Reforma tributária: empresas do Ibovespa têm R$ 46,3 bi em créditos do ICMS

Petrobras, JBS, Via, Marfrig e Magazine Luiza são as companhias com os maiores valores acumulados, que em tese devem diminuir com a reforma aprovada

National Congress, project by Oscar Niemeyer, Brasília, DF. Brazil
03 de Julho, 2023 | 04:50 AM

Bloomberg Línea — As empresas de capital aberto que fazem parte do Ibovespa (IBOV) têm R$ 46,3 bilhões em créditos tributários do ICMS, que são acumulados em razão de diferenças nas alíquotas do imposto entre os estados, isenções relacionadas a exportações e de benefícios fiscais que podem ser extintos com a reforma tributária, de acordo com a proposta em discussão no Congresso.

As mudanças propostas pela reforma têm potencial de mudar a forma como os créditos tributários são acumulados e as alíquotas dos impostos pagos pelas empresas, com efeito para o balanço e o resultado financeiro das companhias.

Entre as cinco empresas com os maiores valores em créditos do ICMS, de acordo com dados apresentados nos balanços, estão a Petrobras (PETR3; PETR4), com R$ 6,2 bilhões; a JBS (JBSS3), com R$ 5,25 bilhões; a Via (VIIA3), com R$ 3,81 bilhões; a Marfrig (MRFG3), com R$ 2,89 bilhões; e Magazine Luiza (MGLU3), com R$ 2,74 bilhões.

Procuradas pela Bloomberg Línea, Petrobras, Marfrig e Magazine Luiza não quiseram se manifestar. A JBS e a Via não responderam ao pedido de comentários até a publicação da reportagem.

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Os dados fazem parte de um levantamento realizado pelo escritório de advocacia ButtiniMoraes a pedido da Bloomberg Línea e se referem aos números informados pelas empresas em seus resultados financeiros do quatro trimestre de 2022. Os bancos foram excluídos do levantamento, pois, segundo o escritório, eles raramente têm tributos passíveis de restituição ou ressarcimento.

O dado oferece uma dimensão do valor acumulado pelas principais empresas de capital aberto ao longo dos anos em créditos do ICMS, o que, em tese, deve diminuir de acordo com as novas regras previstas no projeto da reforma tributária, em tramitação na Câmara.

O texto atual do projeto prevê a unificação do ICMS e do ISS em um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que terá uma alíquota comum definida pelos estados.

A proposta, portanto, acaba com benefícios fiscais adotados por estados, como isenção ou redução do ICMS. A reforma também prevê a mudança do regime de cobrança de impostos, para que as mercadorias e serviços sejam taxados no local de consumo, em vez do local de origem, como ocorre atualmente.

Segundo Luis Starechi, especialista em tributação do escritório ButtiniMoraes e responsável pelo levantamento, um exemplo de situação que leva ao acúmulo de crédito ocorre quando uma indústria compra insumos que tiveram recolhimento de ICMS e vende a mercadoria para um estado onde a alíquota é menor ou onde a empresa tem isenção fiscal.

“Se a companhia tem uma operação incentivada no mercado interno, ou para exportação ou um crédito presumido, isso faz com que ela acumule o crédito. É o tipo de operação que vai determinar se a empresa vai acumular o crédito e vai reconhecer nos ativos a recuperar”, explicou Starechi.

A reforma tem potencial de afetar o resultado financeiro das empresas. Relatório da gestora Kinea publicado em abril aponta que o impacto médio no lucro das companhias de capital aberto pode ser de -18%, em razão da mudança na base tributável, que se aplica à receita.

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Na visão da gestora, as empresas com maiores margens de lucro tendem a ser as mais afetadas. Entre elas estão companhias dos setores de software, serviços financeiros (excluindo bancos) e consumo discricionário. Já as empresas de consumo não cíclico, que têm margens menores, poderiam ter um efeito positivo no lucro.

“A compensação desse menor resultado poderia vir por aumento de preços. Repasses de preços anuais por volta de 1,7% acima da inflação seriam suficientes para neutralizar o impacto nos lucros em nossas estimativas”, afirmou a gestora.

