Bloomberg Línea — A recente decisão da agência de classificação de risco S&P Global Ratings de colocar o rating do Brasil em perspectiva positiva deixou os ativos brasileiros novamente em evidência: a mudança esperada ocorre na esteira da melhora de alguns indicadores econômicos e da redução dos riscos fiscais do país, com a expectativa de aprovação do novo arcabouço fiscal pelo Congresso.
A decisão da S&P surtiu efeito preliminar no sentimento de parte dos investidores: ações brasileiras aceleraram os ganhos, enquanto o dólar se distanciou da marca de R$ 5,00.
No entanto o caminho para o Brasil melhorar de fato a nota de classificação de risco dos seus títulos soberanos levará mais tempo e dependerá de fatores ainda carregados de incertezas, como o cumprimento da nova regra do arcabouço fiscal, de acordo com economistas consultados pela Bloomberg Línea.
Mais demorado deve ser o processo de recuperação do chamado “grau de investimento” concedido pelas agências de classificação de risco - além da S&P, há a Fitch Ratings e a Moody’s. Esse status não é um fim em si mesmo: representa custos de captação mais baixos no mercado diante da avaliação de que o crédito do país oferece baixo risco de default e isso beneficia o segmento corporativo. Também se reflete no aumento do investimento de fundos globais que só podem alocar capital em ativos seguros.
O país perdeu o grau de investimento em 2015, como reflexo da grave deterioração das finanças públicas e da recessão econômica no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.
Desde então, a nota do país foi rebaixada três vezes pela S&P Global Ratings, diante de sucessivos déficits primários e baixo crescimento econômico. No fim de 2019, a S&P chegou a fazer o mesmo aceno da semana passada, mudando a perspectiva da nota, mas desfez a decisão com o início da pandemia.
A S&P aponta tarefas que o país deveria cumprir para melhorar a sua nota. O caminho passa por aprovar reformas que melhorem a capacidade de crescimento econômico do país, como a tributária, realizar uma revisão dos gastos com o funcionalismo público e dar mais velocidade à tramitação de projetos no Congresso.
“É um caminho bastante longo para recuperar o grau de investimento. O outlook [cenário] da S&P prevê um upgrade nos próximos dois anos. Acho que o primeiro passo é o país fazer o arcabouço fiscal funcionar. Nós temos ainda dúvidas, o mercado tem dúvidas. O segundo passo é uma recomposição da arrecadação. A reforma tributária também pode ajudar, pois melhora a produtividade e faz com que o PIB cresça mais”, disse Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter.
Vitória fez parte da equipe da S&P na área de classificação de risco de empresas e ressaltou que essas avaliações de rating são relativas. Ou seja, o Brasil é comparado relativamente aos países que estão com ele na mesma faixa, no caso atual BB-. Se demonstra que está adotando um caminho melhor que os seus pares, deveria então subir de degrau.
No patamar de BB- estão atualmente países como Bangladesh e África do Sul. No topo, com AAA, a nota máxima, estão países desenvolvidos como Canadá, Suíça e Austrália.
A economista disse que, para alcançar a recomposição da arrecadação federal, seria importante para o país “atacar” as desonerações de impostos que o governo federal concede a diversos setores. Para 2024, segundo a Receita Federal, estão previstas desonerações que somam R$ 486 bilhões.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já declarou que pretende diminuir esse valor para cumprir as metas definidas no novo arcabouço fiscal. A nova regra propõe tirar as contas primárias do governo do vermelho em 2024, chegando a um superávit de 1% do PIB em 2026. Mas, no mercado, há dúvidas sobre as contas apontadas pelo governo para conseguir viabilizar essa equação.
O economista Carlos Macedo, da Warren Investimentos, disse que, em sete vezes em que a S&P mudou a perspectiva da nota do país de neutro para positivo, a agência efetivamente melhorou a nota. “Com exceção de 2019, todas as outras vezes houve mudança do rating nos meses subsequentes. E, quando isso acontece, as outras agências costumam seguir o movimento”, afirmou.
Macedo apontou que a recuperação do grau de investimento poderia garantir mais fluxos de investimento ao país.
Entre os principais motivos para a S&P ter colocado a nota do Brasil em perspectiva positiva estão: o crescimento econômico acima do esperado em 2021 e 2022 e avanços institucionais do país como a independência do Banco Central e a aprovação da nova regra fiscal na Câmara - o projeto do novo arcabouço fiscal segue em análise no Senado.
A inflação mais baixa é outro ponto favorável, que deve abrir caminho para a queda dos juros no país. Isso criaria parte das condições para o Produto Interno Bruto (PIB) crescer 2% ao ano. O crescimento do país para este ano tem sido revisto para cima, principalmente puxado pelo agronegócio.
Aceno do S&P adiado?
“Essa perspectiva positiva da S&P tem mais a ver com o que já aconteceu do que com o cenário atual”, afirmou Rafaela Vitória. “Vimos uma evolução, uma melhora nas contas que surpreendeu, além de reformas. Esse aceno [da perspectiva] poderia ter sido feito antes pela S&P, mas as duas últimas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que ampliaram gastos além da regra do teto adiaram isso.”
O raciocínio do economista André Perfeito, ex-Necton Investimentos, segue a mesma linha. “O risco de solvência do país está mais mitigado por um arcabouço fiscal que tende a não deixar descontrolar as contas públicas. Vale notar que eles [da S&P] melhoraram a perspectiva do Brasil a partir de um patamar que é bem ruim. Então acho que agora eles estão incorporando tudo.”
