Desaceleração da economia evidencia, de novo, dilema da dependência de commodities

Perspectiva de crescimento do PIB brasileiro na casa de 1,5% neste ano, versus 3% em 2023, reflete safra que não deve igualar o recorde anterior e a falta de vigor da indústria

Colheita de soja em fazenda no Centro-Oeste: o agronegócio tem sido um dos motores da economia brasileira (Foto: Andressa Anholete/Bloomberg)
12 de Fevereiro, 2024 | 05:05 AM

Bloomberg Línea — Depois de ser beneficiada por um vento favorável nos últimos anos, a economia brasileira começou 2024 com a perspectiva de desaceleração acentuada. O cenário é ligado ao impulso menos vigoroso do principal motor da economia no ano passado: o setor de commodities, principalmente, as agrícolas.

A colheita de grãos deve encolher para 306,4 milhões de toneladas na safra de 2023/2024, equivalente a uma queda de 4,2% na comparação com o recorde do período anterior, segundo projeção mais recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

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Diante dessa perspectiva, economistas do mercado financeiro estimam que o Produto Interno Bruto (PIB) terá expansão de 1,60% em 2024, segundo a mediana de projeções no levantamento do Boletim Focus, do Banco Central, no início do mês. Ficará, portanto, se confirmado, muito abaixo do crescimento perto de 3% no ano passado (os dados serão divulgados pelo IBGE em 1º de março).

Para economistas ouvidos pela Bloomberg Línea, a desaceleração evidencia como o país continua a depender muito das commodities, ainda que o seu efeito multiplicador tenha crescido (veja mais abaixo). O cenário remete a um ciclo semelhante ao dos anos 2000 e início de 2010.

O tema, exaustivamente discutido no país em outras ocasiões, voltou à discussão também com a decisão do governo federal de anunciar um pacote de crédito e subsídios de estimados R$ 300 bilhões até 2026 para a indústria, setor que conhecido por agregar valor em suas etapas produtivas e levar à qualificação da mão-de-obra, mas que perdeu competitividade e participação no Brasil.

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“É muito importante para o Brasil que a gente volte a ter uma política industrial inovadora, uma política industrial totalmente digitalizada como o mundo exige hoje, e que a gente possa superar [...] esse problema de o Brasil nunca ser um país definitivamente grande e desenvolvido”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por ocasião do lançamento do programa denominado “Nova Indústria Brasileira”.

“Os países que não passaram pela ‘maldição das commodities’ foram os que conseguiram aproveitar o fluxo de recursos para diversificar a economia e que evitaram recuos institucionais. Do contrário, o país fica dependente demais de preços internacionais e de fatores que oscilam muito, como o clima e os fluxos de comércio”, disse Bráulio Borges, economista da LCA Consultores e pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), à Bloomberg Línea.

É uma alusão à tese econômica - “natural resource curse” - que estuda por que países ricos em recursos naturais não raro têm níveis de crescimento e desenvolvimento menores que os demais.

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Agro: efeito multiplicador

A agropecuária representa atualmente o equivalente a 7,7% do PIB, segundo o IBGE, enquanto a indústria extrativa mineral, que reúne a mineração e o petróleo, responde por outros 5,5%.

Juntos formam o chamado setor primário. Têm menos peso que a indústria de transformação e os serviços, mas são os que mais têm crescido. Em 2023, por exemplo, a produção agropecuária aumentou estimados 16%, e a expansão da produção e da exportação de petróleo ajudaram a balança comercial.

Segundo estudo recente de Bráulio Borges, para cada um real produzido no setor agropecuário, é gerado R$ 1,80 para a economia. Esse efeito multiplicador também impacta o PIB por meio do consumo das famílias.

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Cálculos do pesquisador também apontam que a média de crescimento do PIB entre 2020 e 2023 foi de 1,9%, mas teria sido de 0,9% se a produção das commodities tivesse se mantido no mesmo nível dos anos anteriores a 2020.

Além do efeito multiplicador devido à renda, o agronegócio tem uma cadeia de produção maior que a agropecuária em si e alcança o equivalente a 23% do PIB. A estimativa é do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA).

Este é um ponto crucial na avaliação do economista Sergio Vale, da consultoria MB Associados, ao comentar a dependência do crescimento brasileiro das matérias-primas.

“Às vezes usamos o termo setor primário como se estivéssemos plantando a soja e pronto. Mas não. Há o investimento em sementes, tecnologia de plantio, maquinário, irrigação. Ele se tornou uma estrutura que tem o primário, o secundário e o terciário.”

Vale, por outro lado, criticou o protecionismo como política pública para preservar determinado setor. “A indústria afundou porque ela se fechou. A economia agrícola brasileira é aberta. Nós importamos o que precisamos e exportamos o que conseguimos. Agora, não temos demanda para transformar e processar esses produtos básicos porque o Brasil ficou fora das cadeias globais de valor”, afirmou.

A diferença do crescimento do PIB por região do país é outra evidência de como a agropecuária tem impulsionado a economia brasileira, segundo Vale. Para 2023, a estimativa do economista é a de que o PIB do Centro-Oeste tenha crescido 5,8%.

