Bloomberg Línea — A costura de uma declaração final com apoio de todos os mais de 80 países presente na Cúpula do G20, no Rio de Janeiro, há duas semanas, concluiu uma organização considerada bem-sucedida do encontro das nações mais ricas do mundo e serviu como alegado reforço de um dos motes centrais do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva: o Brasil voltou ao cenário internacional.
Para certos analistas internacionais, o evento foi uma demonstração da capacidade e do profissionalismo do Itamaraty e mostrou que o Brasil atua de forma proativa para buscar protagonismo internacional.
Mas, apesar do que foi visto por muitos como uma vitória da diplomacia brasileira, o contexto internacional marcado pela volta de Donald Trump ao poder e de uma política externa isolacionista dos Estados Unidos, com crescentes disputas comerciais entre as maiores economias do mundo, mostra que o cenário não é favorável para países emergentes.
Mais do que isso, por mais bem sucedida que tenha sido a liderança do G20 neste ano, esse esvaziamento da importância do multilateralismo representado pela cúpula serviu para reforçar a ideia de que o Brasil não pode ser considerado uma potência global em ascensão.
Esse diagnóstico foi apresentado em um estudo de relações internacionais recém-publicado, que indica que o país pode até exercer um papel de protagonismo na América do Sul, mas não tem requisitos necessários para ostentar esse status mais alto em uma perspectiva mundial. Mais do que isso, não se pode perceber uma trajetória que aponte uma evolução suficiente para falar em “emergência” do país.
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Por mais que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha colocado a construção do prestígio nacional como uma das prioridades da pauta do seu terceiro mandato, tenha reforçado laços com outros países ditos “emergentes” com o Brics+ e tenha reiterado a candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, nada disso parece fazer muito efeito prático, segundo especialistas.
“O Brasil claramente tem o status de potência regional. Mas ele está ascendendo ao status de grande potência? Eu descartaria isso, e acho que ainda há um longo caminho a percorrer”, disse o professor Thomas J. Volgy em entrevista à Bloomberg Línea.
Considerado um dos maiores estudiosos de status de nações e de transições de poder, Volgy é professor de ciência política na Universidade do Arizona e co-autor do artigo “‘Rising Powers’ in International Politics: Which Powers are Rising and Are They Challengers to the Liberal World Order?”, escrito com a pesquisadora Kelly Marie Gordell. O texto faz parte do livro recém-publicado “The Sources of Great Power Competition”, editado por J. Patrick Rhamey Jr. e Spencer D. Bakich.
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Segundo o estudo, um dos principais problemas do Brasil é a fragilidade econômica do país.
“Para gerar status de grande potência global é necessário uma quantidade enorme de recursos. E esses recursos vêm principalmente da economia doméstica. Se você não tem recursos muito substanciais dessa natureza, não terá capacidade militar nem diplomática nem uma série de outras capacidades necessárias para desempenhar um papel muito forte no cenário global”, explicou Volgy.
Quem ascende?
No texto, os autores analisam de forma sistemática o que torna certos Estados potências emergentes e desenvolvem critérios para analisar a ascensão de diferentes países, incluindo o Brasil.
Segundo eles, há duas formas de um Estado aumentar seu status: ele pode ser aceito como parte de um grupo de países de alto status (como o Conselho de Segurança da ONU), ou ele pode melhorar sua posição relativa dentro de outros grupos (como o Brics). Para estar em ascensão, o país precisa demonstrar uma trajetória que indique que isso eleva sua posição em relação ao resto do mundo.
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“Se um país ascende, ele está em movimento em uma escala, passando de um nível para outro, em evolução. Se falamos do Brasil nos últimos anos, não vemos nenhuma ascensão real de suas capacidades”, disse.
É a economia, estúpido
Os países que se consolidam como grandes potências têm capacidades econômicas e militares acima do comum, alcance e oportunidade de agir além das suas regiões, segundo o estudo. Além disso, têm amplo envolvimento em temas internacionais além de suas regiões e são reconhecidos pela comunidade internacional como tendo alto nível de prestígio.
A partir desses critérios, as grandes potências globais são os Estados Unidos, a China, o Reino Unido, a França, o Japão e a Rússia.
