Selic vai a 13,25% ao ano sem ajuste fiscal crível, diz estrategista da Monte Bravo

Em entrevista à Bloomberg Línea, Alexandre Mathias diz que o governo perdeu o benefício da dúvida até de quem apostou a favor de um cenário benigno e que juro mais alto reflete perda da credibilidade

O Palácio do Planalto em Brasília
25 de Novembro, 2024 | 10:19 AM

Bloomberg Línea — A Monte Bravo avalia que o Banco Central pode ser obrigado a acelerar a alta de juros para 0,75 ponto percentual já nas próximas duas reuniões do Copom se o governo não for capaz de restaurar a credibilidade da política fiscal, segundo o estrategista-chefe, Alexandre Mathias.

Somado a mais uma alta de 0,50 ponto, isso levaria a Selic a atingir 13,25% ao ano no final do ciclo – um aumento de dois pontos em relação ao nível atual de 11,25%.

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Em entrevista à Bloomberg Línea, Mathias afirmou que esse é o cenário-base da corretora, no qual o ajuste fiscal em elaboração pelo governo não traz melhoria significativa nas expectativas para o resultado primário e para a trajetória da dívida bruta, hoje equivalente a 78,3% do Produto Interno Bruto (PIB).

Leia também: Projeção de Selic a 14% ao ano ‘não é exagero’ do mercado, diz Solange Srour

Economistas do mercado financeiro estimam que o governo terminará o ano com um déficit primário de 0,50% do PIB neste ano, de acordo com o Boletim Focus divulgado nesta segunda-feira (25).

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Para os anos seguintes, a projeção é a de déficit fiscal de 0,70% em 2025 e de 0,50% em 2026, ainda distante da meta da equipe econômica de atingir um resultado primário em torno de zero.

Nesse ambiente, segundo o estrategista, a cotação do dólar se mantém na faixa atual de R$ 5,70 a R$ 5,90, a inflação fica em torno de 5% ao ano em 2025, o que dificulta cortes da Selic, e o crescimento do PIB desacelera a 1,50% nos próximos dois anos.

“Selic mais alta é o custo de a política fiscal não ganhar credibilidade. E significa investimento menor, crescimento menor, desemprego maior. Não tem benefício nisso”, disse Mathias, em entrevista realizada no escritório da corretora no momento em que o governo ainda estudava as medidas do pacote fiscal - cenário que persiste neste começo da última semana de novembro.

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O estrategista-chefe atribui uma chance de 50% para o cenário-base.

Alexandre Mathias, Head de Research da Monte Bravo

Já em um cenário otimista, no qual o ajuste fiscal contribui para reduzir o déficit primário a zero, o Banco Central poderia ter que fazer mais duas altas de 0,50 ponto, levando a Selic a 12,25%.

Assim, o dólar cairia para o patamar de R$ 5,40, a inflação ficaria em torno de 4,20% no ano que vem e o PIB cresceria por volta de 2%, segundo a projeção da corretora. Mathias disse que ainda vê chances de 45% para que isso ocorra.

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Sobre os fatores que podem levar a um cenário otimista, o estrategista-chefe avaliou que o mais importante nesse momento é o peso político que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai colocar em cima do ajuste.

“Se Lula disser que entende que é preciso ajustar a trajetória do gasto para produzir uma situação fiscal mais sustentável e que o governo e o PT vão se esforçar para aprovar as medidas sem ruído, sem confronto, então existe espaço para um cenário otimista”, afirmou.

O risco, no entanto, é o presidente continuar com um discurso ambíguo e manter a postura de confronto com o mercado financeiro, como tem sido sua marca durante os dois primeiros anos de seu mandato. Nesse caso, o ambiente econômico não muda.

“O discurso errado tira a credibilidade da política certa. É o que temos visto”, disse o estrategista-chefe.

Fim do benefício da dúvida

Mathias afirmou que a maioria dos operadores do mercado acharia aceitável se Lula terminasse o mandato com um resultado primário perto de zero em 2026, e o próximo governo fizesse um esforço para atingir um superávit de 1,5% ou 2% do PIB, nível necessário para estabilizar a dívida bruta.

“Isso é totalmente razoável. É isso que o mercado espera. Seria visto como positivo. Se essa trajetória for crível, os preços dos ativos vão melhorar porque o risco vai cair”, afirmou.

“O problema é que hoje ninguém sabe exatamente como estão as coisas. Tinha um arcabouço que indicava mais ou menos isso. Mas o governo mudou as metas, brigou com todo mundo, brigou com o mercado. Tem uma confusão. O Haddad está há três semanas tentando terminar o pacote fiscal.”

Para o estrategista-chefe, os erros de comunicação de Lula e do governo penalizam justamente os agentes do mercado que acreditaram em uma melhora do ambiente econômico e dos resultados fiscais.

No fim do dia, a população é a mais prejudicada, e não os investidores do mercado financeiro, uma vez que são as pessoas físicas que carregam boa parte da dívida do governo, por meio de investimentos em fundos de pensão, fundos de renda fixa e outros ativos.

Mathias disse que estava entre os que se posicionaram na expectativa de uma melhora, mas o que chamou de ruídos do governo e o confronto do presidente com o mercado levaram a uma mudança.

“Quem acreditou no governo foi perdendo dinheiro. Hoje em dia não sobrou ninguém que acredita para apostar na melhora. Agora todo mundo vai esperar [o resultado do pacote fiscal]”, disse.

O estrategista-chefe disse que agora aguarda a divulgação do pacote para se posicionar. Se o ajuste for crível, segundo ele, os ativos de risco, como as ações, podem ter um ganho relevante, assim como os títulos indexados à inflação com prazos mais longos, as NTN-Bs.

Se o ajuste não mudar o cenário, as ações continuam de lado como hoje e os ativos todos renderiam perto do CDI, na visão dele. “É um cenário que não tem um estímulo muito grande para você correr risco.”

Cenário pessimista

Por causa dos ruídos, o estrategista-chefe disse que passou a considerar também um cenário pessimista que antes estava fora de suas avaliações, embora considere que as chances sejam de 5%.

Nesse ambiente, o governo segue sem fazer qualquer controle de despesas e a trajetória da dívida continua a subir. É o que ele disse que tem sido chamado de “cenário 7-7-1″, com o dólar a R$ 7, a inflação a 7% ao ano e a taxa de crescimento do PIB a 1%.

“Esse é o cenário em que a perspectiva de continuidade no poder do partido desaparece. Todo mundo no governo deveria estar lutando para evitar isso, o que, coincidentemente, é a mesma coisa que o Brasil quer. Como fazer isso? Com ajuste fiscal e apoio político a Haddad”, disse.

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Filipe Serrano

É editor sênior da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.