Bloomberg — Mimi St Johns não via a hora de deixar a Universidade de Stanford.
A jovem de 24 anos com dupla graduação em ciência da computação e alemão, ex-estagiária da Thiel Capital e engenheira de software, tinha o necessário para conseguir um cargo cobiçado nos altos escalões do mundo corporativo.
Mas, no ano passado, quando o chamado “inverno cripto” começou a apresentar sinais de melhora, ela elaborou um plano para lançar uma empresa de blockchain.
Em janeiro, abandonou os estudos faltando dois trimestres para se formar e se mudou para Miami para discretamente lançar sua startup, a Verbum Labs.
“A única coisa de que me arrependo é não ter feito isso antes”, disse ela.
Com a nova retomada nos preços do bitcoin neste ano, o cálculo da carreira está mudando - mais uma vez - para os universitários.
As exchanges de ativos digitais, como Coinbase, Kraken e Gemini, estão contratando, já que as condições mais favoráveis voltaram a facilitar a captação de recursos e o aumento do número de funcionários.
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Até mesmo as principais gestoras do mercado tradicional de investimentos, como a Fidelity, se expandiram para ativos digitais, dado que a introdução de fundos de índice (ETFs, na sigla em inglês) de bitcoin à vista em janeiro, após a aprovação regulatória, aumentou a necessidade de talentos.
De certa forma, a movimentação lembra o período anterior à recente queda das criptomoedas, a do estouro da bolha, como críticos apontaram. O setor já foi um destino agitado para os melhores alunos das universidades, atraídos pela chance de enriquecer em um novo e empolgante setor.
Mas as contratações e os investimentos diminuíram drasticamente durante a baixa de dois anos das criptomoedas, que começou em 2022 e eliminou bilhões em valor de mercado, levou empresas ao colapso e culminou na sentença de 25 anos de prisão de Sam Bankman-Fried, CEO da exchange FTX, após a condenação por diferentes fraudes.
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Desde seu novo pico mais recente em março deste ano, o preço do bitcoin caiu cerca de 15%. Ainda assim, uma nova onda de jovens empreendedores de cripto diz estar ciente da volatilidade e dos riscos do setor. E eles estão dispostos a deixar algumas das universidades e escolas de negócios mais prestigiados do país para lançar suas carreiras no que eles esperam que seja um novo boom de cripto.
Edison Siu, de 33 anos, recentemente trancou sua matrícula na Yale School of Management para lançar uma empresa de blockchain.
Ele já passou por duas recessões e acha que o momento de entrar no mercado é na alta. Ele não achou que conseguiria lançar sua empresa de blockchain de combate a bots, a Solo, enquanto estudava em meio período em Yale. Por isso, ele vai se mudar para São Francisco em maio para se dedicar integralmente à empresa.
“Antes, quando começou o inverno cripto, as pessoas diziam: ‘bem, a blockchain acabou’”, disse ele. “Agora as pessoas sabem que os invernos virão, mas os criptoativos ainda existirão”.
Os alunos que se formam neste ano enfrentam um mercado de trabalho desafiador que tornou o setor de criptomoedas mais atrativo.
À primeira vista, o mercado de trabalho dos Estados Unidos está em expansão, conforme o maior aumento nas vagas criadas em quase um ano, segundo o último relatório do departamento de estatísticas do país.
No entanto esse crescimento foi liderado pelos setores de saúde, construção, lazer e hotelaria.
Enquanto isso, os empregadores de vagas mais qualificadas têm cortado empregos, inclusive nos grandes bancos de Wall Street e nas empresas de consultoria que normalmente recrutam nas principais universidades.
A empresa de pesquisa e análise de recrutamento universitário Veris Insights constatou que 62% das empresas de serviços profissionais disseram que o volume de contratações de nível básico para cargos de tempo integral diminuiu no ano acadêmico atual em relação ao ano anterior.
Esse número foi de 30% para o setor financeiro e de 29% para o bancário, de acordo com a pesquisa com mais de cem grandes companhias, incluindo BlackRock, Bank of America (BAC) e McKinsey.
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Ao mesmo tempo, o interesse por cripto está se espalhando por faculdades e universidades dos EUA. Na Columbia Business School, um recente evento de recrutamento para a Coinbase atraiu cerca de 70 a 80 alunos, de acordo com um representante do centro de gerenciamento de carreiras da escola.
Já na Williams College – conhecida por enviar graduados para grandes instituições financeiras de Wall Street –, a curiosidade pelo setor está começando mais cedo do que nunca.
“Quando os alunos falam sobre criptoativos e blockchain, ficam realmente animados e inspirados pelo risco”, disse Dale Osef, diretor assistente de carreiras em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM) e de saúde da faculdade de Massachusetts.
“Eu vejo eles chegarem com todo esse conhecimento realmente vasto sobre o assunto, mesmo no primeiro ano.”
Um emprego no setor de cripto geralmente é mais específico do que no setor bancário ou de consultoria, que podem começar a entrevistar alunos para programas estruturados já no segundo ano.
Mas a Coinbase anunciou em novembro passado que aumentará o percentual de contratações que faz a partir de estágios, com a meta de que 20% das novas contratações em tempo integral em seus departamentos de engenharia, produtos e design tenham passado por seu programa de estágio.
“Tivemos um grande aumento no interesse em todos os nossos eventos”, disse L.J. Brock, diretor de RH da exchange. “Estamos muito confiantes de que atingiremos nossas metas de recrutamento.”
O interesse renovado dos candidatos por cripto apresenta alguns desafios. A Coinbase quer contratar pessoas interessadas na tecnologia e que acreditem não apenas em seu potencial de longo prazo mas que também permaneçam com ela em um período de baixa, disse Brock.
Muitas empresas podem evitar os canais tradicionais de recrutamento usados com frequência por bancos e empresas de consultoria e, em vez disso, procurar mais o envolvimento de estudantes em projetos de código aberto ou a participação em clubes de blockchain no campus.
Charlie Ambrose, de 21 anos, presidente do clube de blockchain de Dartmouth, pesquisou o bitcoin pela primeira vez aos 15 anos. Seu tio comprou um pouco da criptomoeda, e todos acharam engraçado quando caiu de valor alguns meses depois. Mas isso foi há alguns anos.
Criptoativos para a Geração Z, como Ambrose, funcionam quase da mesma forma que a internet social inicial funcionava para os millennials: engraçadas até que, de repente, se tornaram uma parte séria da vida.
Agora, formado em filosofia, Ambrose se prepara para uma carreira em cripto depois de lançar uma empresa de blockchain chamada Anthias Labs com seu clube. No que diz respeito a empregos, ele “realmente não consegue imaginar outra coisa”.
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Mimi St Johns sente o mesmo. Ela começou a frequentar festas de cripto em São Francisco no início da faculdade, época em que a pandemia impôs uma série de restrições sociais.
Ela disse que essas festas eram como os primeiros dias da internet, quando as pessoas estavam construindo algo grande e novo. Agora, ela vai lançar uma empresa de cripto chamada Verbum Labs, uma plataforma para que os consumidores comprem produtos virais do mundo real mais facilmente, como copos Stanley, por meio de tokenização.
“O que eu diria às pessoas que acham que sou louca?”, disse ela. “Sem dor não há sabor... Se você não corre nenhum risco, não recebe nenhuma recompensa.”
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