Bloomberg Línea — As incertezas no cenário internacional podem levar o Banco Central a fazer uma pausa no ciclo de alta de juros já depois da próxima reunião no começo de maio, segundo Cristiano Oliveira, diretor de pesquisa macroeconômica do banco Pine.
Isso poderia levar a Selic a atingir 14,75% ao ano ao fim do ciclo atual de aperto monetário, um patamar menor do que o precificado atualmente pelo mercado – e abaixo do consenso de 15,00% na visão de economistas consultados pelo Banco Central na pesquisa Focus.
Em conversa com jornalistas nesta quinta-feira (10), Oliveira disse que tem mantido sua projeção para a taxa básica de juros em 14,75% ao ano desde que o Copom sinalizou no ano passado que faria três altas de 1 ponto percentual a cada reunião de política monetária.
Na visão do economista, o patamar é significativamente acima do neutro, mas necessário diante do cenário inflacionário global e dos riscos fiscais internos.
“Acho que vai ser um pouco menos neste ano e um pouco menos no ano que vem”, disse Oliveira, ao se referir ao que o mercado financeiro precifica atualmente para a Selic. “Nós já estamos um pouco mais ‘baixista’ em termos de juros.”
Leia mais: Brasil não está imune a cenário de aversão a risco global, diz Solange Srour
Para ele, o Banco Central só deve começar a cortar juros quando houver um nível maior de segurança em relação à trajetória da inflação.
Ele observou ainda que, diferentemente do passado, o Brasil agora lida com um cenário global no qual os juros americanos reais de longo prazo estão em 2,5%, contra um patamar de zero ou até negativo antes da pandemia de covid-19.
Isso torna mais difícil manter a Selic em patamares baixos. “Pilotar o Copom com juros americanos de zero é uma coisa. Com juros reais positivos nos EUA, é outra. Isso praticamente impossibilita ver a Selic abaixo de 9% [ao ano]”, afirmou Oliveira, que anteriormente já foi economista-chefe dos bancos Fibra e do Safra.
Sem cortes de juros nos EUA
Sobre a política monetária dos Estados Unidos, Oliveira avaliou que a expectativa do mercado de ao menos três cortes nos juros americanos não se sustenta diante da persistência da inflação e dos riscos de aumentos de preços com a guerra tarifária.
“O Fed está em uma situação difícil. Existe o risco de não termos uma recessão clássica, mas uma desaceleração longa com inflação elevada. A inflação nos EUA pode ir para 5%, 5,5%, e o Fed pode acabar cortando juros antes da hora, o que seria um erro”, afirmou.
Ele observou que a combinação entre maior gasto fiscal, cortes de impostos e tensões geopolíticas deve manter a inflação pressionada por um longo período.
“Nos próximos dez anos, dificilmente a inflação dos países desenvolvidos voltará à meta de 2%”, afirmou, apontando que essa nova realidade terá efeitos diretos sobre o dólar e, por consequência, sobre os mercados emergentes.
Nesse contexto, Oliveira argumentou que as mudanças geopolíticas em curso são até mais importantes que os indicadores econômicos tradicionais.
“Hoje, geopolítica importa mais para os preços de ativos do que decisão de política monetária”, disse.
Leia mais: Do Brasil à Colômbia: tarifas de Trump são nova ameaça para os preços do café
Para ele, o mundo vive a maior transformação na ordem global desde o fim da Segunda Guerra Mundial — com impactos profundos nos fluxos de comércio, no papel do dólar e nas cadeias produtivas globais.
A ascensão da China como principal parceiro comercial de dezenas de países e o declínio relativo da influência econômica dos Estados Unidos são centrais nessa nova configuração.
“O problema dos EUA não é o déficit comercial com a China. É o fato de a China ter conquistado o mercado de 127 países. Isso assusta porque significa perda de poder político e influência global”, disse.
Visão construtiva para o Brasil
Apesar da política monetária restritiva e dos riscos fiscais, Oliveira disse manter uma visão otimista para a economia brasileira no médio e no longo prazos.
Para ele, o Brasil está bem posicionado por dispor de recursos naturais abundantes e por manter uma postura pendular na política externa, sem alinhamento automático a nenhuma potência.
Além disso, a política protecionista nos EUA pode abrir oportunidades para o Brasil em setores estratégicos. Ele destacou que indústrias como as de vestuário, eletrônicos, madeira e automotiva podem ter um aumento do volume de exportação.
Leia mais: Mercado antecipou riscos fiscais, mas travessia será conturbada, diz Sergio Vale
“No eventual cenário de guerra comercial, o Brasil pode se beneficiar. Nosso modelo aponta um ganho de até 0,1% no PIB nesse contexto”, disse Oliveira.
Oliveira aposta em um ciclo de crescimento do país acima da média histórica, com inflação mais próxima dos padrões globais e contas externas sólidas. “Temos uma visão bastante construtiva da economia brasileira nos próximos cinco a dez anos”, afirmou.
O economista também disse acreditar que, entre 2026 e 2030, haverá uma nova oportunidade de consenso político para tratar do desequilíbrio fiscal, comparável ao que ocorreu com a reforma da Previdência nos governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro.
“Acredito que vai acontecer a mesma coisa entre 2026 e 2030 na questão fiscal. E aí o Brasil vai ter um salto, porque é isso que impede taxas de juros menores”, avaliou.
Leia também
Santander Asset adota cautela com Trump e vê Selic em 14,75% ao ano
Ray Dalio vê colapso ‘único na vida’ da ordem econômica mundial
Maioria dos CEOs avalia que os EUA já estão em recessão, diz Larry Fink