Sob desconfiança, novo líder do PT na Câmara diz que vai proteger agenda de Haddad

Em entrevista à Bloomberg News, Lindbergh Farias afirma que é preciso defender a equipe econômica; promessa vem depois de dois anos de fogo amigo do partido e de resistência do próprio Lula em abraçar a agenda de equilíbrio fiscal

Lindbergh Farias
Por Daniel Carvalho
27 de Dezembro, 2024 | 04:50 PM

Bloomberg — O próximo líder do PT na Câmara promete deixar de lado as opiniões mais à esquerda de seu partido para apoiar a agenda econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cujo sucesso considera crucial para as chances de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2026.

Lindbergh Farias, de 55 anos, vem de uma ala mais à esquerda do Partido dos Trabalhadores, responsável pelo fogo amigo contra os planos de austeridade de Haddad.

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O deputado é casado com Gleisi Hoffmann, presidente linha-dura do PT que frequentemente usa as redes sociais para criticar o mercado, o Banco Central e até o chefe da Fazenda.

No entanto, ao se preparar para o cargo de liderança, Lindbergh disse que defenderá a agenda econômica do governo como parte de uma estratégia para ajudar Lula a ganhar um quarto mandato.

“Nós temos que blindar o governo, a equipe do Haddad, os projetos do Haddad. Eu, como líder, quero fazer isso”, disse ele em uma entrevista à Bloomberg News realizada na semana passada, em seu gabinete na Câmara dos Deputados. “Você sabe que às vezes eu tenho algumas posições pessoais, mas agora eu sou líder da bancada aqui. Agora eu tenho que refletir a opinião da minha bancada, do PT. Eu tenho que defender o governo e vou fazer isso.”

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Na metade do mandato, o governo Lula se encontra em um momento crítico. Investidores duvidam da habilidade e disposição do presidente em pôr fim a uma onda de gastos que tem produzido déficits orçamentários nominais de quase 10% do Produto Interno Bruto (PIB).

Uma crescente crise de credibilidade fiscal fez o real se desvalorizar mais de 20% em relação ao dólar este ano, o que pode confirmá-lo como a mais desvalorizada entre as principais moedas em 2024.

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Preocupações sobre a saúde de Lula, de 79 anos, após uma cirurgia de emergência no cérebro no início deste mês, aumentaram ainda mais a incerteza.

Em um vídeo divulgado na semana passada, Lula disse que permanecerá “atento à necessidade” de medidas adicionais de austeridade, após a aprovação do pacote de contenção de gastos que ele enviou ao Congresso não ter amenizado as preocupações dos investidores. E, mesmo com a agenda econômica para 2025 ainda desconhecida, Lindbergh afirma que quer ajudar.

Ao mesmo tempo, ele quer dar prioridade a propostas que concedam direitos aos trabalhadores informais, algo que ele considera essencial para o governo se reconectar com a população mais pobre após o desempenho fraco da esquerda nas eleições municipais deste ano.

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Fundado em 1980 com o apoio de sindicalistas e movimentos de trabalhadores, o PT agora luta com a realidade do crescimento do trabalho informal e sindicatos enfraquecidos no Brasil.

“A gente tinha que achar algo que tivesse impacto para falar para os informais”, disse Lindbergh. “O perfil do trabalho mudou muito. Nós temos que saber dialogar neste momento.”

Outra prioridade para 2025, segundo ele, é aprovar a proposta do governo para isentar de Imposto de Renda os trabalhadores que ganham até R$ 5.000 por mês.

A proposta, anunciada por Haddad juntamente com o plano de cortes de gastos conforme, exigido por Lula, contribuiu para azedar o sentimento dos investidores em relação ao Brasil, já que muitos a viram como uma evidência de que a administração não está realmente comprometida com a austeridade.

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Lindbergh refutou tal alegação, dizendo que há má vontade dos investidores com Lula e que eles ignoram cortes em programas sociais que são caros ao Partido dos Trabalhadores e ao presidente.

“A gente cortou na nossa carne, mas, de certa forma, é como se não houvesse o reconhecimento do mercado com as ações duras que estão sendo feitas. A gente fica meio decepcionado.”

O novo líder do PT se diz esperançoso de que as relações entre governo e investidores melhorem quando Gabriel Galípolo assumir a presidência do Banco Central em 1º de janeiro.

Escolhido por Lula inicialmente como diretor de política monetária e agora para chefiar a autoridade monetária, Galípolo construirá pontes entre ambos os grupos porque ele “tem respeito no mercado” e “tem um ótimo trânsito” com Lula e Haddad, disse Lindbergh.

Plano A, B e C

Pacificar as relações com a Faria Lima é importante para o governo, já que Lula precisará de todo o apoio que puder obter para vencer outra eleição, caso realmente decida se candidatar.

Apesar dos recentes problemas de saúde do presidente e da sua idade, Lindbergh não vê outro nome que poderia levar o Partido dos Trabalhadores à vitória na próxima corrida presidencial.

“Lula não ser candidato apavora todos nós, os deputados, a militância”, disse. “Lula é nosso plano A, B e C.”

Haddad e o ministro da Educação, Camilo Santana, seriam bons sucessores para Lula, disse Lindbergh, mas em 2030.

Sem Lula, alguns dos partidos que atualmente estão na base do governo passariam a apoiar Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, disse Lindbergh.

Considerado um herdeiro político do ex-presidente Jair Bolsonaro, que atualmente está impedido de concorrer a cargos públicos, Tarcísio de Freitas afirma que não tem intenção de se candidatar à presidência em 2026, pois pretende buscar a reeleição em São Paulo.

“O grande sonho de Tarcísio é que Lula desista de ser candidato”, disse Lindbergh, acrescentando que apenas o presidente é atualmente capaz de impedir que a base se desfaça. “Para nós do PT, da bancada do PT, não tem nada mais importante do que consolidar o governo do Lula. É nossa vontade, nosso sonho de reeleger o Lula.”

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