Bloomberg Línea — A percepção não é exatamente nova. Mas tem ficado cada vez mais evidente. A diferença no sentimento de confiança sobre a economia brasileira e suas perspectivas de médio prazo parece cada vez maior entre líderes de negócios, de um lado, e gestores e investidores do mercado financeiro do outro.
Quatro líderes de alguns dos maiores bancos do país - Milton Maluhy Filho, CEO do Itaú Unibanco (ITUB4), André Esteves, presidente do conselho do BTG Pactual (BPAC11), José Olympio Pereira, CEO do J. Safra, e David Vélez, CEO do Nubank (NU) -, com presença na economia real, apresentaram visões construtivas sobre a evolução e as perspectivas de seus negócios, ainda que tenham apontado desafios estruturais e riscos relevantes, durante o Bloomberg New Economy at B20, nesta quarta-feira (23) em São Paulo.
Tais desafios são colocados em um cenário global de mudanças climáticas, incertezas geopolíticas e tensões comerciais entre Estados Unidos e China, com riscos de escalada do protecionismo.
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Por outro lado, destacaram oportunidades com a transição energética como tema de atração de investimento global, ganhos de produtividade com a transformação digital e a Inteligência Artificial (IA), a inclusão financeira da população e os impactos esperados com as últimas reformas realizadas no país.
Essa diferença de sentimento foi notada também nos bastidores do evento, com executivos de empresas de diferentes setores e economistas que falaram à Bloomberg Línea sob condição de não terem seus nomes revelados, pois não são autorizados a expressar tais avaliações publicamente.
“Não tem como ignorar as oportunidades de uma economia do tamanho do Brasil”, disse o executivo de uma empresa global que está entre as líderes do seu setor e tem presença relevante no país.
O CEO do Itaú destacou, por exemplo, os avanços registrados nos últimos anos pelo maior grupo financeiro do país com os investimentos em tecnologia, o que permitiu a migração de sistemas e operações para a nuvem e uma maior presença digital do banco, que acompanha as novas necessidades dos clientes.
“Hoje podemos concorrer com qualquer empresa digital. Temos 70% dos sistemas ligados na nuvem. Estamos satisfeitos com a decisão de investimento em transformação digital tomada há seis anos”, afirmou Maluhy, que disse ainda que o banco testa atualmente ferramentas de IA em todos os setores.
Com o ganho de eficiência e agilidade, o Itaú tem condições de explorar oportunidades que vão além de sua própria base de clientes, em linha com a transformação dos hábitos do setor bancário, destacou.
Vélez, CEO do Nubank, destacou a evolução do banco digital no mercado brasileiro e ressaltou a importância da educação financeira na América Latina para o aumento da bancarização da população de menor renda nos países em que atua (Brasil, México e Colômbia).
Questionado sobre uma possível entrada no mercado americano, Vélez disse que as oportunidades nos mercados em que o banco já está presente são tamanhas, incluindo no Brasil em áreas como concessão de crédito, que essa decisão não faz muito sentido no momento atual do banco digital.
Ele também reafirmou a possibilidade do banco de abrir uma operação na Argentina futuramente, a depender do impacto duradouro das medidas tomadas pelo governo de Javier Milei.
“É impossível ignorar o que o Milei está fazendo. Ainda é cedo para tomar uma decisão, vamos ver o que vai acontecer em 12, 24 meses. Definitivamente, estamos curiosos com o que está acontecendo lá”, afirmou.
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Olympio Pereira, CEO do Banco J. Safra, ressaltou o papel de protagonismo do Brasil no processo de transição energética, ao relatar grandes investimentos na geração de energia eólica e solar, além dos planos em execução para que o país se torne uma referência em etanol e hidrogênio verde.
“O Brasil pode liderar a transição energética” no mundo, defendeu. Ele disse que existem muitas oportunidades na área de infraestrutura, o que torna o país atraente para investidores de longo prazo.
Um dos banqueiros mais experientes do país, ele elencou também desafios para a melhoria de infraestrutura e para mitigar as preocupações dos investidores com a situação fiscal.
Há um “pessimismo generalizado” no Brasil em relação às preocupações com a situação fiscal, disse.
“Estamos atrasados em fornecer tratamento de esgoto para a maior parte da população”, afirmou Pereira sobre o que é ao mesmo tempo outra deficiência do país mas também uma oportunidade em saneamento.
Por sua vez, o presidente do conselho do BTG Pactual projetou que o PIB brasileiro deverá crescer mais de 3% (3,1% ou 3,2%) em 2024 e que o Banco Central deve continuar a tomar decisões técnicas após a saída de Roberto Campos Neto no fim deste ano, com sua substituição por Gabriel Galípolo.
Ao comentar as perspectivas relacionadas à transição energética, Esteves considerou que o Brasil pode se tornar um hub global para data center, com atração de investimento estrangeiro.
O banqueiro destacou avanços recentes da economia brasileira, como a criação do Pix, que acelerou a inclusão de milhões de brasileiros no sistema financeiro, a regulação que permitiu a entrada de fintechs e bancos digitais, além de reformas estruturais, como a previdenciária, a trabalhista e tributária.
“Também houve leilões de privatização, como da Sabesp, da Copel e da Eletrobras, que foram bem recebidos pela sociedade”, observou Esteves, que lidera ao lado do CEO, Roberto Sallouti, a estratégia do maior banco de investimento da América Latina, com atuação diversa no mercado de capitais.
Esteves também defendeu a posição de neutralidade do Brasil frente a conflitos comerciais entre EUA e China, com a visão de que o país deve manter um diálogo com parceiros da União Europeia ao Oriente Médio, a fim de ampliar a presença de seus produtos em diferentes geografias do mundo.
Foi a estratégia defendida também pelo acionista controlador e membro do conselho de administração da JBS, Wesley Batista, cuja empresa - a maior do mundo em proteína animal - tem presença nos dois mercados das maiores economias do mundo.
- Com informações da Bloomberg News.
- O Bloomberg New Economy at B20 é organizado pelo Bloomberg Media Group, uma divisão da Bloomberg LP, a empresa controladora da Bloomberg News.
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