Por que este chefe de economia do BofA ficou ainda mais otimista com o Brasil

David Beker, que lidera também a estratégia do banco americano para Brasil e LatAm, diz que o país termina o ano com mais entregas do que o esperado e aponta ainda cenário externo

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Bloomberg Línea — O Bank of America (BofA) está mais otimista do que o mercado em relação ao crescimento da economia brasileira. Para 2024, David Beker, chefe de economia e estratégia do BofA para Brasil e América Latina, espera uma expansão de 2,2%, acima da mediana de 1,4% esperada pelos bancos e economistas.

O cenário destoa da visão de consenso dos demais economistas do mercado financeiro. A maior parte deles tem apontado que a economia brasileira deve perder impulso, afetada por uma safra agrícola menor, pelos efeitos tardios dos juros ainda elevados e pela queda dos investimentos, como foi demonstrado recentemente no resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre.

Beker, que já era um dos que previam crescimento mais forte para 2023, no entanto, vê outras condições favoráveis que podem manter a demanda aquecida.

“Terminamos o ano com muito mais entregas do que o mercado imaginava. Óbvio, o cenário sempre pode ser melhor. Para o ano que vem, vai depender. Não podemos esquecer de olhar para o contexto global, que é um contexto de problemas grandes na questão fiscal. Portanto, nesse sentido, o Brasil no relativo não está tão mal”, disse.

O cenário foi apresentado a jornalistas na sede do Bank of America em São Paulo na última semana, em evento ao qual a Bloomberg Línea estava presente.

Ano de avanços

Entre os avanços neste ano, na visão de Beker, estão principalmente a aprovação recente da reforma tributária, a manutenção da meta de inflação e as medidas para elevar a receita do governo.

Para 2024, a previsão de alta do PIB acima do esperado pelos colegas do mercado é explicada, de acordo com Beker, por diversos fatores.

No cenário global, o cenário de “pouso suave” na economia americana e o início dos cortes de juros nos Estados Unidos jogam a favor, o que também pode valorizar o real. Já no plano doméstico, a taxa Selic em direção a um nível terminal esperado pelo BofA de 9,5% ao ano no mês de junho deve aumentar o consumo e os investimentos.

Outros fatores são os gastos de municípios às vésperas das eleições e os sinais de melhora das incertezas fiscais, assim como a produção de petróleo em alta e o agronegócio.

“No próximo ano deve haver um pouco mais de consumo. Pode vir um pouco mais de crédito por parte dos bancos. Lembrando que o programa Desenrola [de renegociação de dívidas] ajuda. Quando a quantidade de inadimplentes cai, o banco se sente mais confortável de emprestar. Não estou falando de banco público só. Estou falando do sistema todo.”

Se a Selic cair além do patamar de 9,5% ao ano, Beker afirmou que a estimativa de crescimento de 2,2% do PIB pode até ser revista para cima. Apesar do otimismo, ele alertou que o cenário base para a sua previsão para o PIB tem viés para baixo.

“Não espero aceleração do ritmo de cortes da Selic, mas acho que não dá para descartar que ela aconteça. Acho também que não dá para descartar uma taxa terminal mais baixa. Só que eu não tenho essa visibilidade agora. Alguns meses atrás diziam que a nossa previsão de taxa terminal era dovish. Agora, com o Fed sinalizando cortes, o 9,5% parece hawkish”, afirmou.

Beker ponderou, no entanto, que surpresas negativas na política monetária dos Estados Unidos, os preços do petróleo e a situação fiscal são os fatores de risco para o ciclo de queda da Selic e, consequentemente, para o PIB.

Indústria em alta

A força do consumo das famílias deve auxiliar o setor industrial a ter um desempenho melhor em 2024, na visão do BofA, já que a melhora do crédito poderá incentivar o consumo de bens duráveis.

O desemprego em níveis baixos também entra nessa equação. “Não estou muito otimista, mas estou mais otimista com o comportamento da indústria para o ano que vem do que eu estava para este. E vimos no PIB do terceiro trimestre uma redução de estoques”, disse.

No caso do setor de serviços, que responde pela maior parte do PIB, Beker ressaltou que a base de comparação de 2024 frente a 2023 será alta, já que em todo o mundo o setor teve forte crescimento no pós-pandemia. Assim, o crescimento deverá ser baixo.

Déficit das contas públicas

Com um crescimento do PIB a 2,2%, o déficit das contas esperado por David Beker também é menor que a mediana do mercado. Ele prevê que o déficit primário seja de 0,4% do PIB em 2024, próximo do permitido pelo novo arcabouço fiscal, de 0,25%. “A principal ajuda para alcançar esse déficit menor vem do crescimento do PIB”, explicou. O mercado financeiro hoje espera um déficit de 0,8%.

“Vejo um governo comprometido em entregar. E o que foi mostrado até o momento foi esse compromisso. Estou preocupado com o fiscal também. Só estou relativizando essa preocupação”, disse. “O fiscal realmente é nosso problema estrutural.”

Na visão do executivo do BofA, é preciso avaliar o contexto relativo em que o Brasil está. Segundo ele, na comparação com outros países, a situação fiscal fica menos grave. “Temos um arcabouço fiscal que, nesse contexto relativo que acabamos de mencionar, já ajuda bastante.”

Para evitar descumprir a meta de déficit zero e ser penalizado com cortes obrigatórios em 2025, como determina o arcabouço, parte do governo defende uma mudança formal nesse alvo. A visão do executivo do BofA é a de que essa discussão deve voltar a acontecer nos próximos meses.

O cenário ideal para David Beker é manter a meta zero e cumpri-la. No entanto ela não deveria ser alterada para um número mais permissivo apenas para o governo comunicar que cumpriu seu alvo.

Se não for possível cumpri-lo, seria necessário deixar o gatilho de cortes do arcabouço agir para 2025. “Olhando para as nossas projeções do fiscal, eu não vejo um cumprimento da meta. Eu tenho um déficit de 0,4%. Pela minha projeção, dá pra manter a meta zero, mesmo não cumprindo. A ideia seria, basicamente, de que é importante o governo reforçar a credibilidade do arcabouço.”

Beker ressaltou, porém, que em seu cenário base haverá alguma mudança. Nesse caso, o tamanho desse novo alvo importaria. “É muito diferente o governo mudar a meta para um número que vai cumprir, porque não aciona a penalidade do arcabouço, do que mudar para uma meta que ainda exige um esforço. Se você me falar que a meta vai para 1% de déficit, mesmo o mercado projetando que dá para entregar 0,8%, é ruim. Porque você vai conseguir cumprir, mas num número muito pior.”

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