Bloomberg Línea — Foi como “tirar um coelho da cartola”. Foi assim que David Beker, chefe de economia do Bank of America para o Brasil, definiu a última decisão de política monetária brasileira no ano.
A opção de elevar a taxa Selic em 1 ponto percentual (p.p.) veio com a sinalização de duas altas de igual magnitude para as próximas reuniões do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom).
”Achei excelente. O Copom agradou tanto àqueles que estavam pedindo um corte maior quanto aos que não achavam que precisava [da elevação de 1p.p.]”, afirmou em encontro com jornalistas nesta quinta-feira (12) em São Paulo.
O ponto alto, segundo ele, foi o guidance para as próximas reuniões, que trouxe maior previsibilidade ao mercado.
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Para o chefe de economia do BofA para o país, é possível que a postura do Copom ajude a ancorar as expectativas do mercado para a inflação e abra caminho, dessa forma, para a retomada do fluxo de investimento para o Brasil. Mas com um contraponto: o exterior.
”A decisão do BC ajuda a reancorar as expectativas [de inflação] e isso pode, eventualmente, trazer um fluxo [de investimento para o Brasil]. Mas esse fluxo depende muito do cenário global”, disse Beker.
E, na análise da conjuntura global, o Brasil sai perdendo – junto com os pares emergentes. O principal ponto de atenção é a eleição do republicano Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, que promete turbinar o viés protecionista da maior economia do mundo.
Suas políticas devem aumentar a inflação nos EUA, fortalecendo o dólar e mantendo as taxas de juros americanas mais altas que o esperado.
A estimativa do BofA é a de que a taxa caia do intervalo atual de 4,50% e 4,75% para a faixa dos 4% ao ano até o final de 2025 – bem acima das mínimas na faixa de zero a 0,25% há dois anos.
Outro ponto observado pelo mercado é o desempenho da economia chinesa, que tem ficado aquém do esperado.
“Há dois anos esperávamos um crescimento acima de 5%. Hoje estamos bem menos construtivos quanto à China, esperando menos de 4,5% [de expansão da economia]”, apontou Beker.
A avaliação do Bank of America é que a conjuntura global desfavorável deixa os investidores mais cautelosos e eleva os padrões exigidos para investir nos mercados emergentes.
“A barra subiu, e não dá mais para ignorar problemas domésticos.”
No Brasil, os holofotes estão no pacote de corte de gastos apresentado pelo governo no fim de novembro, que deve entrar em votação no Congresso entre o fim deste ano e o início de 2025.
O governo prometeu um ajuste de R$ 70 bilhões. Na avaliação do BofA, o número não será suficiente para equilibrar as contas públicas.
Enquanto o país busca uma saída para o quadro fiscal, Beker ressaltou que o comunicado do Copom traz um efeito prático na transição de poder do Banco Central, programada para a virada do ano.
Como o guidance divulgado já traz as bases para as próximas duas decisões, a troca de comando pode ser mais fluida.
“É algo que minimiza o ruído da transição”, disse.
A decisão de ontem foi a última tomada com Roberto Campos Neto à frente do BC. No próximo ano, Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e atualmente diretor de Política Monetária, assume a presidência.
O que o BofA está olhando
Para o Bank of America, os Estados Unidos são o grande ponto de atenção para os mercados em 2025.
“O protecionismo ajuda a economia americana. Estamos bem otimistas com EUA e menos otimistas com o resto do mundo.”
Entre os emergentes, os países latino-americanos estão entre os mais prejudicados pelo cenário global. A exceção é a Argentina, que tem chamado a atenção de alguns investidores estrangeiros pela proximidade do presidente Javier Milei com Trump.
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Beker avaliou que os laços entre os governantes podem ajudar a Argentina a conseguir financiamento junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para estabilizar sua economia. A perspectiva se soma, ainda, à agenda de reformas do argentino.
“Milei quer desregular, tirar burocracia e [diminuir a] influência do Estado. Não sei como isso vai ficar em termos práticos, mas tudo caminha na direção de tirar o peso do Estado na economia. E isso, sem dúvida, é algo bem visto pelo mercado”, afirmou.
Beker lembrou que a Argentina vem de um patamar muito deprimido para os preços de seus ativos e que continua sendo um mercado de alta incerteza. Ainda assim, o BofA está otimista.
”Estamos mantendo uma visão construtiva em relação à Argentina em todos os ativos. Não é todo investidor que participa desse mercado, mas é uma discussão de queda de risco.”
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