Com nova meta, BC deveria mirar projeção do núcleo, diz economista da FGV

Em entrevista à Bloomberg Línea, Bráulio Borges diz que mudança do horizonte de perseguição da meta de inflação pressupõe desconsiderar choques imunes à política monetária

Edifício-Sede do Banco Central em Brasília: meta de inflação em 2026 definida em 3% pelo Conselho Monetário Nacional (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)
30 de Junho, 2023 | 03:24 PM

Bloomberg Línea — Co-autor de um artigo no início do ano em defesa de um aumento da meta de inflação, o economista Bráulio Borges avaliou que a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) de manter a meta em 3% para 2026 terá efeitos negativos para a atividade econômica ao longo dos próximos anos.

Em entrevista à Bloomberg Línea, Borges disse que a meta obrigará o Banco Central a manter a taxa Selic acima do chamado nível neutro por mais tempo. “A política monetária, embora cada vez menos, continuará contracionista até o fim do ano que vem. Isso faz a inflação convergir, mas tem o custo de manter a economia aquém do pleno emprego”, afirmou Borges, que é diretor da LCA Consultores e pesquisador do Ibre-FGV.

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É uma visão que contrasta com a de outros economistas - incluindo a do próprio presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto -, de que a manutenção da meta de inflação em 3% ao ano é um fator que abre caminho para a redução das expectativas de inflação dos próximos anos e, por tabela, para o corte de juros por parte do BC, o que resulta em mais benefícios econômicos no longo prazo.

Dada a decisão de manter a meta em 3%, mas de forma contínua, sem se ater ao ano-calendário, o BC deveria calibrar a política monetária com base em projeções para os núcleos de inflação.

“A meta de inflação contínua pressupõe tirar o peso de eventos de médio e curto prazo, gerados por choques. Assim [o BC] começaria a justificar suas decisões com base não só nos núcleos correntes, mas nos projetados”, defendeu Borges. “É o núcleo que é sensível à política monetária. Existem vários choques que a política monetária não tem poder nenhum de mitigar.”

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Leia a seguir a entrevista, editada para fins de clareza:

Bloomberg Línea: Um dos argumentos que o senhor e Ricardo Barboza apresentaram no início do ano em artigo em defesa de um aumento da meta de inflação era a de que o alvo de 3% mantinha o PIB abaixo do potencial devido aos juros reais altos. Esse argumento continua válido?

Bráulio Borges: O argumento ainda é totalmente válido, basta olharmos para o Relatório Trimestral de Inflação do próprio BC divulgado nesta semana. Ele mostra que, para levar a inflação para perto da meta de 3% no ano que vem, o chamado hiato do produto, que é a diferença do PIB para o PIB potencial, precisa-se manter no negativo até pelo menos o final de 2024.

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O hiato do produto está há 30 trimestres em terreno negativo, com a economia operando abaixo do potencial, segundo estimativas do próprio Banco Central, abaixo do pleno emprego. Isso vai persistir pelo menos até o final do ano que vem para que a inflação consiga ficar um pouco acima dos 3%.

Mesmo com um provável corte da Selic?

A Selic está precificada para o fim deste ano em 12,25% [ao ano] e para 9% no fim de 2024. O juro neutro real do Brasil hoje, descontada a inflação, é de 4,5%. Se nós somamos uma inflação de 4% das expectativas com esse juro neutro real, o valor nominal seria de 9% ao ano.

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Só que o mercado projeta que vamos estar no final do ano que vem com a Selic em 9,5%. A política monetária, embora cada vez menos, continuará contracionista até o fim do ano que vem. Isso faz a inflação convergir, mas tem o custo de manter a economia aquém do pleno emprego.

Economista defende discussão sobre nível ótimo de inflação no Brasil

A decisão de manter a meta em 3% em 2026, mas mudar o período de avaliação de ano-calendário para uma meta contínua, atenua os custos que vocês apontam?

Acho que sim. O BC na prática já tem um horizonte relevante de 18 meses. Então o ano-calendário não é seguido a ferro e fogo. Só que o ano-calendário ainda trazia a obrigação de o BC escrever a carta se descumprisse a meta. Tinha um dano reputacional. É um pequeno ganho. A grande questão é que mantiveram os 3% de meta.

O senhor segue crítico da meta em 3%?

Não tem um comunicado dizendo qual foi a decisão técnica, o que justificou manter os 3%. Eu fiquei sabendo, por exemplo, que na decisão sobre 2023, em 2021, houve um material que foi levado para justificar a redução da meta de 3,50% para 3,25%.

Eu tentei obter esse material via Lei de Acesso à Informação. Na primeira resposta disseram que não existia. Na segunda, que tinha sigilo de cinco anos. Tem pouca transparência na construção da meta. É muito arbitrária e não leva em consideração algumas condições que têm mudado no mundo.

Por exemplo?

As mudanças climáticas. Tem um trabalho recente do Banco Central Europeu, com um argumento novo, que afirma que mudanças climáticas, aquecimento global, eventos extremos de seca e tempestades tendem a gerar uma pressão de inflação mundial.

Esse é um aspecto que, pelo menos, deveria ser discutido em uma reunião de metas de inflação. Mas nós não sabemos se é discutido ou não.

O aumento da meta poderia evitar um efeito negativo no PIB?

