Bloomberg — A Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, a COP29, começou nesta segunda-feira (11) em Baku, no Azerbaijão, com a eleição de Donald Trump como próximo presidente dos Estados Unidos no centro das atenções.
Os países presentes tentarão encontrar um caminho que contorne a resistência de Trump ao tema, dado que ele que é hostil às políticas de corte de emissões e prometeu retirar o país do Acordo de Paris.
No entanto, enquanto os delegados chegam a Baku, os preparativos já estão em andamento também para a edição de 2025 da cúpula, que será realizada no Brasil, em Belém.
A COP30 será a primeira realizada na floresta amazônica e verá a estreia de uma nova ordem global sobre o clima, com os EUA provavelmente desempenhando um papel muito menor, e a China, possivelmente, um papel maior. Isso aumenta os riscos e a pressão sobre o país anfitrião, que já era alta.
Leia mais: Para Bill Gates, volatilidade política compromete proteção da Amazônia
“O desafio de ser o líder da COP30 no próximo ano, no coração da floresta amazônica, é enorme”, disse Marina Silva, ministra do Meio Ambiente do Brasil e principal diplomata no tema do clima, em um evento paralelo às reuniões do Banco Mundial e do FMI em Washington, DC, no fim de outubro. O evento já está sendo chamado de “a COP verde”, acrescentou Marina.
Por dois anos consecutivos, a COP foi organizada por autocracias ricas em petróleo com planos climáticos que são “criticamente insuficientes”, de acordo com a Climate Action Tracker.
O Brasil é diferente. O país pode estar entre os dez maiores exportadores de petróleo do mundo, mas também é líder mundial em novas instalações eólicas e solares e tem fortes compromissos climáticos.
Portanto, os observadores esperam que, quando o Brasil sediar as negociações, seja possível estabelecer metas mais agressivas. Caso contrário, o mundo estará em um problema ainda maior.
2025 é o aniversário de 10 anos do Acordo de Paris, quando quase 200 países concordaram em controlar o aquecimento de níveis tão catastróficos que poderiam remodelar o mapa do mundo. Mas os países decididamente não estão no caminho certo.
As temperaturas já aumentaram 1,3ºC em comparação com a era pré-industrial. Apesar do progresso no aumento da energia verde em todo o mundo, o uso de combustíveis fósseis atingiu um recorde no ano passado e as emissões de dióxido de carbono e de outros gases de efeito estufa ainda aumentam em níveis que, segundo a ONU, podem resultar em um aquecimento “terrível” de até 3,1ºC.
Sem tempo para só discussões
Isso significa que o tempo para conversas acabou.
“Se somos ambiciosos em anunciar metas, temos que ser ambiciosos em implementá-las”, disse Silva em uma entrevista. Para isso, “a COP do Brasil tem que ser a COP da redução das emissões de CO2.″
Leia mais: Petrobras obtém licença do Ibama para buscar petróleo em área da Margem Equatorial
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolheu sediar a COP30 em Belém, uma cidade portuária próxima à foz do rio Amazonas, para que dezenas de milhares de tomadores de decisão possam ver de perto a riqueza e a fragilidade da floresta tropical.
Um dos lugares com maior biodiversidade da Terra, a Amazônia também armazena grandes quantidades de CO2, o que a torna uma defesa essencial contra as mudanças climáticas. Mas, como este ano demonstrou, a floresta também é vulnerável ao aquecimento.
As condições quentes e secas ajudaram a alimentar milhares de incêndios, queimando milhões de hectares de terra e enviando fumaça até a capital Brasília e o centro financeiro do país, em São Paulo.
A pressão para que a COP30 tenha resultados concretos recai sobre Lula, e também sobre Marina Silva. Nascida na pobreza em uma plantação de borracha em uma região rural e florestal do norte do Brasil, Marina não aprendeu a ler ou escrever até a adolescência. Depois de ganhar destaque como ativista, ela se juntou ao governo de Lula durante seu primeiro mandato como presidente no início dos anos 2000.