Para Étore Sanchez, economista da Ativa Investimentos, a indicação positiva da S&P para o rating do Brasil surpreende. Ele destacou que o que a agência chama de “medidas contínuas para enfrentar a rigidez econômica e fiscal” ainda não foram aprovadas pelo Congresso Nacional.
Como ficam os juros?
Uma das consequências no mercado da revisão da perspectiva do rating do Brasil de “estável” para “positivo” foi a redução dos juros futuros negociados ainda na tarde da última quarta-feira (14), justamente os que impactam a rolagem da dívida.
A taxa para janeiro de 2024, por exemplo, saiu de 13,06% para 13,01%. Na sexta (16), ela fechou em 13,02%, mantendo-se abaixo do “preço” anterior ao anúncio da S&P.
Na visão do economista André Perfeito, tanto a curva de juros do mercado quanto a taxa Selic, definida pelo Banco Central, poderiam cair com as melhores perspectivas para a economia brasileira, e mais ainda com a mudança do rating em si.
“A perspectiva positiva talvez ajude a dar continuidade a esse processo de acomodação monetária no Brasil. Lembrando que estamos falando de uma acomodação bastante modesta. O mercado está falando que vai sair de 13,75% ao ano para 12,50%, por exemplo. Ninguém está imaginando um corte expressivo. Mas de qualquer forma existe uma perspectiva melhor. Se mexe no rating, isso quer dizer que o risco em tese está mais baixo. Se está mais baixo, quer dizer que o juros têm que cair.”
Em comunicado ao mercado, o Citi apontou que o argumento pode fortalecer os pedidos do Palácio do Planalto e de parte do setor produtivo para um corte nos juros básicos da economia.
Além da valorização do real e do processo desinflacionário, a decisão da S&P pode contribuir para ancorar as expectativas de inflação, fortalecendo o argumento a favor de cortes mais precoces nas taxas de juros do que o banco de investimento espera atualmente.
O Citi agora tem um viés de baixa para a Selic no fim do ano, esperando que o ciclo de queda nos juros possar acontecer antes da previsão vigente deles, em novembro.
No entanto, a relação não é automática, segundo destacou Rafaela Vitória.
“Essa perspectiva positiva da S&P não é olhada diretamente pelo Copom para baixar juros, como um trigger. Reforça que existe uma visão mais positiva dos investidores estrangeiros com o Brasil, o que melhora o fluxo de dólares, o investimento. Isso ajuda a decisão do Copom de começar o afrouxamento da política monetária. Lembrando que o câmbio impacta a inflação, e a questão fiscal impacta o câmbio.”
Nesta quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) encerra a sua reunião periódica. A instituição deve manter os juros do país em 13,75% ao ano, mas a dúvida é se o BC vai sinalizar um corte.
Avanço nas contas públicas
O governo brasileiro fechou as contas no vermelho entre 2014 e 2021, considerando o resultado primário (antes das despesas com juros) do governo central. No ano passado, elas ficaram positivas em R$ 54,1 bilhões depois de oito anos. A melhora, porém, foi vista como pontual.
Para 2022, a previsão oficial do Orçamento é a de um déficit de R$ 228,1 bilhões, que o Ministério da Fazenda tenta reduzir. A última previsão, do Ministério da Planejamento, prevê R$ 136,2 bilhões de rombo.
O novo arcabouço fiscal, se aprovado sem alteração, indica que esse rombo deve ser zerado em 2024, levando as contas para o azul em 2025. Se o governo não conseguir, o projeto prevê uma espécie de “punição”. O governo precisaria diminuir a evolução dos gastos no ano seguinte.
O mercado financeiro considera as contas no azul como passo fundamental para estabilizar a trajetória de aumento da dívida brasileira. Em abril, a dívida bruta do governo geral - que compreende governo federal, INSS e governos estaduais e municipais – atingiu o equivalente a 73,2% do PIB (R$ 7,5 trilhões).
O economista André Perfeito ressaltou que a S&P considera, porém, a dívida líquida, que aponta um endividamento menor como proporção do PIB.
“Eles destacaram a dívida líquida, que deve alcançar 64% do PIB em 2026. Está sob controle. Temos um ativo externo absolutamente gigantesco e mais do que isso. Do ponto de vista externo, temos uma apreciação do real. Então não há risco em moeda estrangeira. O risco seria ter uma dívida explodindo com uma atividade econômica mais fraca. Isso, sim, geraria problemas sérios”, afirmou.
A S&P afirmou que o risco de calote é menor atualmente. “A composição da dívida do Brasil mitiga os riscos embutidos no alto endividamento, apesar dos altos custos de juros.”
É uma ressalva feita por Rafaela Vitória, que disse que a dívida é alta e custo caro quando o governo precisa emitir novos títulos para fazer a rolagem devido principalmente aos juros cobrados pelo mercado para emprestar ao Brasil.
“A dívida tem um custo maior do que o crescimento e a arrecadação combinados, o que significa que precisamos de algum ajuste. Mas ela é menor do que se imagina. Achávamos que iria bater 100% do PIB na pandemia. Se houver uma previsibilidade melhor dela, o custo já cai imediatamente. Uma questão está ligada a outra. Executando o arcabouço, o país terá esse custo em queda”, disse.
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