Governo Lula pode ter cometido erros, mas ‘está na direção correta’, diz Haddad

À Bloomberg News, ministro da Fazenda atribui queda da popularidade a um contexto difícil para governos em todo o mundo; para ele, reformas vão melhorar a situação econômica

Fernando Haddad
Por Martha Beck - Travis Waldron
28 de Março, 2025 | 11:38 AM

Bloomberg — A popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva caiu para níveis recordes, em grande parte devido aos desafios econômicos globais que afetam líderes ao redor do mundo, e não em função de suas próprias políticas, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A alta da inflação e a desaceleração do crescimento pesaram sobre Lula, minando a confiança de investidores e brasileiros nos últimos meses. Mas problemas semelhantes agitaram os mercados internacionais e viraram a política global de cabeça para baixo antes mesmo do retorno de Donald Trump à Casa Branca.

PUBLICIDADE

Assim, o governo Lula pretende manter seu curso atual em vez de reagir com alarme, disse Haddad em entrevista à Bloomberg News em seu gabinete em Brasília.

“Eu penso que, no atacado, o governo Lula não errou. Pode ter errado no varejo em uma coisa ou outra, mas o conjunto da obra está na direção correta”, disse Haddad. “Nós estamos num tempo difícil para os governos no mundo, o momento não está fácil para ninguém.”

Leia também: Fim da alta da Selic dependerá das projeções de inflação do BC, diz Mesquita, do Itaú

PUBLICIDADE

Isso, no entanto, dá pouco alívio aos brasileiros que lidam com uma inflação elevada. A alta dos preços afetou a popularidade de Lula: mais de 50% dos entrevistados em uma pesquisa disseram desaprovar o governo em fevereiro, de acordo com a LatAm Pulse, um levantamento conduzido pela AtlasIntel para a Bloomberg News.

Mas Haddad, que reconheceu que os custos mais altos deixaram os brasileiros “desconfortáveis”, disse estar confiante de que uma abordagem paciente acabará gerando uma melhora na situação econômica do país.

O Banco Central, que aumentou as taxas de juros para o maior patamar em nove anos, 14,25% ao ano, na semana passada, está trabalhando para resolver a inflação, disse ele.

PUBLICIDADE

A estabilização contínua do real, que ganhou cerca de 7% em relação ao dólar este ano após ficar como uma das moedas de pior desempenho do mundo em 2024, também ajudará a derrubar os preços, disse Haddad.

“Parte da inflação é resultado do fortalecimento do dólar”, afirmou. “Não controlamos todas as variáveis ​​internacionais e, muitas vezes, nem mesmo as domésticas.”

Medidas estruturais

Já os investidores não estão tão confiantes. A inflação está projetada para permanecer acima da meta de 3% até 2026, sendo que o mercado espera que a Selic suba para cerca de 15,5% ao ano até o final deste ano. Já o BC cortou sua previsão de crescimento para 2025 para 1,9% de uma estimativa anterior de 2,1%.

PUBLICIDADE

Os mercados financeiros, que já estão preocupados com as contas públicas e a crescente dívida do governo, também estão cautelosos com a queda da popularidade de Lula, temendo que isso o leve a gastar muito antes da eleição presidencial do ano que vem.

Nas últimas semanas, o governo anunciou uma série de novas medidas destinadas a oferecer benefícios principalmente ao público de baixa renda que forma uma parte importante da base política de Lula. A maior delas foi um plano para isentar salários de até R$ 5 mil de Imposto de Renda — uma promessa de campanha de Lula.

Haddad, no entanto, rejeitou a crença generalizada de que as medidas visam reverter a queda de popularidade do presidente, dizendo que são parte de uma “reforma estrutural” da economia brasileira que ele espera que dê resultado no longo prazo.

A reforma tributária, ele disse, é um pilar dos esforços de Lula para reduzir a desigualdade em um país onde os pobres acabam pagando mais impostos do que os ricos.

Já o novo programa de crédito consignado para trabalhadores do setor privado, afirmou, visa conter altos níveis endividamento, dando aos brasileiros a chance de renegociar empréstimos existentes a taxas de juros mais baixas.

O Banco Central ainda não analisou o impacto do consignado na economia, disse o presidente da instituição Gabriel Galípolo em entrevista coletiva na quinta-feira (27).

Mas Haddad descartou preocupações de que as medidas tornarão o trabalho do BC mais difícil, dizendo que as propostas são “muito bem pensadas” e improváveis ​​de ter um “forte impacto” na inflação.

“Não é possível demonstrar” um comprometimento com a responsabilidade fiscal “maior do que o presidente Lula já demonstrou”, disse Haddad. “Essa proposta de reforma tributária estava em sua plataforma de 2022. Não tem nada a ver com pesquisa eleitoral, nem com aprovação.”

A popularidade em declínio de Lula, juntamente com a cirurgia cerebral de emergência a que ele foi submetido em dezembro, alimentaram dúvidas sobre se ele buscará a reeleição no ano que vem, quando completará 81 anos. Mas Haddad, que é amplamente visto como um potencial herdeiro político, disse que o presidente está claramente pronto para concorrer novamente.

“Essa é uma pessoa cujo ritmo de trabalho é comparável a alguém que é 20 ou 30 anos mais jovem”, afirmou Haddad. “Uma pessoa de 50 ou 60 anos que vai acompanhar Lula terminará o dia mais cansada do que ele.”

Relações com os EUA

O ministro expressou preocupação sobre os primeiros meses do governo Trump, dizendo que é “a primeira vez que vejo pessoas sérias falando, escrevendo e refletindo sobre a qualidade e a força da democracia nos Estados Unidos”.

Ainda assim, ele está otimista sobre as relações do Brasil com Washington. No mês passado, Trump impôs novas tarifas sobre produto siderúrgicos que representam riscos para a maior economia da América Latina, que é classificada como uma das maiores fornecedoras de aço para os EUA. Mas Haddad vê pouca perspectiva de uma batalha comercial total entre as duas nações.

“Não há porque nos desviarmos de um comércio saudável que não traga vantagens exageradas para nenhuma das partes”, disse o ministro. “A relação entre Estados Unidos e Brasil é muito equilibrada e respeitosa. E eu não consigo ver ganho nenhum em criar um problema que não existe entre os dois países e que, a bem da verdade, nunca existiu.”

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Selic começa a cair no fim do ano e chega a 12,25% em 2026, diz Honorato, do Bradesco

Meta de superávit primário será mantida, diz secretário do Tesouro. O mercado é cético