Bloomberg Línea — Uma plataforma que pode revolucionar o mercado imobiliário. Assim o economista e ex-diretor do Banco Central Tony Volpon define o novo projeto da CF Inovação, empresa da qual é sócio desde 2023.
Neste primeiro semestre, a companhia de tecnologia vai lançar o que descreve como a primeira “bolsa do mercado imobiliário”: uma experiência semelhante à de uma bolsa de valores, em que, em vez de ações ou títulos, serão negociados imóveis e ativos imobiliários por meio de tokens digitais.
“Nosso projeto é muito mais ambicioso do que o que tem sido feito fora do Brasil. Se der certo, será uma experiência única no mundo”, afirmou Volpon em entrevista à Bloomberg Línea.
A plataforma pretende estrear como abrangência nacional e com aval do Banco Central, colocando incorporadores, corretores, imobiliárias, clientes e investidores na mesma tela de negociação. Os ativos imobiliários serão representados por tokens digitais na blockchain – a exemplo do que são as ações na bolsa de valores.
A tokenização permite negociações como compra, venda e aluguel, além de transferências de posse e fracionamento de imóveis e ativos imobiliários. O foco é aumentar a liquidez do mercado e reduzir os custos operacionais das transações.
“O que vamos oferecer para incorporadoras, corretores e clientes finais é uma maneira alternativa de fazer operações já existentes, como o lançamento de apartamentos, por exemplo. Mas de uma forma mais fácil, mais acessível e com maior segurança.”
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A CF Inovação é o projeto ao qual Volpon tem se dedicado desde que deixou no fim de 2022 a WHG, empresa com foco em wealth management da qual era sócio e estrategista-chefe.
Com experiência de quase 30 anos no mercado financeiro em casas como Safra, Bank of America e outras, Volpon trabalhou no Banco Central como diretor de Assuntos Internacionais em 2015 e 2016; antes, também foi chefe de Pesquisas para Mercados Emergentes das Américas da Nomura Securities International, em Nova York; e, depois, trabalhou como economista-chefe do UBS para o Brasil.
Bolsa do imobiliário como negócio
A exemplo da B3 no mercado financeiro, a bolsa do imobiliário pretende monetizar sua operação por meio da cobrança de pequenas taxas sobre cada transação realizada na plataforma. O primeiro desafio para crescer o negócio é atrair os principais players do mercado.
“É o problema do ovo e da galinha. Quem oferta não quer entrar com o produto porque ainda não vê a demanda. E quem demanda não vai participar se não houver oferta”, resumiu Volpon.
Para transpor a barreira, a CF Inovação fechou uma parceria exclusiva com uma grande imobiliária da região Sul do país, que vai anunciar exclusivamente na plataforma.
O objetivo é mostrar a concorrentes que a tecnologia funciona, tem custos baixos e proporciona maiores possibilidades de ganho. O nome do parceiro será divulgado junto com o lançamento da bolsa no mercado.
Um dos diferenciais do projeto é que ele deve nascer já com o aval do regulador.
“Não seremos como a Uber, que primeiro lançou o serviço e depois ficou brigando com o governo. Já estamos em conversas com o Banco Central e sobre o Drex”, disse Volpon em referência ao projeto de moeda digital de banco central (CBDC), regulado e operado pela autoridade monetária.
Existe ainda uma comissão jurídica do Cofeci (Conselho Federal de Corretores de Imóveis) a cargo da regulação do mercado digital imobiliário, para que haja garantia de segurança jurídica desde a estreia.
A bolsa imobiliária brasileira exigiu um investimento de infraestrutura para começar a operar. Volpon não abre números, mas estima um investimento na casa dos milhões de reais. Para o futuro, a ambição é que a plataforma ganhe escala em termos de volume transacionado para gerar retorno sobre o investimento.
“Estudei muito o caso da Amazon. E acho que tem bastante relação com o que estamos fazendo. Você cria a tecnologia e oferece uma nova forma de fazer algo, como comprar um livro. As pessoas começam a gostar da forma digitalizada, e então você cresce também com a adição de novos produtos e serviços”, explicou Volpon.
O plano prevê que, quando o modelo alcançar uma escala relevante, atraia outras concorrentes para o mercado. Juntas, elas devem dominar 80% do mercado imobiliário brasileiro nos próximos anos.
