Política monetária já perdeu muito de sua eficiência, diz Alberto Ramos, do Goldman

Diretor de pesquisa econômica para a América Latina diz à Bloomberg Línea que as metas fiscais do governo estão ‘descoladas’ da necessidade do país e que há ‘sintomas claros’ de dominância fiscal

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Bloomberg Línea — A discussão sobre o cumprimento da meta de resultado primário no Brasil está “fora de lugar” e o governo continua a “empurrar com a barriga” o problema fiscal diante da trajetória crescente da dívida pública, na avaliação de Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para a América Latina do Goldman Sachs.

Em entrevista à Bloomberg Línea, Ramos disse que seria necessário que o Brasil atingisse um superávit primário equivalente a 2% a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para estabilizar o crescimento da dívida, algo que ele não vê ocorrendo em um horizonte relevante.

“O país está bem longe disso, e o governo não quer encarar essa realidade. Como esse problema não está sendo equacionado, o risco aumenta de o país entrar em um processo de ruptura e enfrentar uma crise fiscal”, afirmou.

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Ramos avalia que as metas fiscais estão “completamente deslocadas” das necessidades macro. E é alarmante que o governo não dê sinais de que está preocupado com a dinâmica da dívida.

O ajuste no Brasil é necessário para evitar que o país entre em um cenário de dominância fiscal, no qual a política monetária perde a efetividade e a inflação sobe por causa dos estímulos fiscais, mesmo diante do aperto do Banco Central.

Ramos disse que já identifica “sintomas claros” de dominância fiscal no Brasil, uma vez que as expectativas de inflação continuam a subir, e o câmbio, a se apreciar, apesar dos aumentos da Selic.

“Isso mostra que já entramos em um processo quase de captura da política monetária, ou uma perda de eficiência muito grande da política monetária”, afirmou. “Não significa que o Banco Central vai jogar a toalha. Mas vai ser mais custoso. Será preciso ter mais doses de juros mais altas para atingir os objetivos.”

Sem perspectivas de controle no crescimento das despesas e com a economia aquecida, investidores e economistas preveem um aumento das pressões inflacionárias e passaram a exigir pagamento de juros ainda mais altos para financiar a dívida do país.

A situação ficou evidente no final do ano passado, depois que o governo frustrou o mercado ao apresentar medidas de contenção de gastos consideradas insuficientes, ao mesmo tempo em que revelou um plano para isentar trabalhadores que ganham até R$ 5.000 do Imposto de Renda.

“O governo adotou uma estratégia de tributar para gastar. E não está com muita vontade de sair desse trilho”, afirmou o economista.

‘Meta fiscal não entrega nada’

A meta fiscal para 2024 e 2025 é a de um déficit primário próximo de zero, com intervalo de tolerância de 0,25% do PIB para cima ou para baixo. Para o ano que vem, a meta é a de um superávit primário de 0,25% do PIB.

“É um tipo de meta que não entrega nada. Mesmo com crescimento elevado da economia, com um monte de medidas de arrecadação que turbinaram a receita, se ainda assim o Brasil tem uma dinâmica de dívida desse jeito, a coisa está ruim”, afirmou.

Em dezembro de 2022, antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a dívida bruta era equivalente a 71,7% do PIB, segundo dados do Banco Central. Subiu desde e então e chegou a 77,7% em novembro do ano passado. A perspectiva de economistas é que ela caminha para ultrapassar os 80% do PIB.

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Para Ramos, é um erro avaliar que a economia brasileira está saudável uma vez que a atividade econômica está em expansão, os salários, em alta, o mercado de trabalho, aquecido, e a inflação razoavelmente controlada – apesar de permanecer acima do teto da meta do Banco Central.

“É um equilíbrio altamente instável. Não dá para replicar isso no segundo ano, pela segunda vez. Não dá para ter outro ano com um crescimento de 3,5%, inflação de 4,8% e câmbio a R$ 6″, afirmou.

Embora não seja o seu cenário base, o economista avalia que se o governo redobrar a aposta nos estímulos fiscais, de olho na eleição de 2026, as expectativas podem se deteriorar ainda mais.

Nesse cenário, a tendência é a de uma desaceleração mais forte da atividade econômica, um aumento da inflação para além de 6% ao ano e com o dólar chegando perto de R$ 7.

“O governo adotou uma estratégia de tributar para gastar. E não está com muita vontade de sair desse trilho”

Alberto Ramos

Comparação com a Argentina

Ramos avalia que a forma mais eficiente de rebalancear a economia seria uma combinação de ajuste fiscal e monetário – especialmente o fiscal. Hoje, a responsabilidade recai toda sobre o Banco Central.

Na visão do economista, o pacote fiscal apresentado no fim de 2024 foi “uma grande decepção”, por ter exigido reuniões com mais de uma dezena de ministros para entregar uma redução de despesas de 0,1% do PIB.

“O Milei, na Argentina, fez um ajuste fiscal de 5% do PIB. A Colômbia fez um ajuste fiscal de 1% do PIB para entregar nas últimas três semanas de dezembro. Isso mostra que o governo poderia ter feito muito mais. Não foi essa a escolha. Mas essas escolhas são consequentes”, diz.

É preciso que o governo mostre disposição para fazer um ajuste fiscal estrutural de uma magnitude razoável, que não seja apenas apoiado no lado da receita, uma vez que a carga tributária já é elevada.

“O ajuste fiscal na Argentina foi todo do lado da despesa. E, acredite ou não, a popularidade do Milei se manteve. A inflação cedeu. E a economia está voltando rapidamente. A Argentina vai liderar o crescimento em 2025 na América Latina”, afirmou.

Investidor estrangeiro

Segundo Ramos, já havia antes um desinteresse de investidores internacionais em ativos do Brasil. Mas o risco fiscal e as decisões do governo fizeram com que esse desinteresse se transformasse em um sentimento negativo.

Não há mais um descolamento entre os investidores locais, antes já mais pessimistas, e os estrangeiros, que ainda mantinham uma visão mais construtiva de médio e longo prazo para os ativos do país. “O investidor offshore começou a perceber que, de fato, o fiscal é uma preocupação”, disse.

“O investidor internacional tem muitas oportunidades de investimento. Ele não tem que investir no Brasil. E o trabalho que dá acompanhar o dia a dia do Brasil, toda a gritaria, para muitos não compensa, dado o risco e dada a volatilidade.”

Ele também avalia que a “negatividade” começa já também a afetar o mundo dos negócios, que ainda colhe os benefícios da expansão recente da economia.

“Hoje me parece que também já começou a permear o mundo empresarial. Muitos já estão tomando algum posicionamento mais defensivo, esperando um ano difícil”, disse.

Projeções para 2025

A projeção do economista é que o PIB deve desacelerar para algo perto de 2%, depois de um crescimento maior em 2025, que deve chegar a 3,5%, segundo sua estimativa, quando os números forem fechados.

A inflação, que encerrou o ano em 4,83% (acima do teto da meta do Banco Central, de 4,5%), deve continuar pressionada, com possibilidade de superar o resultado do ano passado.

Ramos também não vê possibilidade de o dólar permanecer abaixo de R$ 6, principalmente por causa de uma expectativa de o Fed adotar uma postura mais rígida do que era esperado três ou seis meses atrás.

“Há muitos fatores que levariam ainda a uma inflação relativamente alta, apesar do que esperamos que seja uma postura monetária local bem mais restritiva. É um ano [2025] de inflação alta e crescimento moderando”, afirmou.

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