Bloomberg — Marcio Pochmann quer atualizar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para medir a economia digital. Mas essa iniciativa – juntamente com a recente divulgação antes da hora do dado de inflação – reacendeu as preocupações entre os seus críticos sobre a credibilidade da agência de estatísticas.
O economista afirma que muitos dos métodos atuais ignoram as atividades econômicas digitais, como empregos realizados inteiramente nas redes sociais, o que torna as medidas tradicionais do Produto Interno Bruto (PIB) menos precisas.
“Tem um outro mundo nascendo e para o qual as estatísticas têm dificuldade de capturar essas informações, seja de ocupação, seja de renda, seja de valor agregado”, disse em entrevista à Bloomberg News na sede do IBGE, no Rio de Janeiro.
A forma de medir a economia digital, que o JPMorgan Chase (JPM) estima valer agora US$ 100 bilhões no mundo, confunde os tecnocratas e os responsáveis por políticas monetárias.
O Brasil abriga uma das economias de influenciadores que mais crescem no planeta: em 2022, os criadores de conteúdo do YouTube geraram mais de 140 mil empregos equivalentes e R$ 4,55 bilhões em atividade para a economia do país, estimou um estudo da Oxford Economics.
Como comparação, a JBS (JBSS3), classificada como a maior empregadora do país, tinha 151,2 mil funcionários diretos no ano passado, segundo dados do governo.
Mas falar de uma reforma do IBGE apenas exacerbou os receios dos críticos de Pochmann, muitos dos quais levantaram preocupações sobre as suas opiniões econômicas heterodoxas e os estreitos laços políticos com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Um ex-diretor do IBGE criticou recentemente os planos de Pochmann para o instituto, enquanto um dos maiores jornais do país publicou um editorial contundente questionando o compromisso do economista com a transparência e a independência.
Contratempos complicaram seus esforços para conquistar os céticos. Na semana passada, o IBGE divulgou os números do IPCA-15 uma hora antes do programado. Embora o erro tenha ocorrido antes da abertura dos mercados, bilhões de reais em ativos são normalmente negociados com base nos dados.
O instituto conduz uma investigação e divulgará um relatório sobre o que causou o problema para que correções possam ser feitas, disse Pochmann.
As descobertas iniciais, acrescentou ele, mostram que o computador programado para publicar os dados estava configurado o para horário de verão, uma prática que o Brasil eliminou em 2019.
Pochmann acolheu bem as críticas ao erro, dizendo que isso ajudaria a conseguir mais orçamento e a modernizar o IBGE.
Ele também afastou as dúvidas sobre a sua liderança, argumentando que sua longa carreira centrada em pesquisas sobre o mercado de trabalho se enquadra nos objetivos de Lula de tornar o Brasil mais próspero e igualitário.
“Sou o primeiro presidente que tem vinculação com o trabalho”, disse ele. “Já tiveram economistas vinculados ao mercado financeiro, vinculados à extrema direita, vinculado ao neoliberalismo de todos os tipos.”
Credibilidade
Pochmann, de 61 anos, assumiu o comando do IBGE em agosto passado, depois que a agência finalmente publicou o censo que havia sido adiado duas vezes.
Os severos cortes de orçamento do IBGE sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro geraram batalhas judiciais, questionamentos sobre a precisão do censo e preocupações sobre a credibilidade da agência que o supervisiona.
Até mesmo alguns dos aliados de Lula recuaram privadamente na nomeação de Pochmann, temendo que isso pudesse colocar em risco a reputação independente do IBGE.
Pochmann presidiu anteriormente um think tank de esquerda fundado pelo Partido dos Trabalhadores. O seu mandato no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2007 a 2012, levantou controvérsia depois de um grupo de pesquisadores alegar que tinha sido forçado a sair por ter opiniões políticas opostas – afirmações que Pochmann nega.
“Eu entendo que é uma situação de mídia, de destruição de personalidades, porque na verdade nunca me deram a oportunidade de me explicar”, disse ele, acrescentando que há “uma espécie de preconceito” contra ele por ter opiniões econômicas pouco ortodoxas.
Alto e de óculos, Pochmann até agora tem evitado a imprensa desde que assumiu o cargo. Ele passou seus primeiros meses no IBGE focado em diagnosticar o que era preciso fazer para “melhorar a casa”, disse ele.
O instituto foi elogiado no mês passado quando anunciou que começaria a usar o termo “favelas e comunidades urbanas” para descrever milhares de bairros pobres no censo, uma mudança em relação a uma descrição que muitos consideravam depreciativa.
Mas Pochmann foi criticado no ano passado depois de sugerir, num discurso à equipe do IBGE, que o Brasil poderia aprender com os métodos estatísticos que a China utiliza para avaliar quantas pessoas ganham a vida como influenciadores.
A nação asiática tem sido criticada por reter dados econômicos, como o desemprego juvenil, à medida que a sua economia arrefece.
Pochmann diz que a sua preocupação não são as práticas de publicação da China, mas sim a abordagem que emprega para medir o trabalho digital.
“O que eu estou preocupado, na verdade, é que eles têm feito um esforço muito grande em relação a tentar entender melhor o que é o processo de digitalização.”
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