Bloomberg Línea — O nível ainda elevado dos juros de longo prazo nos Estados Unidos é um dos fatores que limitam o espaço para uma queda mais ampla da Selic ao longo de 2024, na visão de Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos, gestora brasileira com cerca de R$ 6 bilhões em ativos sob gestão.
Apesar do alívio recente nos mercados, a economista avalia que ainda é cedo para antever um corte de juros nos Estados Unidos – algo que tem sido ressaltado por diretores do Federal Reserve (Fed) nos últimos dias.
Em entrevista à Bloomberg Línea, a economista lembra que poucos meses atrás os juros de 10 anos dos Treasuries ultrapassaram os 5% e chegaram a níveis semelhantes aos de 2007 e 2008, durante a crise financeira. Embora eles tenham recuado para um pouco abaixo de 4% ao ano, este ainda é um patamar elevado para os padrões da economia americana e reflete a visão do mercado de que os juros terão de permanecer altos por um longo período no país.
“O movimento na curva longa dos Estados Unidos é o principal risco para a nossa política monetária hoje. Tem o risco fiscal, o risco local, e o movimento externo é o principal risco”, diz Veronese.
Nesse ambiente internacional volátil, o Banco Central corre o risco de ter de interromper o ciclo de cortes da Selic mais cedo, o que pode ocorrer já no fim do primeiro semestre do ano que vem, segundo a economista.
Esse é um dos motivos pelos quais Veronese revisou a projeção para a Selic para cima em novembro. Ela projeta que a taxa de juros básica chegará a 9,75% ao final do ciclo de cortes do Banco Central, acima do consenso de 9,25% entre as instituições consultadas no Boletim Focus, do BC.
“A não ser que a gente tenha uma mudança muito grande no cenário internacional, não me parece que o Banco Central vai acelerar o corte de juros para além de 50 pontos-base. Não faz sentido acelerar o corte com os juros longos nos EUA desse jeito”, afirma.
Apesar dos dados mais amenos de inflação e do mercado de trabalho nos Estados Unidos, a economista lembra que a atividade econômica no país ainda está muito aquecida.
O Produto Interno Bruto (PIB) americano, por exemplo, cresceu a uma taxa anualizada de 5,2% no terceiro trimestre, o maior avanço desde o quatro trimestre de 2021, de acordo com a revisão atualizada em novembro pelo departamento oficial de estatística do país.
“Só realmente na hora que a gente começar a ver números de atividade desacelerando, aí a gente pode começar a pensar em cortes de juros. Mas está longe ainda”, diz.
Sobre a inflação em si, a economista avalia que o aumento de preços, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, tem sido influenciado muito mais pela inflação do setor de serviços, enquanto os preços de alimentos e energia têm cedido.
Ela lembra que o setor de serviços dificilmente tende a reduzir os aumentos de preços enquanto a atividade econômica e o mercado de trabalho estiverem aquecidos, o que dificulta o trabalho dos bancos centrais de levar a inflação para a meta daqui para frente.
“Para a inflação de serviços desacelerar, tem que ser realmente uma desaceleração muito profunda da economia”, diz a economista.
“Vamos pensar em termos práticos. O médico não vai cortar o preço da consulta dele. O cabeleireiro não vai cortar o preço do corte. O mecânico não vai cobrar menos. Eles só fazem isso se realmente não tiver mais demanda pelos serviços deles. E do jeito que o mercado de trabalho está hoje, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, tem demanda para esses serviços.”
Veronese avalia que a inflação de serviços deve desacelerar para níveis mais próximos do padrão pré-pandemia, mas não deve chegar aos 3%. Esse também é um dos motivos pelos quais ela diz que não vê o Fed cortando os juros tão cedo.
A economista acredita que deve haver uma desaceleração da atividade econômica tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, o que deve contribuir para manter a inflação mais controlada. Mas a dúvida é se a economia americana entrará em recessão – um cenário que parece cada vez mais improvável, mas continua no radar.
Olhando para 2024, a economista acredita que a grande interrogação continuará sendo por quanto tempo o Federal Reserve vai manter os juros elevados, o que tende a continuar influenciando os movimentos da curva de juros nos Estados Unidos e, como consequência, os preços dos ativos no Brasil.
“Com essa melhora nos EUA, a tendência é um fechamento de ano bom. É a bolsa para cima; os juros corrigindo um pouco para baixo. E dólar ficando em patamar mais aceitável. Foi um ano confuso, mas, no segundo semestre, ficou muito claro que o que está fazendo preço para o Brasil é muito mais o cenário lá fora do que aqui dentro do país”, afirma.
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