Do Brasil ao México, queda do preço do petróleo acende alerta sobre efeito fiscal

Em diferentes magnitudes, a desvalorização da commodity diante de incertezas com a demanda pode afetar as principais estatais do setor, como Petrobras, Pemex e Ecopetrol e suas receitas fiscais

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Bloomberg Línea — Uma combinação de tensões comerciais, decisões inesperadas de oferta por parte da Opep+ e uma queda acentuada dos preços no futuros do petróleo impôs mais um desafio à estabilidade fiscal da América Latina e à rentabilidade de suas principais empresas do setor.

Essas ações acenderam sinais de alerta entre as companhias produtoras da região, cuja rentabilidade pode ser comprometida. O barril de referência WTI acumula uma queda superior a 12% no ano, para US$ 63, enquanto o Brent já recuou mais de 11,5%, para US$ 66.

“Os países mais dependentes do petróleo são, em ordem, Guiana, depois Venezuela, Equador e Colômbia”, disse Francisco Monaldi, diretor do Programa de Energia para a América Latina no Centro de Estudos Energéticos do Instituto Baker, em entrevista à Bloomberg Línea.

“Os demais países já não são, do ponto de vista das exportações, tão dependentes do petróleo, mas a commodity ainda tem um peso importante.”

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Segundo Monaldi, esses países citados estão mais expostos à queda dos preços internacionais do petróleo porque suas estruturas econômicas e fiscais dependem mais desse recurso.

Economias como Brasil, México e Argentina também enfrentam efeitos relevantes, devido à importância do setor energético em suas contas externas e fiscais.

“No caso do restante dos países da região, eles são importadores líquidos e, portanto, se beneficiam da queda no preço do petróleo”, disse Monaldi.

Consequências fiscais

O impacto fiscal pode ser especialmente sensível em países como Colômbia e Equador, em que as receitas públicas dependem em maior grau do preço do petróleo. No caso colombiano, esse recurso representa quase 10% das receitas fiscais.

Richard Francis, analista da Fitch Ratings, alertou que uma desvalorização do peso resultante da queda nas receitas do petróleo pode elevar a relação dívida/PIB para além dos 62% projetados para 2026.

Além disso, ele destacou que o impacto sobre as contas públicas ocorre com defasagem, o que pode levar a uma intensificação gradual da pressão fiscal.

No Equador, aproximadamente um terço das receitas fiscais vem do petróleo. O fechamento programado de três campos petrolíferos na Amazônia complica ainda mais o cenário.

Saul del Real, também analista da Fitch, explicou que um choque no setor de petróleo levaria a um aumento no déficit fiscal e nas necessidades de financiamento externo, em um país que já enfrenta dificuldades de acesso aos mercados internacionais.

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“Provavelmente, isso se traduzirá em um maior déficit e em maiores necessidades de financiamento que o governo terá que resolver de outras formas”, afirmou Del Real.

O México, embora menos vulnerável no curto prazo, também enfrenta riscos.

A Fitch indicou que o principal problema seria a necessidade de continuar com transferências fiscais para a Pemex, o que pode comprometer os esforços de consolidação fiscal em meio ao maior déficit em décadas (equivalente a 5,7% do PIB).

A agência destacou que “o verdadeiro fator de pressão seria se esse enfraquecimento afetar a consolidação fiscal”, o que ressalta a urgência de uma reforma tributária estrutural.

Impacto sobre as petrolíferas

No Brasil, a queda no preço do petróleo afeta tanto grandes produtoras como a Petrobras (PETR4, PETR4), quanto operadoras independentes como Prio (PRIO3), Brava (BRAV3) e PetroRecôncavo (RECV3).

Apesar de os projetos offshore terem ciclos de investimento de longo prazo, analistas alertam para uma redução nas margens de rentabilidade.

“Embora o Brasil tenha limiares de rentabilidade muito competitivos, a queda no preço do petróleo repercute nas margens das empresas de exploração e produção”, afirmou Flávio Ferreira Menten, da Rystad Energy, à Bloomberg Línea.