Alguns analistas avaliam que a transição de uma meta de 4,5% para 3% não gera nenhum custo para a economia se o BC tiver credibilidade. Seria algo que poderia acontecer automaticamente, via expectativas. Mas na prática não é assim. O próprio modelo do BC mostra que existe um custo de transição.

Você pode discutir se é pequeno, relevante etc. Mas existe um custo de menor atividade econômica para transitar na inflação. Mas essa é uma discussão conjuntural. Existe a discussão estrutural, que é no seguinte sentido: qual é a meta estrutural, qual é a meta de inflação ótima?

Vocês usaram no artigo o exemplo da União Europeia, em que trabalhos sugerem uma inflação ideal em torno de 3,8% devido ao mercado de trabalho rígido (salários pouco flexíveis), para o Brasil seguir.

Esse argumento é de um paper de Mirko Abbritti, Agostino Consolo e Sebastian Weber. Eles apontam que existe uma não linearidade na relação entre bem-estar e inflação, de que inflação muito alta de fato piora o bem-estar da sociedade, mas que inflação muito baixa também gera perda de bem-estar porque o banco central não consegue garantir a economia operando no pleno emprego na maior parte do tempo.

Eles chegam à conclusão de um nível ótimo de inflação - que não é zero - é entre 3,5% e 4% na Europa. E a economia europeia é uma economia que tem um grau de rigidez do mercado de trabalho parecido com o brasileiro.

Como isso se aplica no caso do Brasil?

Trazendo essa discussão de inflação ótima para o caso específico brasileiro, nós trabalhamos ao lado do professor Aloízio Araújo, que considera como determinante a situação de fragilidade fiscal. Países com dívida bruta em torno de 70% [do PIB] têm inflação ótima de 4%.

A fragilidade fiscal demanda que o país tenha inflação um pouco mais alta. Uma maneira de fazer ajuste fiscal é controlando a despesa. Você pode cortar despesa cortando rubrica do orçamento ou corrigindo-a abaixo da inflação. Quanto mais alta a meta de inflação, mais fácil esse ganho de ajuste subcorrigindo as despesas.

O problema é que essa pesquisa tem sido ignorada na definição da meta pelo CMN.

Como avalia o argumento de outros economistas de que outros países emergentes e latino-americanos têm metas de 3% ou menos?

Chile, México e Colômbia têm meta de 3% há bastante tempo. Seria um bom motivo para justificar a meta de 3% aqui no Brasil, mas o que mostramos é que as realidades do cumprimento dessas metas são muito diferentes.

A situação fiscal desses países é melhor. E vemos também que no México e na Colômbia a inflação fica cima da meta, tendo esses 3% mais como um piso, não como centro. Desses três, só o Chile cumpre.

A banda de cumprimento de 1,5 ponto para cima ou para baixo poderia ser uma maneira de compensar esses pontos da meta de 3%?

Poderia, mas certamente como a meta é de 3% isso geraria problema de credibilidade para o Banco Central. Se mirar no topo do intervalo, gera um dano de credibilidade. E aí isso se refletitiria em juro mais alto, depreciação cambial... O ideal seria ter uma discussão mais cuidadosa sobre o nível ótimo de inflação para o Brasil.

O que esperar daqui para frente depois dessa decisão do CMN?

Estou bastante curioso para ver na semana que vem o comportamento das expectativas de inflação para 2025, 2026 e 2027 na Pesquisa Focus. Porque essas expectativas saltaram para 4% no começo deste ano depois que essa discussão da meta surgiu. E hoje elas estão em torno de 3,70%, 3,80%. A precificação do mercado era a de que a meta seria aumentada.

Se elas caírem para perto de 3%, vai retirar um dos argumentos que o Banco Central usa hoje para manter os juros, que é a questão da desancoragem [das expectativas].

Isso pode levar o BC não só a cortar a Selic em agosto mas cortar mais rapidemente do que projeta no restante deste ano. São só mais quatro reuniões do Copom. Cortar de 25 em 25 pontos-base (0,25 ponto porcentual) parece um pouco modesto.

Agora, já que temos uma meta de 3%, espero que o Banco Central comece a fazer o que outras economias que têm metas baixas fazem, que é calibrar a política monetária com base em projeções para os núcleos de inflação. O BC continua a ser um dos poucos que usa os núcleos para fazer análise da inflação corrente, mas não publica as projeções futuras. Apenas as cheias.

Por que isso é importante?

Principalmente porque agora o modelo é de meta contínua. A meta de inflação contínua pressupõe tirar o peso de eventos de médio e curto prazo, gerados por choques. Assim começaria a justificar suas decisões com base não só nos núcleos correntes, mas nos projetados.

Isso é diferente de dizer que a meta é o núcleo. É o núcleo que é sensível à política monetária. Existem vários choques que a política monetária não tem poder nenhum de mitigar. Choque de oferta, mudança cambial, mudança tributária...

Assumindo os argumentos do senhor como verdadeiros, o Brasil deveria então discutir como sociedade o caminho para reduzir a inflação ótima dos atuais 4%?

Faz sentido, mas tem um sequenciamento. Se não tiver, na prática você vai penalizar a atividade para entregar a meta. Encaminhando melhor a questão fiscal, daí sim poderíamos discutir uma meta mais baixa. Flexibilização no mercado de trabalho também. Não dá para colocar a carroça na frente dos bois.

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Victor Sena

Editor assistente na Bloomberg Línea. Formado em Jornalismo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Especializado em cobertura de economia.