A avaliação publicada por Volgy e Gordell aponta que o Brasil não se enquadra como potência econômica nem militar - e que está estagnado em sua trajetória. De forma semelhante, é considerado que o país tem presença global insuficiente, o que faz com que seja avaliado que não está em ascensão para se tornar um membro do clube das grandes potências globais.
Mais uma vez, uma das evidências está nas dificuldades econômicas enfrentadas pelo Brasil, segundo ele. O estudo diz que o que mais limita a ascensão de um país como o Brasil é a relativa fraqueza da sua força econômica. “Quanto mais fraco é um Estado na perspectiva econômica, maior a necessidade de extração de recursos para atender aos desafios de criar uma grande potência.”
Os critérios básicos para avaliar se um país está de fato em ascensão na hierarquia global envolvem questões ligadas à oportunidade (força econômica, força militar e trajetória) e à vontade (presença global e trajetória). A partir desses pontos, eles consideram que é possível saber a situação dos países analisados.
“A economia brasileira é forte para os padrões sul-americanos. Mas, globalmente, ela não é tão forte. E não vejo o país em uma trajetória dramática de aumento da competitividade econômica no momento”, disse Volgy na entrevista.
Assim como o Brasil, o estudo avalia que a África do Sul, a Nigéria e a Índia, outras potências regionais frequentemente consideradas emergentes globalmente, também não podem ser consideradas como “em ascensão”. Entre os poderes regionais analisados, somente a Alemanha responde positivamente a todas as questões e pode ser considerada em ascensão rumo ao clube das potências globais.
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Estratégias para ascensão
Volgy explicou que o que faria uma nação ascender na hierarquia internacional está ligado às ideias de oportunidade e disposição, ou vontade.
“Você, como nação, não pode ascender sem recursos significativos para fazê-lo. Essa é a parte da oportunidade. Se você não tem esses recursos ou se eles estão diminuindo, nunca chegará lá, não importa o quanto você esteja disposto a tentar ascender”, disse.
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A parte da disposição depende de o país aceitar os custos que acompanham esse crescimento de protagonismo internacional - com maiores gastos militares e econômicos, bem como gastos políticos ao tomar decisões que podem não agradar a todos. Por isso a economia doméstica é tão importante para a ascensão internacional de um país.
Segundo Volgy, a Alemanha é um exemplo de um país que tem capacidade de ser uma grande potência, mas, depois de um grande debate interno, parece ter aceitado a noção de que é melhor ser uma grande potência regional na Europa sem competir com outras grandes potências globais como os EUA e a China.
Oportunidade, vontade e custos
No caso do Brasil, o potencial existe, mas é difícil transformá-lo em crescimento real de prestígio, disse.
“Há alguma oportunidade, pois as capacidades latentes são enormes. Mas a economia está instável e suas capacidades militares não estão à altura do que seria necessário para uma grande potência.”
Além disso, explicou, a disposição do país tem flutuado bastante com a política doméstica, como se viu durante o governo de Jair Bolsonaro.
“Há uma certa dificuldade em avaliar se o atual governo está disposto a pagar o custo de tentar ascender ao status de grande potência. Parece ótimo no papel, mas os custos são bastante grandes.”
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Para o país se tornar uma potência em ascensão de verdade, o pesquisador disse que é imprescindível que o Brasil continue e melhore sua posição como potência regional e atue como país dominante na América do Sul.
Isso requer uma atuação mais proativa em questões de peso, como a crise da Venezuela, por exemplo, em que o país demonstrou fraqueza, na avaliação de Volgy.
Além disso, ele disse que é importante que essa questão seja discutida internamente, para definir se o país realmente está disposto a arcar com os gastos e a responsabilidade de se tornar um líder.
“Haverá custos enormes para sair desse status de potência regional e tentar alcançar o status de grande potência global. Esses custos não serão pagos pelos políticos, mas pela sociedade brasileira.”
“A menos que haja algum tipo de consenso na sociedade de que ela está disposta a fazer esses sacrifícios e a correr esses riscos para aproveitar as vantagens, os formuladores de políticas do país entrarão em um território muito perigoso se tentarem fazer isso sem algum tipo de acordo social”, disse.
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