Copom: economistas veem comunicado ‘hawkish’ e incerteza sobre próximos passos

Em decisão dividida, BC cortou a Selic em 0,25 pp, para 10,50% ao ano; analistas do mercado financeiro chamam a atenção para impacto nos juros e no câmbio

Banco Central em Brasília
Por Barbara Nascimento - Felipe Saturnino e Josue Leonel
09 de Maio, 2024 | 08:39 AM

Bloomberg — O Banco Central diminuiu na noite de quarta-feira (8) o ritmo dos cortes da Selic para 0,25 ponto percentual e levou a taxa básica para 10,50% ao ano, conforme esperado, mas trouxe uma decisão dividida por placar apertado, de cinco votos a quatro – uma surpresa para muitos economistas e gestores.

A ala vitoriosa, capitaneada pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o diretor Diogo Guillen, se opôs aos membros do Copom indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como Gabriel Galípolo e Paulo Picchetti.

PUBLICIDADE

A divergência também abriu margem para diferentes interpretações da postura do BC pelo mercado. A maioria viu o tom geral do comunicado como hawkish (isto é, favorável a juros mais altos), o que reflete o viés da maioria dos diretores.

Leia mais: Copom reduz Selic em 0,25 ponto e diz que cenário exige política contracionista

O ponto dovish (favorável a juros mais baixos) veio justamente pela votação não-unânime, já que a partir do próximo ano os membros nomeados por Lula passarão a ser maioria, inclusive com a saída de Campos Neto.

PUBLICIDADE

Para justificar a decisão, os diretores avaliaram, dessa vez de forma unânime, que o cenário global incerto, a resiliência da atividade – com destaque para o dinamismo do mercado de trabalho maior do que o esperado – e a desancoragem das expectativas inflacionárias demandam maior cautela. O documento trouxe ainda um alerta sobre o fiscal, que pode impactar a política monetária.

O Copom não trouxe um guidance para as próximas reuniões. Segundo o comunicado, a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros “serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.

A curva de juros deve ganhar inclinação nesta quinta-feira (9), com pressão maior nos juros futuros mais longos, de forma a refletir a divisão do comitê, de acordo com analistas. Além disso, pode ocorrer uma depreciação do real.

PUBLICIDADE

Confira a seguir a repercussão da decisão do Copom no mercado financeiro:

Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa econômica do Itaú

  • Foi surpreendente a divisão do Copom com apenas um voto a mais para 0,25pp: “É pouco”;
  • Diretores novos terem votado por mais cortes “diz do perfil que o comitê vai se transformar ao longo do tempo” e traz “dúvida sobre condução à frente”;
  • Ficou a sinalização de um Copom mais propenso a corte do que se imaginava, e isso pode inclinar a curva e ter impacto no câmbio;

Cassiana Fernandez e Vinicius Moreira, economistas do JPMorgan

  • Com três dos cinco membros do Copom que votaram a favor de 0,25pp saindo no fim deste ano, a decisão dividida sugere fortemente que o Copom estaria inclinado a assumir mais riscos sobre a inflação a partir de então;
  • “Por enquanto, continuamos vendo o BC cortando mais duas vezes em 25bps, para uma taxa terminal de 10%”;

Laiz Carvalho, economista para Brasil do BNP Paribas

  • Placar de 5 a 4 para corte de 0,25pp foi a principal surpresa; pode trazer incerteza sobre 2025, já que os membros votantes a favor de 0,50pp eram indicados do governo;
  • Apesar de comunicado não deixar explícito os próximos passos, o ciclo ainda pode ter continuidade;

Guilherme Abbud, gestor da Persevera

  • Comunicado foi hawkish;
  • Mercado não deve reagir tão mal, porque essa divisão reflete uma divisão que existia no próprio mercado e é normal: entre quem está prestando atenção na inflação, que defendeu 0,50pp, e quem está prestando atenção em outros fatores de contorno;

Gustavo Okuyama, gestor de renda fixa da Porto Asset

  • Tom geral do comunicado foi hawkish, BC ficou mais data-dependent; dissidência foi o ponto dovish;
  • Abertura amanhã deve ter inclinação de curva e real deve depreciar; juros devem abrir, mas não muito, porque o ciclo na curva só embute mais dois cortes de 0,25pp;
  • “Olhando para a dissidência, faz sentido mercado exigir mais prêmio de inflação. Votação não-unânime deve aumentar preocupação no mercado sobre perfil do BC”;

Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital

  • “Picchetti votar por corte de 0,50pp é uma surpresa, a maior surpresa, aliás”;
  • “Comunicado é hawkish, porque é comunicação dos que venceram a votação”;
  • BC não tem sinalização de ritmo de corte para próxima reunião, está totalmente dependente de dados e pensando em compromisso firme com a convergência em direção à meta;
  • “Para o ciclo de 2025, aumenta a chance de o BC voltar a cortar juros”;

Frederico Catalan, gestor de juros do Opportunity

  • Saldo do comunicado é dovish; principal surpresa foi divisão do comitê na votação por 5 a 4;
  • Fica mantido o viés de seguir cortando, ainda que dependente dos dados;
  • Cenário é de mais dois cortes de 0,25pp, levando a Selic para pelo menos 10%, com viés para baixo;
  • “Amanhã curva curta deve ter um fechamento” e inclinar um pouco; real pode depreciar;

Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs

  • “Cenário doméstico ficou menos amigável para a inflação e o quadro externo se tornou mais incerto e volátil”;
  • “Os hawks tiveram argumentos macro mais fortes para reduzir o ritmo do que os doves para manter o corte em 0,50pp”;

Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter

  • Decisão trouxe um comunicado mais duro, mas não foi tão claro e faltou uma explicação mais direta sobre o que mudou no cenário;
  • Existe um risco de vermos um ajuste mais hawk na curva; mercado pode interpretar que a próxima decisão já será de manutenção;

Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena

  • “Apesar das divergências com relação ao ritmo de ajuste, interpretamos que a avaliação do Copom, neste momento, aparenta indicar uma taxa Selic terminal suficientemente restritiva”;
  • Segue com projeção de Selic de 9,75% ao final do ciclo;

Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital

  • “Dissenso realmente dá a essa decisão um caráter mais dovish, embora a parte escrita do comunicado esteja até relativamente hawkish”;
  • Tom subiu sobre cenário externo e de atividade, com destaque para o mercado de trabalho;
  • Foram mais firmes em relação ao fiscal e tiraram completamente qualquer guidance;

Igor Campos, gestor de portfólio de renda fixa Brasil da Gauss Capital

  • “Copom menos hawkish que o precificado pelo mercado”;
  • “Vis-à-vis o precificado pelo mercado, decisão foi mais dove, sobretudo por decisão dividida, e que deixou em aberto a continuidade do ciclo à frente”;

Luca Mercadante, economista da Rio Bravo

  • “As novidades do comunicado do Copom ressaltam o ambiente mais incerto no exterior e no cenário fiscal brasileiro”;
  • “A visão de que os novos diretores são mais lenientes pode gerar uma pressão para o juro longo, dando ainda mais importância para a decisão do presidente”;

-- Com a colaboração de Guilherme Bento e Maria Eloisa Capurro.

Veja mais em bloomberg.com