Bloomberg — A cotação do dólar subiu para o maior valor nominal da história após as medidas propostas pelo governo para reduzir R$ 71,9 bilhões em gastos não atenderem às expectativas dos investidores, que estão cada vez mais preocupados com o déficit fiscal do país.
A moeda chegou a subir 1,2% nesta quinta-feira (28), superando a marca de R$ 6, o maior valor desde maio de 2020, quando a cotação chegou a R$ 5,97 durante a pandemia de covid-19. Os juros futuros dispararam quase 40 pontos-base, e o índice de referência da bolsa brasileira caiu para o nível mais baixo desde agosto.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou um plano aguardado há meses para cortar R$ 71,9 bilhões dos gastos públicos até 2026. As medidas incluem limites para o crescimento do salário mínimo, tetos para altos salários de servidores públicos e Imposto de Renda mais alto para pessoas com rendimentos acima de R$ 50.000 mensais.
“O pacote vai na direção certa, mas tem um impacto muito limitado”, disse Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Pine. “É insuficiente para resolver as questões fiscais relevantes para o mercado.”
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Os ativos brasileiros têm sofrido com o pessimismo crescente em relação ao déficit fiscal do país. Desde que assumiu o cargo em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aumentou os gastos para cumprir promessas de melhorar o padrão de vida dos brasileiros mais pobres.
As contas públicas sofreram pressão adicional neste ano devido à resposta do governo a desastres, incluindo enchentes históricas no Rio Grande do Sul, incêndios florestais generalizados e uma seca recorde.
O plano, que era esperado no início do mês, foi adiado porque Lula pressionou pela inclusão de uma medida que isenta de Imposto de Renda salários de até R$ 5.000 mensais.
A decisão aumentou o pessimismo, já que os operadores acreditam que ela diluirá o impacto fiscal positivo do pacote.
“O governo passou o último mês criando expectativas de que apresentaria um pacote de corte de gastos, mas o grande dia chegou e vemos estímulos fiscais”, disse Pedro Dreux, gestor da Occam Brasil Gestão, no Rio de Janeiro. “O resultado é a deterioração dos ativos, refletindo as preferências de um governo que prefere gastar mais.”
A crescente desconfiança em relação ao compromisso fiscal do governo afetou as expectativas de inflação, pressionando o Banco Central a elevar as taxas de juros enquanto o Federal Reserve, dos EUA, afrouxa a política monetária. O mercado precifica que a taxa Selic chegará perto de 15% até o final do próximo ano, ante os atuais 11,25%.
“Os receios fiscais continuarão a pesar negativamente sobre os ativos locais no curto prazo”, disse Bernd Berg, analista sênior da InTouch Capital. “Haddad tentou acalmar os mercados, enfatizando várias vezes que o governo pretende estabilizar o quadro fiscal. Mas o mercado percebe que o pacote fiscal é muito pouco, e chegou muito tarde.”
A queda nos mercados brasileiros também ocorre em meio a uma ampla venda de moedas emergentes após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Ativos de países em desenvolvimento foram duramente atingidos pelas perspectivas de que as políticas de Trump fortalecerão o dólar e alimentarão a inflação na maior economia do mundo, forçando bancos centrais globais a manter taxas altas, restringindo o crescimento econômico.
Mas as perdas no Brasil se destacam, mesmo nesse cenário de pessimismo para os mercados emergentes. A moeda brasileira perdeu 19% do valor frente ao dólar neste ano, liderando as perdas entre as principais moedas globais. O índice Ibovespa acumula queda de mais de 6% no ano, ficando atrás das ações de mercados emergentes e de grande parte dos índices globais.
JPMorgan e Morgan Stanley rebaixaram as ações brasileiras nas últimas semanas, citando o aumento do déficit fiscal e a perspectiva de taxas de juros mais altas.
“Se houvesse um compromisso político real com a estabilização das finanças públicas, precisaríamos ter visto muito mais hoje — mais evidências de disposição para cortar benefícios sociais ou uma ideia mais clara de que Lula está preocupado com a posição fiscal”, disse William Jackson, economista-chefe de mercados emergentes na Capital Economics. “Isso não aconteceu.”
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