“Fosse algo diferente das commodities, especialmente da agricultura, era para vermos um crescimento mais homogêneo”, disse.

Cálculos do Ibre-FGV estimam que a economia brasileira tenha crescido 3% em 2023 e que a expansão por setor tenha ficado em: 16% a agropecuária; 1,3% a indústria e 2,4% os serviços.

Para 2024, o desempenho do PIB da agropecuária deve ficar negativo, com queda de 1,6%, segundo as previsões do Ibre-FGV. Já a indústria deve crescer 1,8%, e os serviços, 1,5%. Com os resultados, o PIB deve crescer 1,4%.

Claudio Considera, economista e coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Ibre-FGV, prevê um crescimento de 2% do PIB em 2024, com efeito positivo principalmente da queda dos juros - a taxa passou de 13,75% ao ano em agosto de 2023 para o nível atual de 11,25% ao ano. Segundo o Focus, deve encerrar dezembro a 9%. Ele ressaltou, no entanto, que o impacto da estagnação da indústria ficará evidente.

“Existe uma integração da indústria com a agricultura que vai continuar aproveitando uma safra bastante boa neste ano, embora sem representar um crescimento. Se o país tiver a mesma safra, o crescimento é zero. Mas não faz mal. Como uma super safra, ela puxa a economia de transporte, o comércio, a própria indústria de transformação e algumas partes da indústria de formação”, afirmou.

“Eu vejo este ano de 2024 com dificuldade por causa do fracasso da nossa indústria”, afirmou.

Petróleo

Além dos bens agrícolas, a produção de petróleo e minério de ferro entra na cesta de commodities sobre as quais o crescimento brasileiro tem se apoiado.

Estimativa do Ibre-FGV aponta que a indústria extrativa foi o subsetor com maior crescimento no segmento. Em 2023, a alta foi de 6,7%, patamar que deve se repetir em 2024, com o petróleo na liderança.

Um levantamento de Bráulio Borges com dados do IBGE mostram como a renda total do setor de commodities cresceu. O valor adicionado da agropecuária e do setor extrativo mineral, que inclui o petróleo, ultrapassou R$ 1 trilhão em 12 meses pela primeira vez no quarto trimestre de 2020 e se manteve acima desse patamar desde então.

Para os próximos anos, a produção de petróleo deve ter novamente avanço. Em 2023, o Brasil produziu 3,4 milhões de barris ao dia e esse indicador deve alcançar 5,1 milhões até 2030, segundo estimativas da Kinea Investimentos, o que representaria uma alta de 50%.

Apesar da alta, os mesmos cálculos de Borges apontam que o efeito multiplicador do setor extrativo mineral é menor.

O motivo é que são setores mais intensivos em capital, e menos em mão-de-obra, além de estar concentrado principalmente em duas grandes empresas, a Vale (VALE3) e a Petrobras (PETR4, PETR3). Dessa forma, a agropecuária não seria compensada em 2024 pela alta da produção do petróleo.

O impacto positivo do petróleo nos próximos anos deve ser sentido principalmente sobre as receitas da União por meio de royalties e dividendos da Petrobras, o que beneficia os contas do governo, a balança comercial e o real, segundo apontou um relatório do Bank of America de janeiro.

Navio-plataforma FPSO Carioca no campo de Sépia, no pré-sal da Bacia de Santos

Riscos associados

Na avaliação de Bráulio Borges, existem ressalvas que devem ser feitas à dependência do Brasil das commodities.

As exportações brasileiras estão muito concentradas tanto do ponto de vista de compradores quanto de produtos: 30% das vendas foram para a China em 2023, enquanto três produtos alcançaram quase 40% das vendas: soja, petróleo e minério.

É uma situação que cria riscos para a economia brasileira. “O mercado brasileiro tem um ciclo favorável de preço de commodities: o PIB cresce porque o efeito multiplicador é alto, mas depois, quando o preço cai, a economia sofre junto”, ponderou o economista.

“O efeito multiplicador alto gera crescimento econômico no curto prazo. Mas se a maldição dos recursos naturais opera com força, a excessiva dependência de recursos naturais não gera desenvolvimento econômico e social.”

A expansão do setor industrial, por outro lado, tem um efeito multiplicador maior e é menos sensível aos ciclos de preços internacionais.

Outro ponto crucial para o economista é a avaliação da qualidade do PIB. Para isso, é preciso verificar se o crescimento vem de investimento das empresas ou, principalmente, do consumo das famílias.

Claudio Considera segue o mesmo raciocínio. “Faço uma brincadeira que é dizer que nós temos commodities e essa é a boa notícia. A má notícia é que nós só temos commodities”, disse.

“Todo desenvolvimento tecnológico e inovação é feito na indústria da informação. É fundamental que ela esteja funcionando bem, e temos vantagens em alguns setores. Então seria importante que ela fosse estimulada. Mas evidentemente a agropecuária é importante.”

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Victor Sena

Editor assistente na Bloomberg Línea. Formado em Jornalismo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Especializado em cobertura de economia.