Segurança pública sobressai em disputa municipal e prenuncia debate para 2026

Na maior cidade do país, em São Paulo, candidatos buscam apresentar preocupação com o tema, considerado prioritário para quase 60% dos brasileiros segundo pesquisa da AtlasIntel

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Bloomberg — O medo da criminalidade dominou a campanha para as eleições municipais deste domingo (6). Enquanto candidatos de direita invocam a Inteligência Artificial e as políticas brutais de Nayib Bukele em El Salvador, um dos principais nomes de esquerda promete promover a ordem.

Quase 60% dos brasileiros disseram que a segurança pública era sua maior preocupação em uma pesquisa AtlasIntel divulgada na semana passada, um sinal de alerta para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os candidatos que ele apoia em uma eleição que servirá como um referendo sobre a primeira metade de seu mandato.

Lula tem se concentrado na economia desde que retornou ao cargo em 2023, na esperança de que um crescimento mais forte do que o esperado ajude a minar os esforços da direita de se recuperar da derrota apertada do ex-presidente Jair Bolsonaro há dois anos.

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Os candidatos conservadores focaram nos índices de criminalidade persistentemente altos, que há muito tempo atormentam o país, para tentar se aproveitar de um problema que Lula tem demorado a priorizar. É um vislumbre inicial do desafio que ele enfrentará na corrida presidencial de 2026, mesmo que a economia continue a ter um desempenho superior.

“Há uma percepeção de insegurança muito forte no Brasil especialmente pela evidência de que a política de segurança que existe hoje não funciona mais”, disse Thomas Traumann, consultor político que trabalhou no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

“A lógica de você tentar fugir um pouco do debate econômico é uma alternativa que a direita tem porque fala de questões pessoais do eleitor, sua segurança de ir trabalhar e voltar para casa sem ser molestado, fala da segurança da propriedade.”

Pablo Marçal, que concorre à prefeitura de São Paulo pelo PRTB, tem destacado vínculos com Bukele, cuja repressão ao crime suscitou preocupações com o cerceamento das liberdades individuais, mas, mesmo assim, o tornou um dos líderes mais populares da América Latina.

Marçal viajou a El Salvador no início deste ano para se reunir com o ministro da Segurança de Bukele e disse posteriormente que foi estudar políticas que poderia aplicar em São Paulo.

Policiais como vice

Tanto ele quanto o prefeito Ricardo Nunes, que tem o apoio de Bolsonaro na disputa, escolheram policiais como companheiros de chapa — prática cada vez mais comum, uma vez que os candidatos buscam reforçar a imagem de combate ao crime.

Nunes também propôs expandir o uso de inteligência artificial e reconhecimento facial para combater o crime em São Paulo, prometendo instalar 40.000 câmeras equipadas com a tecnologia na maior cidade do país.

Renato Brandão Alves, de 61 anos, disse que a criminalidade influenciará seu voto depois que seu caminhão de mudança foi roubado do lado de fora de seu apartamento em Belo Horizonte neste ano — um dos cerca de 132.000 furtos de veículos registrados no Brasil até agora em 2024.

“Estou sempre atento ao que acontece aqui fora. Mas você não tem controle, não tem domínio sobre isso”, disse Alves, que acrescentou que isso também o levou a procurar um novo emprego, mas com ressalvas. “Uber eu descarto pelo alto índice de roubo e até, lamentavelmente, morte.”

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Guilherme Boulos, deputado do PSOL que concorre à prefeitura de São Paulo com o apoio de Lula, veiculou propaganda com foco na criminalidade, ao mesmo tempo em que delineou planos para dobrar o número de policiais na cidade. Ele também se apresentou como mais agressivo em relação à questão do que Nunes, o atual prefeito.

“As pessoas estão sendo atacadas à luz do dia, perdendo seus bens e, mais grave ainda, a sua tranquilidade”, disse Boulos em uma propaganda de campanha. “O que São Paulo precisa é de um prefeito forte para fazer o que não foi feito.”

Propostas do governo federal

Lula também começou a abraçar a questão.

Neste ano, o governo elaborou uma proposta de emenda constitucional que busca melhorar a integração dos órgãos de segurança e atribuir às autoridades federais um papel mais direto na luta contra o crime organizado em um país onde as forças policiais são amplamente controladas no nível estadual.

O presidente também propôs aumentar o financiamento para a compra de câmeras corporais para a polícia, que está entre as mais violentas do mundo: policiais mataram mais de 6.300 pessoas em 2023, quase o triplo do número da década anterior.

Em El Salvador, Bukele conquistou fãs em uma região que tem registrado aumentos acentuados de homicídios, do México ao Equador e à Argentina. O Brasil é um caso atípico: o número de assassinatos diminuiu nos últimos anos, segundo dados oficiais.

Apesar da melhora, os cerca de 46.000 homicídios registrados no Brasil no ano passado mantiveram o país próximo ao topo dos rankings globais, enquanto outras formas de crime se tornaram mais frequentes: quase 10% dos moradores de São Paulo disseram que tiveram um celular roubado nos últimos 12 meses em uma pesquisa Datafolha realizada em junho.

Mas o governo não pretende apresentar a proposta ao Congresso antes das eleições, e a aprovação está longe de ser garantida. Enquanto isso, governadores conservadores, como Tarcísio de Freitas, de São Paulo, e Ronaldo Caiado, de Goiás, se concentram no combate ao crime antes de possíveis campanhas presidenciais, o que praticamente garante que o tema terá um papel importante na próxima eleição.

A discussão atual é um “sintoma do que vamos ver em 2026″, disse Traumann. “Essa é uma questão que vai ser jogada para o governo”.

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