A política de dividendos da Petrobras também está em xeque. Segundo cálculos do Itaú BBA, se o preço do barril se mantiver em torno de US$ 65, a estatal teria que aumentar sua dívida bruta para US$ 64 bilhões para sustentar sua política de dividendos.

Em um cenário ainda mais desfavorável, com os preços abaixo de US$ 50, o endividamento superaria os US$ 75 bilhões — limite autoimposto pela companhia.

“Reconhecemos que a empresa pode considerar oportunidades de alavancagem para priorizar o pagamento de dividendos no curto prazo, embora não tenhamos certeza de quanto tempo seriam necessárias tais ações”, afirmaram os analistas do Itaú BBA.

Na Argentina, a YPF tem priorizado o desenvolvimento do xisto (shale gas) em vez de campos convencionais, com um investimento projetado de US$ 3,2 bilhões para este ano, e não vê risco enquanto os preços não caírem abaixo dos US$ 45 por barril.

No entanto empresas como a Vista Energy já alertaram que podem revisar seus orçamentos caso o preço do petróleo Medanito — o mais leve do território argentino e que depende do Brent — caia abaixo de US$ 55 por barril.

No México, a Mezcla Mexicana de Exportación permanece abaixo dos US$ 60, inferior aos US$ 62,4 previstos nos Pré-Critérios de Política Econômica.

Isso representa um impacto potencial de até US$ 530 milhões para cada dólar de diferença, segundo cálculos do Ministério da Fazenda, em um momento em que a principal petroleira, a Pemex, enfrenta uma dívida de US$ 97,6 bilhões e dificuldades operacionais em campos estratégicos.

Na Colômbia, a Ecopetrol (ECOPETL) começou a avaliar a possibilidade de fechar campos com custos superiores aos preços atuais do Brent.

“Dos campos cujo ponto de equilíbrio está próximo desse preço (US$ 73), será preciso descartá-los e concentrar-nos naqueles com custos mais baixos”, disse seu presidente, Ricardo Roa, durante um recente congresso empresarial.

Perspectivas para o investimento

A viabilidade dos projetos atuais depende de o Brent se manter na faixa de US$ 60 a US$ 65. “Se continuar a cair, como os níveis que atingiu após os anúncios das tarifas de Trump, o investimento pode começar a ser afetado”, apontou Monaldi.

Para o analista, os projetos offshore de longo prazo no Brasil e na Guiana apresentam maior resiliência, embora ele tenha alertado que valores abaixo de US$ 55 por barril começam a exercer uma pressão significativa sobre as margens de rentabilidade das empresas.

Monaldi destacou que a América Latina se tornou um destino crescente para o investimento privado em hidrocarbonetos, impulsionado pela saída de empresas de outras regiões. No entanto uma queda nos preços poderia levar muitas dessas iniciativas a serem reduzidas ou adiadas.

Ele observou que nem todos os países aproveitam a chegada de investimentos no setor, independentemente da recente queda nos preços: “Colômbia e México não são muito receptivos ao investimento privado”. Em contraste, Guiana, Brasil e Argentina estão, de fato, atraindo capital estrangeiro.

A Fitch alertou que a queda do petróleo se soma ao recuo nos preços de outras commodities, como o cobre, o que aumenta a pressão sobre moedas e reservas nas economias andinas e da América Central.

Segundo Shelly Shetty, codiretora da equipe de rating soberano para a região na Fitch Ratings, uma queda prolongada nos preços do petróleo pode afetar tanto a estabilidade fiscal quanto a dinâmica da dívida dessas economias, especialmente aquelas com pouca margem de manobra.

Apesar de alguns países terem conseguido fortalecer suas reservas internacionais nos últimos anos, Shetty ressaltou que esse colchão pode se revelar insuficiente caso uma queda prolongada do petróleo venha acompanhada de pressões fiscais acumuladas.

- Com colaboração de Juliana Estigarríbia.

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