Bloomberg Línea — Desde 2020, a economia brasileira cresce acima do que as projeções indicavam. O que é uma notícia positiva reflete, por outro lado, uma realidade menos favorável: nesse período, não houve avanço estrutural que tenha ampliado o chamado PIB potencial, ou seja, a capacidade de crescimento do país sem gerar pressões sobre a inflação. As conclusões fazem parte de um estudo recém-concluído por Laiz Carvalho, economista do BNP Paribas para o Brasil.
“A resposta imediata seria dizer que o mercado errou tanto porque o PIB potencial se tornou maior do que é estimado pelos economistas. Mas os cálculos que fizemos, que envolvem a produtividade do capital e a produtividade da mão-de-obra, apontaram para um PIB potencial de 1,8%, pouco acima do 1,6% estimado anteriormente”, disse Carvalho em entrevista à Bloomberg Línea.
Segundo a economista do banco francês, para explicar o crescimento consistente do PIB acima das projeções nos últimos anos, o PIB potencial em tese deveria ter subido para algo em torno de 2,5%. Mas isso está distante de acontecer com uma taxa de investimento equivalente a 16,5% do PIB e uma produtividade total dos fatores (PTF) que não cresce de forma significativa acima de 0,4%.
Diante desse diagnóstico, Carvalho identificou que, a cada ano desde 2020, determinadores fatores ajudaram a impulsionar o PIB para além do que a maioria do mercado projetava.
Entre 2020 e 2023 - o dado oficial será divulgado pelo IBGE no dia 1° de março -, o erro médio das projeções de mercado segundo a mediana do boletim Focus ficou em 2,44 pontos percentuais (p.p.). O desvio padrão foi de 0,59% - quanto menor o número, menor a dispersão dos dados coletados.
Para efeito de comparação, nas duas décadas anteriores, entre 1999 e 2019, o erro médio das projeções ficou muito abaixo, em 0,16 p.p., enquanto o desvio-padrão foi de 1,69%.
“Em 2021, houve uma contribuição maior de investimentos, depois da queda no começo da pandemia; em 2022 e 2023, do consumo das famílias, com os programas de transferência de renda e de acesso a crédito; no ano passado, também houve uma composição do agro, com uma safra muito forte, com a balança comercial”, disse Carvalho.
Em 2023, a expansão prevista de 3,1% teve como destaque, sob a ótica da oferta, o setor agro, com avanço de 15,7% na base anual, seguido de serviços (+2,6%) e indústria (1,4%), nas projeções do banco. E isso indica que atividades relacionadas ao agro devem ter se destacado igualmente.
Contribuição do trabalho e do capital
Por outro lado, fatores que poderiam explicar uma eventual mudança estrutural na economia brasileira não confirmaram essa hipótese quando analisados mais a fundo, segundo ela.
O mercado de trabalho tem registrado as taxas de desemprego mais baixas desde 2016, mas essa evolução reflete em boa medida a queda da taxa de participação da população na força de trabalho, de 63,7% em 2019 para 62% em novembro passado. Sem essa queda, o desemprego teria se mantido em torno de 10,2%, em vez dos 7,5% no penúltimo mês de 2023.
No mesmo contexto, a renda média do trabalhador ainda está nos níveis pré-pandemia.
Carvalho apontou que houve crescimento de 0,8% no potencial de capital no período de quatro trimestres encerrados em setembro do ano passado. Mas esse avanço foi efeito principalmente do avanço de 23,5% no setor agrícola em 2023 na base anual, puxado por maquinário.
“Nas conversas que temos com tradings e empresas do agronegócios, ouvimos que foram dois anos de muito investimento em máquinas e tecnologia”, disse a economista, que apontou que esse aumento da produtividade do setor vai ajudar a conter os impactos adversos do El Niño deste ano.
“Por mais que tenhamos efeitos climáticos como seca no Centro-Oeste e um período chuvoso na região Sul, o impacto efetivo na produtividade do campo será menor do que houve, por exemplo, nos anos de El Niño mais intenso em 2015 e 2016. O setor está mais bem preparado.”
Mas esse avanço do agronegócio não se reflete de maneira ampla nos investimentos. “É difícil assumir que esse aumento no potencial de capital seja estrutural, dado que a taxa de investimento da economia tem caído recentemente, permanecendo em 16,5% do PIB, abaixo da média de 17,7% dos últimos 20 anos”, escreveu a economista do BNP Paribas no relatório.
Balança comercial: novo patamar?
O elemento surpresa em cima do PIB pode vir, segundo Laiz Carvalho, da contribuição dada pela balança comercial, que levou a um superávit recorde de US$ 99 bilhões em 2023. Para este ano, a projeção do banco francês é a de que o saldo chegue a US$ 85 bilhões, o que, se confirmado, estará muito acima da média anual de US$ 56 bilhões no período entre 2016 e 2022.
“Como comentei, o agronegócio contribuiu muito, com a safra recorde e preços que não caíram muito ao longo do ano, mas, por outro lado, temos visto uma certa diversificação da balança”, disse, apontando para produtos que vão além da soja - no caso, minério de ferro, carne bovina e petróleo e derivados.
Projeções para 2024
Segundo os cálculos de Carvalho e do BNP Paribas, a economia brasileira deve crescer 1,8% em 2024, em linha com o PIB potencial.
O consumo das famílias deve ser novamente um dos motores do crescimento e pode se beneficiar tanto de fatores conjunturais como a liberação de recursos de precatórios pelo governo - que pode chegar a R$ 40 bilhões injetados na economia, segundo cálculos do BNP - como do mercado de crédito diante da continuidade do ciclo de corte nas taxas de juros pelo Banco Central.
A Selic, atualmente em 11,25% ao ano, deve chegar a dezembro em 9% ao ano, segundo o Focus.
“Em 2024, o crescimento continuará a ser dominado por fatores locais, em vez de melhorias estruturais, em nossa visão”, escreveu a economista no relatório. A surpresa, como citado, pode vir da balança comercial. “É o componente que pode continuar a contribuir com o crescimento nos próximos anos.”
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