Incerteza fiscal inibe entrada de capital externo, diz estrategista do Deutsche

Drausio Giacomelli, estrategista-chefe para mercados emergentes, diz em entrevista à Bloomberg Línea que o risco fiscal tem impedido o banco de recomendar o investimento no país

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Bloomberg Línea — O recente embate no governo sobre a meta fiscal para 2024 e o aceno do governo ao aumento de despesas têm mantido os investidores globais céticos em relação ao Brasil e inibido a entrada de capital estrangeiro, segundo Drausio Giacomelli, estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank (DB).

Na visão do especialista, o ambiente em relação ao Brasil é de desconfiança, especialmente depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter afirmado que a meta de zerar o déficit primário em 2024 “dificilmente” será cumprida, o que tem se refletido nos preços dos ativos no país. Por ora, o governo decidiu manter a meta para 2024, mas a insegurança se mantém.

“O nível de exposição do investidor estrangeiro em renda fixa no Brasil é um dos mais baixos nos últimos 15 anos. Está menos da metade do pico. A entrada de capital tem sido bem moderada. O prêmio de risco está entre os maiores dos emergentes”, disse o estrategista em entrevista por vídeo à Bloomberg Línea a partir do escritório do banco em Nova York.

“Há um ceticismo muito grande em relação ao ambiente fiscal. O novo arcabouço mal foi aprovado e já está sendo modificado. Isso realmente não inspira nenhuma confiança”, afirmou Giacomelli, que é brasileiro e vive nos Estados Unidos há quase 30 anos.

Dados do Banco Central mostram que investidores estrangeiros retiraram US$ 477 milhões de ações e fundos de investimento no Brasil em setembro, o segundo mês seguido de saídas líquidas depois de resgates de US$ 2,3 bilhões em agosto.

Além do risco fiscal, parte do movimento tem a ver com uma reprecificação dos ativos no mercado internacional depois da avaliação de que o Federal Reserve pode manter os juros em um nível mais elevado e por mais tempo do que o previsto.

Segundo o estrategista, exceto uma ou outra oportunidade pontual no mercado – a exemplo da inclinação recente da curva de juros no país –, a incerteza em relação à política econômica tem impedido o banco alemão de se posicionar no Brasil.

“É difícil recomendar o Brasil [para investidores] no longo prazo sem uma definição mais clara de direção”, afirmou.

Em um ambiente global marcado pelos juros elevados, pela inflação ainda alta e pelos conflitos geopolíticos, o Brasil deveria adotar uma política mais pragmática e alinhada ao cenário externo, inclusive, para se aproveitar das oportunidades de um rearranjo político internacional.

“Não é um mundo para propor mais gastos, criticar o Banco Central e não se posicionar a favor de uma abertura maior da economia. Tem que remar de acordo com a corrente”, disse.

“É um mundo de juros altos. Por que o país vai gastar mais e se financiar mais em um mundo de juros altos? Por que vai gastar mais em um mundo de inflação alta? Por que vai perder a oportunidade de se inserir no mercado internacional? Esses são alguns dos desafios do Brasil. Ter um pragmatismo maior nas políticas e se alinhar mais ao contexto global.”

Diferencial de juros

Sobre a política monetária, o especialista avaliou que é errado focar no diferencial de juros entre o Brasil e os Estados Unidos para avaliar os próximos passos do Banco Central no Brasil.

Com os juros dos Estados Unidos em 5%, alguns economistas no mercado argumentam que o BC não teria espaço para cortar a Selic para além de 9% ou 8% ao ano em 2024 e 2025.

Segundo Giacomelli, o diferencial de juros é uma medida que indica o risco externo do país. O Brasil, no entanto, tem um balanço de pagamentos razoavelmente favorável e reservas internacionais elevadas. Essa situação, para ele, é suficiente para cobrir o risco externo, e o Brasil não está em uma posição na qual precisa ter um juro excedente para atrair capital especulativo.

“Mais importante do que saber se o diferencial de equilíbrio é de 4 pontos [percentuais], 3 pontos, 5 pontos, é que esse juro real, que está em torno de 8%, é muito maior do que o necessário para compensar os riscos externos”, afirmou.

Perspectivas para a China

Em meio a uma crise no setor imobiliário e a indicadores de atividade mais fracos do que o esperado, a economia chinesa tem gerado preocupação entre os investidores em 2023.

Para Giacomelli, mais do que avaliar o crescimento da China neste ano, a discussão que importa é saber qual será a “velocidade de cruzeiro” da atividade econômica da segunda maior economia do mundo ao final desta década. “O país vai chegar com crescimento de 3% ou abaixo? Ou próximo de 4% para cima? Essa é a grande pergunta. Ninguém tem a resposta”, disse.

Nesse ambiente, segundo ele, seria prudente que o Brasil reduzisse os riscos fiscais, monetários e inflacionários e tentasse se inserir mais na cadeia de comércio internacional para não depender tanto da China para as exportações.

“O Brasil vai estar muito mais bem posicionado se ele se inserir mais na cadeia global e se perseguir políticas que vão reduzir o risco local e atrair investimentos de diversas partes do mundo. Acho que é isso que o país teria que fazer”, afirmou.

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