Decisão unânime na Selic pode ajudar com expectativas de inflação, dizem analistas

O Banco Central decidiu na noite de ontem interromper o ciclo de corte das taxas de juros, na primeira manutenção da Selic desde agosto passado

Comunicado do Copom trouxe uma piora das projeções para o IPCA deste ano e do próximo
Por Barbara Nascimento - Josue Leonel - Felipe Saturnino
20 de Junho, 2024 | 11:13 AM

Bloomberg — O Banco Central optou de forma unânime por “interromper” o ciclo de queda da Selic, mantida em 10,50% ao ano. O Copom indicou que se manterá “vigilante” e que a política monetária deve se manter contracionista “por tempo suficiente” para desinflação e ancoragem das expectativas, segundo comunicado divulgado após a decisão na quarta-feira (19).

Além disso, o BC incorporou um “cenário alternativo” às projeções, que sinaliza convergência da inflação para a meta em 2025 no caso de manutenção da Selic no patamar atual.

A unanimidade e a sinalização de juros altos por mais tempo devem servir para aliviar a pressão sobre os ativos domésticos, segundo analistas.

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E podem ajudar a reancorar as expectativas de inflação, que passaram a refletir dúvidas sobre a sucessão de Roberto Campos Neto à frente do Banco Central, especialmente depois da divergência dos diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reunião anterior.

O uso da palavra “interromper” levou alguns economistas a verem a decisão como mais “dovish”, por indicar apenas uma pausa. O próximo passo mais provável, nesse caso, seria a retomada do ciclo de cortes no futuro. Outro ponto visto como menos duro foi a manutenção do balanço de riscos.

Por outro lado, o comunicado reforçou a preocupação com a “ampliação da desancoragem” das expectativas, além de trazer uma piora das projeções para o IPCA deste ano e do próximo.

A economia segue com dinamismo maior do que o esperado e as medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta.

Confira a seguir o que dizem analistas do mercado financeiro:

Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa macroeconômica do Itaú

Segundo o especialista, o cenário alternativo traçado e o comentário do fim do comunicado sobre uma política contracionista por tempo suficiente “constrói cenário de juro alto por mais tempo”. Já o termo “interromper” deixa em aberto para cenários futuros e será muito debatido, disse, mas interpretação é de que “não tem que botar muito peso nisso”.

“O câmbio e a curva de juros tendem a melhorar um pouco; o comunicado tira um pouco do peso da precificação de alta de juros” na curva, disse.

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Cassiana Fernandez e Vinicius Moreira, economistas do JPMorgan

Os economistas do JPMorgan avaliam que o comunicado foi mais “hawkish” que o anterior, mas que não garante os aumentos de juros como está precificado na curva.

O banco projeta a Selic a 10,50% no futuro próximo, “embora reafirmemos a falta de visibilidade, especialmente para além das próximas reuniões”.

Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander

O destaque da declaração, segundo Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander, foi a decisão consensual com a mensagem de taxas altas por mais tempo.

“O Copom trouxe de volta sua comunicação sobre cenários alternativos de inflação; sinalizou que, se mantivesse a taxa Selic inalterada no nível atual, sua previsão de inflação para 2025 convergiria mais rapidamente para a vizinhança da meta.”

Roberto Secemski, economista para o Brasil do Barclays

“Na margem, as mudanças feitas no comunicado sugerem disposição em se manter a Selic parada em 10,50% enquanto for necessário, haja vista a introdução do cenário alternativo mostrando uma possível convergência da inflação para bem próximo do centro da meta no ano que vem, em 3,1%, naquelas condições”, disse.

O Barclays projeta uma Selic de 10,50% ao fim deste ano, e de 9,50% em 2025.

Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs

O Copom caracterizou a decisão de manter a Selic como “interromper o ciclo de queda de juros”, o que sugere, segundo Ramos, que considera provável que o próximo passo seja uma retomada dos cortes, em vez de uma alta.

A avaliação é a de que a decisão não foi tão “hawkish” quanto poderia ter sido. “O Copom sugere que se trata apenas de uma pausa e o balanço de riscos não se alterou.”