“Vemos esse aumento como mais factível para alguns setores como varejo de alta renda. Já para setores como os de commodities, que competem com produtores internacionais, e serviços financeiros, que cobram suas taxas como percentual do volume de dinheiro, esses aumentos devem se tornar mais difíceis.”

Proposta da reforma tributária

A reforma tributária prevê a criação de um fundo de compensação, com recursos da União, que permitiria aos estados honrar os compromissos assumidos com os benefícios fiscais já concedidos. Os pagamentos seriam feitos até 2032, segundo a proposta. Os recursos do fundo seriam elevados gradualmente até chegar a R$ 32 bilhões em 2028, para depois serem reduzidos.

“Caso essa ampla reforma tributária seja aprovada, abrangendo o ICMS e resultando na perda de poder de gestão dos governadores sobre a arrecadação, é provável que haja uma regulamentação que objetive esgotar o estoque de créditos acumulados, para permitir aos contribuintes uma oportunidade de monetização desses valores”, afirmou Starechi.

O IBS é a parte que cabe aos estados e municípios, de acordo com a proposta da reforma tributária. Já a parte federal é a chamada de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que pretende unificar o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Juntos, os dois tributos (IBS e CBS) compõem o chamado Imposto de Valor Agregado (IVA) dual. Ou seja, as empresas pagarão um único imposto que será dividido em duas partes, uma estadual e outra, para os entes federativos.

Créditos tributários totais

Ao todo, as companhias do Ibovespa têm mais de R$ 170,7 bilhões em créditos tributários considerando todos os tipos de impostos, informados tanto como ativo circulante quanto não-circulante.

A maior parte dos créditos (37%) se refere aos impostos federais PIS/Cofins, no valor de R$ 63,5 bilhões. Já os créditos do ICMS são o segundo tipo mais comum, representando 27% do total.

O restante do valor é distribuído entre outros tipos de créditos, como IRRF sobre aplicações financeiras (R$ 7,2 bilhões), exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins (R$ 3,95 bilhões), tributos sobre o lucro (R$ 3,54 bilhões), PIS/Cofins e CSLL retidos na fonte (R$ 3,43 bilhões), entre outros.

Pelo critério do total de créditos tributários (ou seja, uma conta mais abrangente do que a de créditos em ICMS, que abre a reportagem), a Petrobras é a empresa que acumula o maior valor (R$ 25,6 bilhões), seguida de JBS (R$ 14,49 bilhões), Ambev (R$ 14,16 bilhões) e Marfrig (R$ 14,16 bilhões).

O que dizem as empresas

Procurada, a Ambev disse ser a favor da reforma. “Defendemos a aprovação da reforma tributária para simplificar o sistema e ajudar o país e os brasileiros. Somos uma das cinco empresas que mais pagam impostos no Brasil e todas as informações da companhia, incluindo os créditos tributários, estão disponíveis para consulta em nossos demonstrativos financeiros”, afirmou a companhia em nota.

Petrobras e Marfrig não quiseram comentar. A JBS não se manifestou até a data de publicação da reportagem.

De acordo com o especialista em tributação do ButtiniMoraes, a complexidade tributária do Brasil e a falta de incentivos para a recuperação de créditos tributários levam as empresas no país a acumular os valores em seus balanços.

As empresas têm a possibilidade de tentar reaver os recursos, via restituição ou ressarcimento. No caso dos impostos federais, é possível buscar uma restituição. Já os Estados permitem que a empresa negocie a venda dos créditos para outras companhias, após um processo de homologação.

Os créditos podem ser usados pela empresa compradora para abater o valor da cobrança do ICMS. É um tipo de operação usado, por exemplo, por empresas de bens de consumo ou por prestadoras de serviços públicos, como concessionárias de energia elétrica.

“Infelizmente existem empresas que ainda têm uma certa resistência por causa do sistema que é muito complexo no Brasil e não vão atrás. Acabam assumindo essas recomendações dadas por empresas de auditoria e muitas vezes não conseguem monetizar esses créditos”, afirmou Starechi.

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Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.