Copom mantém Selic em 10,5% ao ano pela segunda reunião e sinaliza cautela

Decisão de política monetária foi acompanhada de perto por investidores e analistas diante de piora nas projeções para a inflação e após o Fed apontar possível corte em setembro

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Bloomberg Línea — O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, decidiu nesta quarta-feira (31) pela manutenção da taxa Selic em 10,50% ao ano. O movimento, o segundo consecutivo, vem em um contexto de valorização do dólar e incertezas fiscais, que têm pressionado as expectativas sobre a inflação. A decisão foi unânime.

A manutenção da Selic era amplamente esperada por economistas do mercado financeiro, que consideravam ainda a possibilidade de alteração do balanço de riscos.

No encontro anterior, o BC não fez em seu comunicado nenhuma sinalização sobre movimentos futuros.

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No comunicado desta quarta, o Copom manteve que a taxa de juros deve se manter em patamar restritivo até que as expectativas de inflação indiquem uma convergência para a meta, que é de 3%.

“O Comitê, unanimemente, optou por manter a taxa de juros inalterada, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam acompanhamento diligente e ainda maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno da meta”, diz o comunicado do Copom.

O comitê do Banco Central também disse que “monitora com atenção” os acontecimentos recentes sobre a política fiscal que afetam a política monetária e os ativos financeiros.

Nos últimos meses, o dólar tem se mantido em patamar elevado e as ações têm sido afetadas pelas preocupações de investidores com o equilíbrio das contas públicas.

“O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”, diz o texto do Copom.

O Copom também atualizou o cenário para a inflação considerando o horizonte relevante de seis trimestres à frente, o que inclui o período até o primeiro trimestre de 2026. O comunicado indica que as projeções do Copom para a inflação para o período é de 3,4% no cenário de referência e de 3,2% no cenário alternativo com a Selic inalterada.

Inflação e câmbio

Economistas do mercado financeiro vão aguardar agora a ata da reunião em busca de pistas sobre os próximos passos do Banco Central.

Um dólar mais forte e incertezas fiscais têm contribuído para um aumento nas projeções para a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

No relatório Focus, do BC, desta semana, as estimativas para o IPCA em 2024 subiram de 4,05% para 4,10%, enquanto as para 2025 foram elevadas de 3,90% para 3,96%.

Para o câmbio, economistas consultados pela autoridade monetária agora veem dólar a R$ 5,30 em dezembro e a R$ 5,25 ao fim de 2025. Na última reunião do Copom, por exemplo, as projeções eram de R$ 5,13 e R$ 5,10, respectivamente.

O dólar já subiu mais de 15% no período contra o real, o que amplia os riscos de repasse do câmbio para os preços e piora as expectativas de inflação.

Neste contexto, o mercado já precifica a retomada do aperto monetário em setembro, com uma alta acumulada projetada de 1 ponto percentual até o fim do ano.

Mais cedo nesta quarta, o Federal Reserve manteve os juros nos EUA no intervalo de 5,25% a 5,5% ao ano – o maior patamar em duas décadas. O BC americano, contudo, apontou que tem havido “algum progresso” na inflação, o que é visto como um primeiro sinal de que a autoridade monetária está mais próxima de cortar os juros.

O texto marcou uma mudança em relação à reunião de junho, quando as autoridades classificaram o progresso da inflação como “modesto”

Confira o comunicado na íntegra do Copom:

O ambiente externo mantém-se adverso, em função da incerteza sobre os impactos e a extensão da flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e sobre as dinâmicas de atividade e de inflação em diversos países. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário externo, também marcado por menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, segue exigindo cautela por parte de países emergentes.

Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho segue apresentando dinamismo maior do que o esperado. A desinflação medida pelo IPCA cheio tem arrefecido, enquanto medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.

As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,1% e 4,0%, respectivamente.

As projeções de inflação do Copom para o primeiro trimestre de 2026* situam-se em 3,4% no cenário de referência e 3,2% em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante.**

O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado; (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado; e (iii) uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado. O Comitê avalia que as conjunturas doméstica e internacional exigem ainda maior cautela na condução da política monetária. Em particular, os impactos inflacionários decorrentes dos movimentos das variáveis de mercado e das expectativas de inflação, caso esses se mostrem persistentes, corroboram a necessidade de maior vigilância.

O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal, junto com outros fatores, tem impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.

Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 10,50% a.a. e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.

A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária.

O Comitê, unanimemente, optou por manter a taxa de juros inalterada, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam acompanhamento diligente e ainda maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno da meta. O Comitê se manterá vigilante e relembra que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Ailton de Aquino Santos, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Gabriel Muricca Galípolo, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Picchetti, Renato Dias de Brito Gomes e Rodrigo Alves Teixeira.

* A comunicação da projeção para seis trimestres à frente, correspondendo ao primeiro trimestre de 2026, atual horizonte relevante de política monetária, está em consonância com a nova sistemática de meta para a inflação estabelecida pelo Decreto 12.079/2024 com vigência a partir de 1º de janeiro de 2025.

** Em seu cenário de referência, no qual a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de R$5,55/US$, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC), as projeções de inflação do Copom para os anos-calendário situam-se em 4,2% para 2024 e 3,6% para 2025. Nesse cenário, as projeções para a inflação de preços administrados são de 5,0% em 2024 e 4,0% em 2025. No cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante, as projeções de inflação situam-se em 4,2% para 2024 e 3,4% para 2025. Em ambos os cenários, o preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passa a aumentar 2% ao ano posteriormente. Além disso, adota-se a hipótese de bandeira tarifária “verde” em dezembro de 2024 e de 2025. O valor para o câmbio foi obtido pelo procedimento usual.

-- Com informações da Bloomberg News