Tragédia no Rio Grande do Sul: 20% do estado está sem água encanada, diz Corsan

Cerca de 80% do estado foi afetado pelos temporais desde a semana passada; serviços de energia, telefone e internet caíram em dezenas de municípios

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Bloomberg — Uma semana depois do início das fortes chuvas que atingiram o estado do Rio Grande do Sul, cerca de 80% do estado de 11 milhões de pessoas foi afetado pelos temporais. E há mais chuva a caminho, complicando os esforços de recuperação.

Até a tarde de terça-feira (7), 95 pessoas haviam morrido, 131 estavam desaparecidas e 159.000 estavam desalojadas, segundo o governo estadual. Cerca de 1,5 milhão de moradores foram afetados de alguma forma pelo desastre.

Muitas estradas ao redor do estado estão intransitáveis, dificultando o acesso a pequenas cidades e municípios. As autoridades estão usando aeronaves para distribuir alimentos e suprimentos médicos.

A concessionária de saneamento Corsan disse que um quinto de seus milhões de clientes no Rio Grande do Sul estão sem água encanada. Os serviços de energia, telefone e internet caíram em dezenas de municípios.

Porto Alegre foi inundada pelo transbordamento do Guaíba, que atingiu níveis recordes, mais de 2 metros acima do normal. A cidade ordenou o racionamento de água.

O Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, que costuma receber entre 120 e 140 voos diários, está fechado desde 3 de maio. Não há “previsão de retomada das operações”, segundo a operadora do aeroporto.

Como as águas das enchentes ainda não baixaram, é impossível avaliar o impacto total das inundações e os recursos necessários para recuperação e reconstrução, disse o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que visitou o estado junto com ministros.

“A dificuldade inicial é que nenhum prefeito, nem o governador [do estado], tem consciência do dano que foi causado”, disse ele na terça. A situação só ficará clara “quando a água baixar e a gente ver o que aconteceu de fato”.

O governador Eduardo Leite alertou na noite de terça-feira (7) para mais perigo por vir. Uma frente fria deve trazer novos temporais, disse ele. As temperaturas provavelmente cairão e fortes chuvas retornarão a partes do estado esta semana.

“Não é hora de voltar para casa. A projeção é que as chuvas possam gerar fortes inundações”, disse Leite em uma coletiva de imprensa.

O general do Exército Hertz Pires do Nascimento disse estar particularmente preocupado com o bem-estar dos moradores dos municípios de Jaguarão, Rio Grande e Pelotas, com mais chuvas previstas, e que resgates de helicóptero podem ser necessários nessas regiões.

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O Rio Grande do Sul é chuvoso e vários fatores provavelmente contribuíram para a gravidade das enchentes.

As recentes chuvas intensas resultaram de um bloqueio atmosférico na região central do Brasil e de uma massa de ar polar que veio da Argentina e do Uruguai, além do fenômeno El Niño, disse Marco Antonio dos Santos, agrometeorologista da Rural Clima.

El Niño é como os meteorologistas chamam o aquecimento ocasional do Pacífico equatorial oriental que tem consequências climáticas globais. Quando essas condições estão em vigor — como têm estado desde junho passado — o sul e o sudoeste do Brasil podem ver temperaturas mais altas e chuvas mais intensas.

Mas o momento desse dilúvio foi incomum, disse Andrew Kruczkiewicz, conselheiro científico do Centro Climático da Cruz Vermelha e Crescente Vermelho e membro sênior da escola climática da Universidade de Columbia. O El Niño é mais propenso a intensificar tempestades na região de setembro a janeiro.

“Em áreas onde temos chuvas todo mês, ou digamos ao longo do ano, a conexão telegráfica de El Niño é um pouco mais complicada de determinar”, disse ele.

É provável que as mudanças climáticas também tenham tido alguma influência. A atmosfera se aqueceu cerca de 1,3 grau Celsius desde os tempos pré-industriais. À medida que o ar se aquece, a quantidade de vapor de água que pode reter também aumenta – cerca de 7% a mais de água para cada grau. Isso significa maior precipitação em muitos lugares.

O fenômeno El Niño foi recentemente identificado como contribuinte para os baixos níveis de água no Canal do Panamá e, em combinação com a mudança climática, agravou as enchentes catastróficas em Dubai e nos Emirados Árabes Unidos.

Embora o El Niño e o aquecimento global sejam fundamentais para entender as enchentes, “em primeiro lugar estão as alterações climáticas”, disse Michael McPhaden, cientista sênior no Laboratório Ambiental Marinho do Pacífico, da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA.

“Os humanos estão lançando cada vez mais gases de efeito estufa na atmosfera”, disse McPhaden. “E isso está levando não apenas ao aumento das temperaturas globais, mas também a eventos climáticos mais extremos, chuvas mais intensas, secas mais severas.”

Desvendar as principais influências nas enchentes no Rio Grande do Sul levará algum tempo, à medida que especialistas avaliam o desastre. Kruczkiewicz disse que tentará entender melhor quanto da inundação em Porto Alegre veio de chuva urbana e quanto veio de enchentes fluviais que ocorreram a dezenas ou centenas de quilômetros rio acima.

“Estamos vendo mais situações em que temos diferentes tipos de enchentes ocorrendo ao mesmo tempo”, disse ele. Ele chamou isso de “uma preocupação crescente”, particularmente para áreas metropolitanas em crescimento, como a Grande Porto Alegre.

Na noite de terça, Leite disse que o governo estadual está começando a elaborar um plano habitacional para abrigar famílias que perderam tudo. O estado pediu ao governo federal que emprestasse pessoal e veículos da Força Nacional para enfrentar um surto de saques e outros crimes.

Quando a crise mais imediata se dissipar, as autoridades também olharão para trás para ver como os sistemas de emergência podem ser melhorados para minimizar as perdas quando as chuvas voltarem.

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