Caio Megale, economista-chefe da XP

“Era esperada a unanimidade como um sinal claro com o compromisso de cumprir a meta. O ambiente se mostrou mais complexo, fundamentos ligados à inflação se deterioraram marginalmente, projeções de inflação subiram, o que sugere uma cautela maior”, avaliou Caio Megale, economista-chefe da XP.

A XP vê o juro parado em 10,50% ao até final de 2025. “O Copom sinalizou que o juro tem que seguir nesse patamar por um bom tempo.”

Gustavo Pessoa, sócio-fundador da Legacy Capital

“A manutenção unânime acalma os ânimos. O BC não declarou explicitamente o fim de ciclo de corte, apenas disse que interrompeu”, disse Gustavo Pessoa.

Segundo ele, as projeções indicam que o juro real neutro não subiu, o que deixa a barra mais alta para subir juros. “O cenário mais provável é o de manutenção da Selic por longo período.”

Bradesco, em relatório

“A decisão unânime é um sinal importante de que não há discordância dentro do Copom quanto à importância de perseguir firmemente a meta de inflação”, avaliou o time do Bradesco em relatório.

“Nossas previsões de inflação, de 3,8% para o final de 2024 e 3,1% para o final de 2025, abrem espaço para que o Copom retome a redução da taxa Selic no segundo semestre de 2025, levando-a a 9,5% até o final do ano.”

Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital

“A decisão do Copom foi assertiva, uma vez que a ancoragem das expectativas é prioritária para a instituição, e coerente com a sinalização proferida pelos próprios membros do Comitê desde a última decisão de política monetária”, diz Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital.

“Com essa postura, os ativos tendem a reagir positivamente nesta quinta-feira e a desancoragem inflacionária deve ser estancada, pelo menos por ora.”

Laiz Carvalho, economista para o Brasil do BNP Paribas

“Para mim, interrupção é pausa. Não quer dizer que o ciclo acabou e que não vai ter nenhum movimento para frente. Foi bem ‘data-dependent’, deixando a porta aberta para voltar a cortar se as expectativas responderem.”

“Ao mesmo tempo, mostra cautela com corte neste ano. Não deve cortar mais neste ano, a barra está alta para corte nos próximos seis meses se nada acontecer de diferente com as expectativas, que no curto prazo dependem da situação fiscal e da própria questão da composição do Copom.”

Thiago Mendez, sócio e gestor de renda fixa e multimercados do Bahia Asset Management

“Decisão foi unânime, em uma sinalização positiva, que no mínimo mostra sensibilidade às expectativas”, disse. E completou: “Os ativos devem mostrar uma redução nos prêmios. Inflação implícita deve cair um pouco, juros acomodarem para baixo e o real se fortalecer”.

Gustavo Okuyama, gestor de renda fixa da Porto Asset

“Achei que o comunicado foi acertado e desenhado para acalmar o mercado”, avaliou Okuyama, da Porto Asset.

“A apresentação do cenário alternativo com juros constantes mostra que, mesmo na situação atual, os juros de 10,50% são suficientes para chegar muito próximo à meta. A projeção de inflação em 3,40% me parece ser para evitar uma reação mais forte do mercado, desenhada para tirar altas da curva.”

“O mercado deveria reagir positivamente, real aliviando e levando o DI a tirar prêmio de risco. Espero um ‘bull flattening’ na curva de juros, com os vencimentos mais longos caindo mais do que os curtos”, completa.

Daniel Cunha, estrategista-chefe da BGC Liquidez

“Ao apresentar um cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante com as projeções caindo para 3,1% em 2025, demonstra de maneira hábil e sucinta que este se trata do novo cenário base, ajudando a amainar pressões por altas de juros no curto prazo”, avaliou.

Denis Ferrari, gestor de renda fixa da Kinea Investimentos

“O BC manteve o balanço de risco simétrico e o cenário alternativo mostrando que a inflação está muito perto da meta. Quem esperava um comunicado mais hawkish, de que o BC estava aberto para subir rápido, acho que errou”, disse.

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