Copom interrompe cortes e mantém Selic em 10,50% ao ano em decisão unânime

Todos os diretores, incluindo Campos Neto e os indicados por Lula, votaram pela decisão de manter a taxa de juros; movimento era esperado após a piora das expectativas para a inflação

Movimento marca uma pausa no ciclo de cortes de juros iniciado em agosto passado
19 de Junho, 2024 | 06:41 PM

Bloomberg Línea — O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, decidiu nesta quarta-feira (19) pela manutenção da taxa Selic em 10,50% ao ano. O movimento, que marca uma pausa no ciclo de cortes de juros iniciado em agosto passado, vem em um contexto de piora nas projeções para a inflação e de maior cautela fiscal.

A decisão foi unânime. Todos os diretores, incluindo o presidente Roberto Campos Neto - alvo de críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva -, e os demais diretores indicados pelo presidente da República, como Gabriel Galípolo, votaram por manter a taxa Selic em 10,50%.

A decisão contrasta com a divergência ocorrida na reunião anterior do Copom, em maio, quando quatro diretores indicados por Lula (de um total de nove), votaram por uma redução da Selic de 0,50 ponto percentual, enquanto outros cinco optaram por um corte de 0,25 ponto.

A divisão causou apreensão no mercado e levantou dúvidas sobre o compromisso do BC com o combate à inflação, uma vez que Lula deve indicar um substituto para Campos Neto, que encerra seu mandato no fim do ano.

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Com a votação unânime, o Copom afasta receios de analistas e investidores de que uma outra divisão pudesse elevar ainda mais as preocupações.

A manutenção da Selic era esperada por grande parte do mercado financeiro. Analistas preveem o fim do ciclo de cortes de juros pelo menos até o fim de 2024 diante do aumento das expectativas de inflação e dos temores sobre a situação das contas públicas.

No comunicado desta quarta, o Copom afirmou que optou “unanimemente” por interromper o ciclo de corte de juros e que a política monetária deve se manter contracionista para consolidar a desinflação e a ancoragem das expectativas em torno da meta.

O Copom também afirmou que “monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros.”

“O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”, diz o texto.

Em maio, o Copom já havia reduzido o ritmo de cortes da Selic para 0,25 ponto percentual, citando um pano de fundo mais adverso, e retirou do comunicado a menção (forward guidance) aos próximos movimentos sobre a taxa de juros. Desde que começou a cortar juros, o BC já reduziu 3,25 pontos percentuais do nível de 13,75% alcançado em agosto de 2022.

Na decisão desta quarta, o Copom mais uma vez optou por não se comprometer com os próximos passos da política monetária e afirma que se manterá vigilante e que as próximas decisões deve se basear no “firme compromisso de convergência da inflação à meta”.

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O Banco Central também revisou o cenário para a inflação no país, o que tende a ditar a política monetária. As projeções para 2024 subiram de 3,8% para 4,0% em relação ao comunicado anterior, de maio. Já as estimativas do Copom para 2025 foram revisadas de 3,3% para 3,4%.

O comunicado do Copom manteve a visão de que o ambiente externo permanece adverso, com a incerteza sobre a política monetária dos EUA e a inflação global, o que exige cautela de países emergentes.

Já em relação à atividade econômica no Brasil, o Copom ressalta que os indicadores têm apresentado um dinamismo ainda maior do que o esperado. A inflação ao consumidor tem desacelerado, mas o Copom ressalta que a inflação subjacente está ainda acima da meta.

Rumo dos juros

Economistas do mercado financeiro vão aguardar agora a ata da reunião em busca de pistas sobre os próximos passos do Banco Central.

As preocupações dos investidores em relação às perspectivas fiscais estão aumentando à medida que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enfrenta obstáculos em sua tentativa de reforçar as contas públicas.

Mais recentemente, o Congresso rejeitou um projeto de lei que teria aumentado as receitas tão necessárias. Haddad respondeu inicialmente dizendo que não há um “plano B”, embora mais tarde tenha indicado que a equipe econômica revisará todos os gastos do governo.

O relatório Focus, do BC, aponta para Selic de 10,50% em dezembro, com os juros recuando para 9,50% ao fim de 2025. Para a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), as projeções subiram esta semana de 3,90% para 3,96%.

Pesquisa do Bank of America com gestores da América Latina, por sua vez, aponta para uma taxa Selic “terminal” entre 10,00% e 10,50% ao ano, com expectativa de pausa no ciclo de flexibilização este ano e cortes futuros que dependerão do rumo do Federal Reserve, nos Estados Unidos.

Antes da decisão, analistas consultados pela Bloomberg News previam uma pausa a partir de agora, com a maioria precificando aumentos nas taxas no final do ano.

Confira o comunicado na íntegra do Copom:

O ambiente externo mantém-se adverso, em função da incerteza elevada e persistente sobre a flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e quanto à velocidade com que se observará a queda da inflação de forma sustentada em diversos países. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário segue exigindo cautela por parte de países emergentes.

Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho segue apresentando dinamismo maior do que o esperado. A inflação cheia ao consumidor tem apresentado trajetória de desinflação, enquanto medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.

As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,0% e 3,8%, respectivamente.

As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* situam-se em 4,0% em 2024 e 3,4% em 2025. As projeções para a inflação de preços administrados são de 4,4% em 2024 e 4,0% em 2025. Em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante, as projeções de inflação situam-se em 4,0% para 2024 e 3,1% para 2025.

O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; e (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado. O Comitê avalia que as conjunturas doméstica e internacional seguem mais incertas, exigindo maior cautela na condução da política monetária.

O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.

Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 10,50% a.a. e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2025. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.

A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária.

O Comitê, unanimemente, optou por interromper o ciclo de queda de juros, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê se manterá vigilante e relembra, como usual, que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Ailton de Aquino Santos, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Gabriel Muricca Galípolo, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Picchetti, Renato Dias de Brito Gomes e Rodrigo Alves Teixeira.

* No cenário de referência, a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de R$5,30/US$, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC). O preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passa a aumentar 2% ao ano posteriormente. Além disso, adota-se a hipótese de bandeira tarifária “verde” em dezembro de 2024 e de 2025. O valor para o câmbio foi obtido pelo procedimento, que passou a ser adotado na 258ª reunião, de arredondar a cotação média da taxa de câmbio observada nos dez dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.

-- Com informações da Bloomberg News. Atualizada para incluir mais detalhes do comunicado.

Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.

Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.