Por que o sucesso no leilão do aeroporto de Natal não deve se repetir mais

Mercado trabalhava com esperada concessão de Santos Dumont e Galeão, no Rio, e Viracopos, em Campinas, mas governo Lula sinaliza mudança de planos

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Bloomberg Línea — O governo de Luiz Inácio Lula da Silva promoveu na sexta-feira (19) o primeiro leilão na área de infraestrutura de seu terceiro mandato. A relicitação do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, em Natal (RN), foi concluída com sucesso na avaliação de especialistas (veja abaixo), com disputa entre grupos privados considerados confiáveis para o investimento e pagamento de ágio, mas o mercado enxerga com ceticismo a continuidade do cronograma do setor.

Os processos de devolução das concessões dos aeroportos de Natal e de Campinas (Viracopos) ganharam corpo no governo do presidente Jair Bolsonaro depois que as concessionárias que haviam conquistado em leilões os direitos de administrá-los enfrentaram dificuldades financeiras decorrentes em parte também de uma estimativa de demanda que não se concretizou.

Com a queda da demanda por voos durante a pandemia, a concessionária do Aeroporto de Galeão, no Rio de Janeiro, também iniciou tratativas para devolver o ativo.

A questão do mercado é saber se esses próximos leilões de aeroportos previstos serão efetivamente realizados.

Segundo o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, a devolução dos terminais do Galeão e de Viracopos está em estágios diferentes. Mas ele sinalizou que os processos podem ser revertidos, com renegociação dos contratos para permanência das atuais concessionárias.

França disse que a Changi, operadora do Aeroporto do Galeão, pretende se reunir com o conselho do grupo em Singapura - seu país de origem - para tratar da desistência do pedido de devolução do terminal. Segundo o ministro, o governo vai consultar o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre esse processo e de que forma isso poderia ser conduzido.

Caso o processo avance, isso praticamente enterraria a possibilidade de o terminal Santos Dumont, no centro do Rio de Janeiro, ser levado à leilão. O aeroporto era considerado uma das “joias da coroa” do programa de concessões do ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio Freitas (hoje governador de São Paulo) e seria leiloado em um pacote com Galeão.

No início deste ano, França disse que não era o “momento” de leiloar Santos Dumont. Nesta sexta, ele sinalizou novamente que a configuração dos terminais no país não deve mais mudar. “Não há problema de falta de recurso, quase todos os aeroportos chegaram aos níveis pré-pandemia.”

No caso de Viracopos, a concessionária é o consórcio formado pela UTC, pela Triunfo Participações e pela francesa Egis Airports, com 51% do terminal - os demais 49% pertencem à Infraero.

Interesse privado firme

O interesse privado continua firme a julgar pela relicitação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, que foi arrematado pelo grupo suíço Zurich Airports com um lance de R$ 320 milhões, um ágio de 41% sobre a oferta mínima, em uma disputa acirrada com a XP (XP).

A gestora da empresa de investimentos levou em agosto passado os direitos de concessão de dois aeroportos regionais, o de Campo de Marte, em São Paulo, e o de Jacarepaguá, no Rio.

A CCR (CCRO3) também chegou a avaliar o leilão do aeroporto de Natal, segundo entrevista recente à Bloomberg Línea, mas acabou não entrando na disputa.

A Zurich Airports já opera no mercado brasileiro 100% dos terminais de Florianópolis (SC), Macaé (RJ) e Vitória (ES). A empresa também opera o Aeroporto Internacional de Belo Horizonte (Confins), mas em sociedade com a CCR e a Infraero, a estatal do governo para o setor.

O aeroporto de Natal havia sido originalmente o primeiro do país a ser concedido à iniciativa privada, ainda em 2011, em um leilão promovido pelo governo da então presidente Dilma Rousseff. À época, o grupo argentino Inframérica conquistou o ativo em consórcio com a Engevix, que acabou vendendo sua participação anos depois à sócia após ser impactada pela Operação Lava Jato.

De 2014 a 2016, as concessionárias de aeroportos foram atingidas pela crise econômica no país. As empresas reclamavam que os investimentos previstos nos contratos estavam condicionados a uma projeção de “demanda inflada” do processo licitatório e que não se concretizou.

Infraero e outros terminais

Ainda no governo Bolsonaro, foi discutida uma eventual extinção da Infraero, com a possibilidade de acerto de Parcerias Público-Privadas (PPPs) para administrar aeroportos pequenos e deficitários que, em tese, não despertariam o interesse de empresas especializadas.

Na última década, quase 60 terminais de grande porte foram concedidos à iniciativa privada, deixando à Infraero a gestão compartilhada apenas de alguns ativos superavitários e de muitos deficitários de pequeno porte. França, entretanto, vem se posicionando a favor do fortalecimento da Infraero.

No mercado, as expectativas baixaram. Para o diretor de infraestrutura do Banco Fator, Ewerton Henriques, 2023 deve ser um ano de poucos projetos de concessão no âmbito federal.

“Devemos ter movimentos de privatização em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas, onde os governadores são mais alinhados a uma matriz econômica mais liberal”, disse.

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