Marina, hoje com 66 anos, obteve sucesso na política devido a um caráter “recatado”, “genuíno” e “profundamente ético”, segundo pessoas que trabalharam com ela. Sua defesa inabalável da Amazônia e de suas comunidades, e sua disposição de traçar linhas vermelhas contra políticas que não pode apoiar, conquistaram admiração não apenas no Brasil mas em todo o mundo.
A influência de Marina foi fundamental para que o presidente Lula colocasse as questões climáticas em sua agenda depois de ganhar um terceiro mandato em 2022. No ano passado, o Brasil se comprometeu com uma redução de aproximadamente 53% em suas emissões até 2030, em comparação com os níveis de 2005. O país se comprometeu a acabar com o desmatamento até 2030.
Ela "fez com que Lula compreendesse a importância de proteger a Amazônia e que o Brasil assumisse a liderança ambiental no mundo", disse Steve Schwartzman, vice-presidente associado para políticas de florestas tropicais do Environmental Defense Fund.
Marina está “sempre lembrando” seus colegas de que não há tempo a perder para enfrentar a crise climática, disse André Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Na COP29 e na COP30, ela pode trazer sua credibilidade para as tensas discussões sobre o uso de combustíveis fósseis, financiamento climático e outras questões polêmicas. Mas não está claro se isso será suficiente para superar o impasse político de longa data, em grande parte entre os mundos desenvolvido e em desenvolvimento.
Lula e Marina se conhecem há décadas, e seu relacionamento mudou de amigável, para distante, para estreitamente aliado.
Ambos foram membros do Partido dos Trabalhadores, o PT, do Brasil desde o início. Aos vinte e poucos anos, Marina trabalhou com o seringueiro e ativista Francisco Alves Mendes Filho - mais conhecido como Chico Mendes -, que lutava pelas comunidades que estavam sendo expulsas de suas terras por pistoleiros contratados por fazendeiros. Ele foi morto por isso.
Seu assassinato colocou em evidência o problema do desmatamento na Amazônia. Seguindo seus passos, Marina tornou-se uma proeminente ativista amazônica e, por fim, provou ser bem-sucedida na política.
Em 1994, aos 35 anos, tornou-se a mulher mais jovem eleita para o Senado brasileiro. Quando Lula ganhou a presidência do Brasil, assumindo o cargo em 2003, Silva era a candidata óbvia a ministra do Meio Ambiente.
Pioneira na política e em ações climáticas
Sob seu comando, o Brasil lançou seu primeiro plano de ação contra o desmatamento. O crédito é atribuído à redução do desmatamento em mais de 80% entre 2004 e 2012, mesmo com o crescimento dos rebanhos de gado e da produção de soja. Isso mostrou que não era necessário derrubar mais árvores para desenvolver esses setores agrícolas.
No entanto, durante o segundo mandato de Lula, Marina renunciou. Ela estava exausta com a constante resistência contra as regulamentações ambientais, tanto dentro quanto fora do governo, e se opunha ao desenvolvimento em larga escala na Amazônia que Lula e outras autoridades apoiavam. Ela concorreu à presidência em 2010, 2014 e 2018, sem sucesso em termos de vitória.
Leia mais: O alerta de Ray Dalio na COP sobre a economia verde: ‘é preciso dar lucro’
Então veio o presidente Jair Bolsonaro, que supervisionou um desmantelamento sistemático das proteções florestais do país. O desmatamento só aumentou. A agenda de extrema direita de Bolsonaro foi o que finalmente uniu Lula e Marina novamente. Assim, quando Lula enfrentou Bolsonaro na eleição presidencial de 2022, Marina ajudou seu ex-chefe a vencer.
O Brasil simboliza a natureza de um passo para frente e um passo para trás do progresso climático como um país que agora obtém 90% de sua eletricidade de fontes não fósseis, mas continua sendo um grande exportador de petróleo.
No entanto é incomum que a maior fonte de suas emissões seja proveniente de mudanças no uso da terra. Por causa disso, Marina defendeu, e Lula abraçou, a meta de o Brasil acabar com o desmatamento em apenas alguns anos. E o país fez progresso, apesar de o governo ter que reconstruir sua capacidade de impedir o desmatamento ilegal após a era Bolsonaro.