“Se isso vai acontecer em um ano, dois anos, cinco anos, eu não sei. A taxa de adoção dessas novas tecnologias é uma grande incógnita.”
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“Cetip” do imobiliário
O projeto começou com o lançamento do SGR (Sistema de Governança e Registro de Contratos e Documentos), iniciativa do Cofeci e do Creci (Conselho Regional de Corretores de Imóveis) para digitalizar o mercado imobiliário.
O sistema permite o registro contratos de forma criptografada e, na analogia com o mercado financeiro, funcionaria como a Cetip (Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos Privados), entidade que oferece serviços de registro para os ativos da bolsa.
A CF Inovação venceu o edital para colocar a “Cetip do imobiliário” em operação e enxergou uma oportunidade maior.
“Pensamos que o SGR poderia ser a infraestrutura necessária para lançar o mercado de tokenização de investimentos imobiliários. A plataforma coloca os contratos on chain, trazendo compatibilidade com os tokens, que já estão na rede”, explicou Volpon.
Oferta de serviços
O aspecto decisivo da iniciativa está no passo seguinte, a oferta de serviços. É nessa fase que os players do mercado – o que inclui a própria CF Inovação – poderão obter retorno financeiro com a plataforma.
A nova bolsa do imobiliário deve começar a operar com a oferta de dois tipos de tokens.
O primeiro é o que o economista define como “token de compra na planta”. Uma incorporadora lança um projeto e, junto com ele, o token de compra futura do imóvel, que é pago mês a mês pelo comprador.
O capital é utilizado para a construção do prédio – que corresponde de 30% a 40% do valor do apartamento até a entrega. No recebimento das chaves, será possível acertar um financiamento tradicional com uma instituição financeira para quitar o imóvel, da mesma forma que a operação convencional.
O segundo token é referente ao direito ao crédito imobiliário. Para construir um edifício, companhias costumam tomar empréstimos com o fluxo de caixa como garantia. A CCI (Cédula de Crédito Imobiliário) é o título de renda fixa que representa esse direito. Volpon pretende lançar um token que cumpra a mesma função.
“O token é uma alternativa de financiamento que vem em um momento de grande dor do setor com a escassez dos recursos da poupança, especialmente para pequenas e médias incorporadoras.”
Volpon disse antever um canal extra de vendas com atratividade adicional em termos de custo para esse público de B2B.
“Em conversas com incorporadores, ouvimos que eles podem gastar de 10% a 20% do VGV [valor geral de vendas] na tentativa de comercializar o produto. Nós com certeza conseguimos baixar esse custo.”
Com o tempo, devem ser agregados outros serviços, como financiamento de imóveis e securitização de aluguéis.
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Corretor como assessor
A figura responsável por oferecer os tokens ao cliente final é o corretor de imóveis, que terá papel semelhante ao de um assessor de investimentos no mercado financeiro.
Volpon prevê que os primeiros interessados sejam profissionais que já têm contato e alguma familiaridade com criptoativos, mas planeja oferecer uma formação para quem quiser ingressar nesse mercado. Atualmente, o Brasil conta com cerca de 400 mil corretores, dos quais 18 mil estão cadastrados no SGR e 3.500 estão registrados para operar tokens imobiliários.
Um dos atrativos previstos para os corretores será a segurança no recebimento da comissão.
“Atualmente, acontece muito de o corretor não receber a comissão, mas isso não será possível na nossa plataforma. A partir do momento que o pagamento é feito, o contrato inteligente já direciona a parte do dinheiro que é do vendedor e a parcela do corretor”, explicou o economista.
Segundo ele, a plataforma já nasce com aspiração de alcançar abrangência nacional, o que ampliaria a liquidez do mercado. Ou seja: um imóvel de Santa Catarina poderia ser comercializado por um corretor registrado na Paraíba sem os atuais entraves regulatórios que variam de estado para estado.
A estimativa é que a tokenização facilite negócios não só dentro do Brasil mas também a internacionalização dos mercado imobiliário brasileiro.
“Hoje em dia, corretores americanos olham para o mercado brasileiro e vice-versa, mas não existe essa facilidade de compra. Dentro da plataforma, um estrangeiro poderia comprar um imóvel com uso de stablecoins. É uma facilidade”, disse. Volpon disse não descartar levar a tecnologia para outros países.
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