Perda de confiança no governo se aprofunda e afugenta investidores de ativos do país

Movimento que começou com o dólar agora se espalha para as ações e os mercados de títulos; agentes veem falta de compromisso do governo e do Congresso com a austeridade fiscal

Luiz Inacio Lula da Silva
Por Giovanna Belotti Azevedo - Vinícius Andrade - Ezra Fieser
18 de Dezembro, 2024 | 11:48 AM

Bloomberg — Primeiro foi a desvalorização da moeda. Agora, o restante dos mercados financeiros do Brasil está na mira, à medida que os investidores perdem a confiança na capacidade do governo de conter uma crise fiscal cada vez mais profunda.

A venda que fez o dólar escalar para um recorde está engolindo tudo, desde ações a dívida em moeda local e títulos em dólar, com operadores acumulando hedges contra um calote soberano.

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Observadores do mercado dizem que as medidas extraordinárias do Banco Central na terça-feira (17) para conter a alta do dólar são pouco mais que uma solução temporária, e alertam que os movimentos dos parlamentares para diluir um pacote de austeridade de destaque provavelmente só aumentarão a turbulência.

A debandada crescente mostra como os investidores estão cada vez mais céticos em relação à seriedade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em controlar um déficit fiscal crescente.

O Brasil está com um déficit orçamentário anual de 10% — muito maior do que os registrados durante o primeiro mandato do presidente.

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“O Brasil se tornou ‘venda primeiro, pergunte depois’ no mercado atual,” disse Sergey Goncharov, gestor na Vontobel Asset Management. “As preocupações fiscais, combinadas com a reação do Banco Central ao movimento cambial, desencadearam algumas vendas de pânico.”

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O real foi a moeda com o pior desempenho no mundo nos últimos quatro pregões, acumulando um enfraquecimento de 21% neste ano frente ao dólar. O índice Ibovespa caiu 3,8% no período. Os juros futuros dispararam.

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Os títulos em dólar registraram a maior queda nos mercados emergentes após o Líbano ter entrado em default e os swaps de default de crédito de cinco anos atingiram o seu nível mais alto em mais de um ano.

“Do ponto de vista dos títulos em dólar, atingiu-se um estágio de crise”, disse Jack McIntyre, gestor na Brandywine Global Investment Management. “Lula tem de dizer algo construtivo.”

Pacote na Câmara

A Câmara dos Deputados alterou a proposta de gastos de Lula na noite de terça-feira de uma forma que pode enervar ainda mais os investidores.

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Embora tenham aprovado o plano, que aguarda votação no Senado, os parlamentares retiraram uma proposta que permitiria ao governo restringir o uso de créditos tributários pelas empresas se as finanças piorassem.

Um plano controverso para alterar o sistema de pensão dos militares também foi adiado para 2025.

À medida que a venda da moeda se espalhava nesta semana, estrategistas se apressaram em abandonar apostas otimistas nos ativos do país.

Nos últimos dois dias, estrategistas do JPMorgan abandonaram sua visão positiva sobre a dívida em dólar do Brasil, enquanto o Credit Agricole saiu de sua posição tática overweight no real duas semanas após entrar na negociação.

“Os investidores claramente jogaram a toalha,” disse Olga Yangol, chefe de pesquisa e estratégia de mercados emergentes do Credit Agricole. Apesar de sinais positivos de crescimento e das ações do Banco Central, “a percepção é de que, enquanto o atual presidente estiver no comando, ele parece ser bastante imune às oscilações do mercado.”

No mês passado, Lula apresentou um plano para cortar R$ 70 bilhões em gastos anuais, mas o plano veio acompanhado de novas isenções fiscais, decepcionando investidores.

Na terça-feira, um parlamentar responsável pelo plano de cortes de gastos disse que o Congresso considerava enfraquecer ainda mais a proposta devido ao seu impacto potencial sobre programas sociais.

A relutância do governo em cumprir os cortes deixou a maior parte do trabalho pesado para o Banco Central, que na semana passada elevou a taxa básica de juros em um ponto percentual e prometeu levá-la a 14,25% até março para combater a inflação.

Investidores afirmaram que o risco de dominância fiscal, em que a política monetária se torna ineficaz, está começando a surgir.

“O Banco Central é um ator coadjuvante,” disse Marcos de Marchi, economista-chefe da Oriz Partners. “O principal ator neste filme é a política fiscal.”

Por enquanto, poucos investidores estão dispostos a apostar em quando a turbulência terminará, a menos que o governo mude de rumo.

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