No ano passado, o Brasil reduziu o desmatamento em 50%, de acordo com dados do governo, e neste ano caiu uma quantidade significativa novamente, disse Marina. Quando o mandato de Lula terminar em 2026, disse ela, o Brasil terá que ter políticas operacionais para garantir “desmatamento zero em 2030″.
Na Amazônia, muitas famílias pobres derrubaram árvores para plantar cana-de-açúcar, soja ou outras culturas como uma questão de sobrevivência. Se o país eliminar o desmatamento, as comunidades da floresta tropical ainda precisarão de meios para sobreviver e melhorar seus padrões de vida.
Corrêa do Lago disse que Marina sempre foi “muito sensível à dimensão social das questões ambientais”. Além de salvar a natureza, disse ele, “ela quer cuidar das pessoas”. Assim, ela divide seus esforços entre acabar com o desmatamento e tentar tornar a conservação da floresta algo lucrativo.
Uma maneira possível de fazer isso é por meio de créditos de carbono. O governo de Lula introduziu uma legislação para lançar um mercado de carbono administrado pelo Estado. O esforço foi paralisado no Congresso brasileiro, em parte devido à resistência de legisladores conservadores apoiados pelos setores da pecuária e da agricultura, que foram os que mais se beneficiaram com a derrubada agressiva de árvores.
Há também o Fundo Amazônia.
Depois que Lula o lançou em 2008, outros países começaram a fazer doações ao Brasil para conter o desmatamento e apoiar as comunidades e os setores que dependem da floresta. Os doadores estrangeiros pararam de contribuir em 2019, pois o desmatamento aumentou durante o governo de Bolsonaro. Mais tarde, Lula ressuscitou o fundo, que cresceu para cerca de R$ 4 bilhões (US$ 710 milhões).
Sem espaço para retrocessos
Mas, em Washington no mês passado, Marina deixou claro que as doações por si só não serão suficientes. É por isso que ela falará sobre o financiamento climático na COP29, bem como apresentará um novo Acordo de Basileia, um acordo internacional sobre requisitos de capital para bancos, à margem da próxima reunião do G20 no Brasil. Ela também quer ver novos instrumentos financeiros que adotem a conservação.
Segundo ela, em declarações na última quarta (6), não se pode permitir que o retorno de Trump atrapalhe o progresso global, e os EUA ainda têm uma grande responsabilidade de reduzir as emissões: “estamos trabalhando duro e, obviamente, o mundo vai se certificar de que nenhum país dê qualquer tipo de passo atrás em relação ao que alcançamos.”
“Transformamos a natureza em dinheiro, e agora temos que transformar o dinheiro em preservação, restauração e conservação da natureza”, disse Marina. “Essa é a única maneira de ganhar dinheiro no futuro. Caso contrário, não funcionará.”
Leia mais: De Wall St a energia limpa: o que está em jogo nas eleições dos EUA para 5 setores
Ainda há uma grande fonte de tensão entre Marina e Lula. O presidente reviveu os planos de expandir a perfuração de poços de petróleo offshore em áreas delicadas como a chamada Margem Equatorial, no norte do país, dizendo que os lucros provenientes poderiam ajudar a financiar a transição energética.
Lula, ao mesmo tempo, tem sido inflexível ao afirmar que o Brasil e o mundo precisam abandonar os combustíveis fósseis. Ele e Marina não se opuseram publicamente sobre o assunto, embora isso possa chegar a um ponto crítico na COP30 ou antes.
O aumento das emissões pode acabar sendo ruinoso para a Amazônia, mesmo que o desmatamento seja interrompido. Essa possibilidade sombria paira sobre Silva. Mas a enormidade do desafio que tem pela frente não a desacelerará, disse ela: "Eu sei o tamanho da responsabilidade, dos esforços - e me sinto comprometida".
Veja mais em bloomberg.com
©2024 Bloomberg L.P.