Estiagem na Amazônia amplia perdas para lavouras e economia local

Pior seca da história na região afeta agricultores, comerciantes e grandes empresas que dependem dos rios e das chuvas, prejudicando a atividade na região

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Bloomberg — A vagem que Justino Lira colheu em sua terra próxima ao rio Amazonas tinha aparência anêmica. A seca deste ano estragou quase todos os seus pés de feijão, repolho, milho, mandioca e quiabo. Quase nada sobreviveu. “Nunca vi nada parecido”, disse Lira, de 63 anos.

Normalmente ele pedia ajuda aos netos para colher e, duas vezes por semana, carregava seu barco para atravessar o rio até a cidade de Manacapuru, para vender os produtos a uma rede de supermercados local, ganhando cerca de R$ 1.200 por mês para complementar sua aposentadoria de professor.

Mas a área em frente à sua casa se transformou em uma paisagem árida, e no início de novembro, ele estava sem água corrente havia um mês. Em seu vilarejo de cerca de 170 famílias, outras pessoas partiram em busca de empregos temporários na cidade à medida que a pesca e a agricultura familiar secaram.

Todos nesta parte do Brasil que dependem do rio Amazonas e seus afluentes para ganhar a vida – desde pequenos agricultores como Lira até proprietários de restaurantes ribeirinhos e líderes de empresas multinacionais – sofrem com a pior seca da história da região. É outro fator de estresse para a já frágil saúde da floresta amazônica, um baluarte crucial contra as alterações climáticas.​

​Os especialistas culpam uma combinação do El Niño com o aquecimento do Oceano Atlântico, provavelmente agravado pela crise climática. Eles afirmam que as secas severas na Amazônia e outros eventos climáticos extremos — como as inundações recordes de 2021 — provavelmente se intensificarão à medida que as temperaturas globais aumentarem.

“O que as projeções mostram é que é mais provável que ocorram eventos climáticos extremos na Amazônia, especialmente secas extremas”, disse Erika Berenguer, cientista climática e pesquisadora associada sênior na Universidade de Oxford.

A seca afetou diretamente cerca de 600.000 pessoas no estado do Amazonas, onde vive Lira, e todos os seus 62 municípios declararam estado de emergência. Quase quatro vezes o tamanho da Califórnia, o Amazonas cobre uma área de 1,6 milhão de quilômetros quadrados, grande parte dos quais acessível só por avião ou barco.

“Nossa principal via de conexão com o Brasil e o mundo é pelo rio”, disse o secretário estadual de Desenvolvimento, Serafim Corrêa. “Na Amazônia, o rio comanda a vida.”

Lailton Dias da Silva, de 48 anos, que mora a cerca de 220 quilômetros de Lira, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Madeira, disse à Bloomberg Green que as 44 comunidades que compõem a reserva sofrem um duplo golpe com a baixa produção e dificuldades para os barcos realizarem o transporte.

“Isso causou um desequilíbrio total na nossa agricultura familiar”, disse ele.

Darli Leão, de 50 anos, é dono de um bar e restaurante flutuante no lago Puraquequara, perto de Manaus. Agora o estabelecimento fica em lodaçais onde o lago secou. Ele disse que foi forçado a demitir seis funcionários e contrair dívidas de R$ 10 mil por falta de clientes. Ele também perdeu o que deveria ter sido um feriado municipal lucrativo porque os clientes não apareceram.​

​​​“Nunca imaginei algo assim”, disse ele, lembrando que durante a forte seca de 2010 ainda tinha movimentação. “A preocupação agora é: será assim todos os anos?”

No mercado de peixe, os pescadores falam das dificuldades causadas pela seca – mais tempo passado no rio devido às dificuldades de navegação, o que por sua vez aumenta o risco do peixe estragar e aumenta os custos.

“Os custos do combustível, do gelo, de tudo, subiram”, disse José Pereira, de 62 anos, que se disse obrigado a repassar os custos extras aos consumidores.

Prejuízo para os negócios

​​​As empresas também estão sentindo o impacto. A transportadora Bemol é frequentemente apelidada de “a Amazon da Amazônia” por sua capacidade de entregar artigos que as pessoas encomendam de seus celulares em cidades remotas do interior.

O diretor-presidente Denis Minev estava apreensivo em relação ao período da Black Friday, época mais importante do ano para o varejo, que no Brasil dura todo o mês de novembro.

No porto dos Super Terminais, em Manaus, guindastes elétricos novos movidos a energia solar ficaram parados por causa da seca. Grandes navios que transportavam milhares de contêineres não conseguiram atracar durante semanas devido aos baixos níveis de água, forçando as empresas a utilizar barcaças que transportam apenas 10% da carga que os navios transportam.

​​​Minev disse que houve um aumento enorme dos custos. As empresas foram forçadas a contratar serviços caros de transporte por caminhão para entregar mercadorias ao longo da BR-319, que não é asfaltada.

Com a seca, alguns fabricantes da Zona Franca de Manaus decretaram “férias coletivas” antecipadas. Um deles, a Samsung, disse: “Operaremos nosso programa de produção com flexibilidade para responder a qualquer necessidade e minimizar o impacto”.

​Sergio Mendes, diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais, disse que o Brasil ainda caminha para exportar um volume recorde de soja e milho.

“Há dificuldades”, disse ele. “Mas nada que não tivesse sido previsto antecipadamente pelas tradings.”

A seca começou no início de setembro e cientistas climáticos esperam que dure até ao início de dezembro. A estação chuvosa geralmente começa no final de outubro ou início de novembro.

“As mudanças climáticas já são uma realidade para essas comunidades”, disse Valcléia Solidade, superintendente de desenvolvimento comunitário da Fundação Amazônia Sustentável. “Mas ninguém quer pagar a conta de investir em estruturas que reduzam os impactos que estão sentindo hoje.”

​Este ano foi o mais quente já registrado em todo o mundo e espera-se que o próximo ano seja ainda mais quente. Os cientistas preveem uma estação chuvosa mais fraca nos próximos meses, o que, combinado com o pico do El Niño e os seus efeitos no próximo ano, poderá tornar a estação seca de 2024 ainda mais severa.

“Uma seca mais longa que a deste ano, de 4 ou 5 meses, sufocaria a indústria”, disse Corrêa. “A partir de agora teremos que dragar os rios todos os anos, antes da época de seca, para evitar que tudo pare.”

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