Bloomberg — O Banco Central diminuiu na noite de quarta-feira (8) o ritmo dos cortes da Selic para 0,25 ponto percentual e levou a taxa básica para 10,50% ao ano, conforme esperado, mas trouxe uma decisão dividida por placar apertado, de cinco votos a quatro – uma surpresa para muitos economistas e gestores.
A ala vitoriosa, capitaneada pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o diretor Diogo Guillen, se opôs aos membros do Copom indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como Gabriel Galípolo e Paulo Picchetti.
A divergência também abriu margem para diferentes interpretações da postura do BC pelo mercado. A maioria viu o tom geral do comunicado como hawkish (isto é, favorável a juros mais altos), o que reflete o viés da maioria dos diretores.
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O ponto dovish (favorável a juros mais baixos) veio justamente pela votação não-unânime, já que a partir do próximo ano os membros nomeados por Lula passarão a ser maioria, inclusive com a saída de Campos Neto.
Para justificar a decisão, os diretores avaliaram, dessa vez de forma unânime, que o cenário global incerto, a resiliência da atividade – com destaque para o dinamismo do mercado de trabalho maior do que o esperado – e a desancoragem das expectativas inflacionárias demandam maior cautela. O documento trouxe ainda um alerta sobre o fiscal, que pode impactar a política monetária.
O Copom não trouxe um guidance para as próximas reuniões. Segundo o comunicado, a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros “serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.
A curva de juros deve ganhar inclinação nesta quinta-feira (9), com pressão maior nos juros futuros mais longos, de forma a refletir a divisão do comitê, de acordo com analistas. Além disso, pode ocorrer uma depreciação do real.
Confira a seguir a repercussão da decisão do Copom no mercado financeiro:
Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa econômica do Itaú
- Foi surpreendente a divisão do Copom com apenas um voto a mais para 0,25pp: “É pouco”;
- Diretores novos terem votado por mais cortes “diz do perfil que o comitê vai se transformar ao longo do tempo” e traz “dúvida sobre condução à frente”;
- Ficou a sinalização de um Copom mais propenso a corte do que se imaginava, e isso pode inclinar a curva e ter impacto no câmbio;
Cassiana Fernandez e Vinicius Moreira, economistas do JPMorgan
- Com três dos cinco membros do Copom que votaram a favor de 0,25pp saindo no fim deste ano, a decisão dividida sugere fortemente que o Copom estaria inclinado a assumir mais riscos sobre a inflação a partir de então;
- “Por enquanto, continuamos vendo o BC cortando mais duas vezes em 25bps, para uma taxa terminal de 10%”;
Laiz Carvalho, economista para Brasil do BNP Paribas
- Placar de 5 a 4 para corte de 0,25pp foi a principal surpresa; pode trazer incerteza sobre 2025, já que os membros votantes a favor de 0,50pp eram indicados do governo;
- Apesar de comunicado não deixar explícito os próximos passos, o ciclo ainda pode ter continuidade;
Guilherme Abbud, gestor da Persevera
- Comunicado foi hawkish;
- Mercado não deve reagir tão mal, porque essa divisão reflete uma divisão que existia no próprio mercado e é normal: entre quem está prestando atenção na inflação, que defendeu 0,50pp, e quem está prestando atenção em outros fatores de contorno;
Gustavo Okuyama, gestor de renda fixa da Porto Asset
- Tom geral do comunicado foi hawkish, BC ficou mais data-dependent; dissidência foi o ponto dovish;
- Abertura amanhã deve ter inclinação de curva e real deve depreciar; juros devem abrir, mas não muito, porque o ciclo na curva só embute mais dois cortes de 0,25pp;
- “Olhando para a dissidência, faz sentido mercado exigir mais prêmio de inflação. Votação não-unânime deve aumentar preocupação no mercado sobre perfil do BC”;
Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital
- “Picchetti votar por corte de 0,50pp é uma surpresa, a maior surpresa, aliás”;
- “Comunicado é hawkish, porque é comunicação dos que venceram a votação”;
- BC não tem sinalização de ritmo de corte para próxima reunião, está totalmente dependente de dados e pensando em compromisso firme com a convergência em direção à meta;
- “Para o ciclo de 2025, aumenta a chance de o BC voltar a cortar juros”;
Frederico Catalan, gestor de juros do Opportunity
- Saldo do comunicado é dovish; principal surpresa foi divisão do comitê na votação por 5 a 4;
- Fica mantido o viés de seguir cortando, ainda que dependente dos dados;
- Cenário é de mais dois cortes de 0,25pp, levando a Selic para pelo menos 10%, com viés para baixo;
- “Amanhã curva curta deve ter um fechamento” e inclinar um pouco; real pode depreciar;
Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs
- “Cenário doméstico ficou menos amigável para a inflação e o quadro externo se tornou mais incerto e volátil”;
- “Os hawks tiveram argumentos macro mais fortes para reduzir o ritmo do que os doves para manter o corte em 0,50pp”;
Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter
- Decisão trouxe um comunicado mais duro, mas não foi tão claro e faltou uma explicação mais direta sobre o que mudou no cenário;
- Existe um risco de vermos um ajuste mais hawk na curva; mercado pode interpretar que a próxima decisão já será de manutenção;
Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena
- “Apesar das divergências com relação ao ritmo de ajuste, interpretamos que a avaliação do Copom, neste momento, aparenta indicar uma taxa Selic terminal suficientemente restritiva”;
- Segue com projeção de Selic de 9,75% ao final do ciclo;
Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital
- “Dissenso realmente dá a essa decisão um caráter mais dovish, embora a parte escrita do comunicado esteja até relativamente hawkish”;
- Tom subiu sobre cenário externo e de atividade, com destaque para o mercado de trabalho;
- Foram mais firmes em relação ao fiscal e tiraram completamente qualquer guidance;
Igor Campos, gestor de portfólio de renda fixa Brasil da Gauss Capital
- “Copom menos hawkish que o precificado pelo mercado”;
- “Vis-à-vis o precificado pelo mercado, decisão foi mais dove, sobretudo por decisão dividida, e que deixou em aberto a continuidade do ciclo à frente”;
Luca Mercadante, economista da Rio Bravo
- “As novidades do comunicado do Copom ressaltam o ambiente mais incerto no exterior e no cenário fiscal brasileiro”;
- “A visão de que os novos diretores são mais lenientes pode gerar uma pressão para o juro longo, dando ainda mais importância para a decisão do presidente”;
-- Com a colaboração de Guilherme Bento e Maria Eloisa Capurro.
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