato o apresentou a Julian Peh, chefe da KIP Protocol, a empresa que primeiro propôs o token.
No início do sábado (15), Milei negou ter qualquer conhecimento detalhado sobre a Libra e disse que estava apoiando uma iniciativa privada que parecia ter boas intenções, mas com a qual ele não tinha vínculos.
Davis, por outro lado, disse que o presidente argentino havia endossado e promovido ativamente o token, mas depois voltou atrás inesperadamente.
Davis disse no sábado que planejava devolver os lucros que coletou de volta ao token, em uma tentativa de tranquilizar os compradores de criptografia.
Nem o escritório de Milei, Davis ou Peh responderam imediatamente aos pedidos de comentários da Bloomberg News.
Em um comunicado nesta segunda, a KIP Protocol disse que a única vez que Peh ou qualquer outro membro de sua equipe se encontrou com Milei foi em outubro do ano passado e que a Libra não havia sido mencionada.
A empresa acrescentou que a KIP não estava encarregada do processo de lançamento do token, que Davis não era empregado ou afiliado ao protocolo e que não havia lucrado com o lançamento.
‘Um tipo Mini-Trump’
Entre os investidores que ficaram na esteira do incidente estava Portnoy, que disse na noite de domingo (16) no X que Davis o convidou para participar do lançamento do token.
Os dois se encontraram pela primeira vez na casa de Portnoy há algumas semanas e, em seguida, Davis falou com ele por telefone quando o empresário de criptomoedas estava em Buenos Aires reunido com o líder argentino.
De acordo com Portnoy, Davis o adicionou ao “registro de marketing” da Libra e até mesmo propôs a ele entrevistar Milei na Argentina, assim como ele havia feito com Trump anos atrás.
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As coisas começaram a dar errado na sexta-feira, quando Portnoy - que descreveu Milei como “um cara do tipo mini-Trump” - disse que Davis o presenteou com moedas da Libra antes do lançamento.
Portnoy disse que contou a Davis que revelaria o presente a seus seguidores nas redes sociais quando promovesse o token, mas Davis imediatamente lhe disse para remover esse detalhe da postagem.
Ele disse que devolveu as moedas, mas comprou Libra de forma independente após a postagem inicial de Milei na noite de sexta-feira, em uma aposta na credibilidade do líder argentino.
Quando a moeda despencou de valor, Portnoy ficou no meio da multidão que ouvia a apresentação de Miley Cyrus no Radio City Music Hall, em Nova York, para o especial do 50º aniversário do Saturday Night Live, enviando mensagens de texto a Davis para exigir respostas.
“Eu estava comprando como qualquer outro idiota”, disse Portnoy, que culpou Milei por enganar Davis e pelo fracasso do token em comentários carregados de palavrões. “Eu não comprei nada por conta própria até depois que Milei tuitou.”
Consequências políticas
O episódio tem se mostrado um constrangimento para Milei.
O economista libertário, que tenta reconstruir a economia argentina, propensa historicamente a crises, ganhou o status de rockstar entre os principais capitalistas globais, impressionando platéias por dois anos consecutivos no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça.
Não se sabe ao certo quais serão as repercussões para Milei dez meses antes das eleições de meio de mandato na Argentina.
Os oponentes políticos rapidamente ameaçaram com uma ação legal e um processo de impeachment, que provavelmente não seguirá adiante, já que é necessária uma maioria de dois terços no Congresso.
O principal partido de centro-direita, do ex-presidente Mauricio Macri, favorável ao mercado e que apoiou as reformas de Milei, expressou até agora sua decepção, mas rejeitou a tentativa da oposição peronista de buscar destituí-lo.
Pesquisadores dizem que Milei ainda pode evitar pagar um preço político alto, já que a inflação está em queda, os salários, em alta, e a economia voltou a crescer.
Seus índices de aprovação têm oscilado perto de 47% há meses, enquanto todos os outros partidos políticos da Argentina são menos populares e mais fragmentados. Mas isso reaviva as preocupações sobre a personalidade e as decisões, às vezes erráticas, do presidente.
“O equilíbrio macroeconômico precisa vir junto com o equilíbrio emocional”, disse Alejandro Catterberg, diretor da empresa de consultoria Poliarquia, sediada em Buenos Aires. “Esses tipos de coisas criam muita incerteza desnecessária.”
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