Bloomberg — A política monetária, como costumava dizer o ex-presidente do Federal Reserve Ben Bernanke, é “98% de conversa e 2% de ação”. Mas, dentro do Banco Central do Brasil, alguns temem que seu mais novo diretor fale demais.
Gabriel Galípolo e Ailton Aquino, escolhidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para preencher os cargos vagos na diretoria do banco, participam nesta semana de sua primeira reunião para a decisão sobre a taxa de juros. O mercado prevê que as autoridades vão começar a cortar a Selic de seu patamar máximo nos últimos seis anos, de 13,75% ao ano.
A abordagem de Galípolo ao cargo atraiu atenção especial devido ao seu status de potencial sucessor do presidente do banco, Roberto Campos Neto, e aliado próximo do presidente da República de esquerda, que passou os últimos sete meses criticando o banco por manter as taxas de juros.
Em menos de um mês em seu novo cargo, Galípolo gerou debate entre seus novos colegas sobre como os diretores devem se comunicar de forma livre e independente com os mercados e o público, de acordo com duas pessoas familiarizadas com a situação que pediram anonimato ao falar sobre assuntos internos com a Bloomberg News.
Sob Campos Neto, os diretores do banco tendem a projetar uma frente unida em entrevistas públicas, mesmo quando discordam, seguindo de perto a linguagem de seus comunicados oficiais.
Alguns membros do Comitê de Política Monetária, preocupados com a possibilidade de Galípolo discordar abertamente das decisões do banco se for adotada uma abordagem menos agressiva do que ele prefere, agora pressionam por uma política que exigiria que os diretores enviassem pedidos de entrevista ao gabinete de Campos Neto para aprovação, informou uma das duas fontes.
O Banco Central recusou um pedido de entrevista para Galípolo, dizendo que ele não estaria disponível até a conclusão da reunião do Copom desta semana. Um porta-voz negou que quaisquer mudanças importantes em suas políticas de mídia ou entrevistas estejam sendo consideradas.
“Cabe a cada membro da diretoria decidir sobre a oportunidade, a conveniência e a oportunidade das entrevistas, sem qualquer autorização ou aprovação prévia do presidente”, disse o porta-voz.
Mas as preocupações refletem a natureza delicada de um ciclo de flexibilização iminente que se desenrolará em meio a um intenso escrutínio político e a importância das comunicações oficiais que fornecem orientações claras sobre até que ponto e com que rapidez os formuladores de política monetária pretendem avançar.
Sinais díspares e declarações difíceis de decifrar que dificultam a previsão dos próximos passos podem resultar em volatilidade do mercado que desequilibra as curvas de taxas e as expectativas de inflação, moldando potencialmente o curso futuro da política.
Evitar esse cenário pode ser ainda mais vital em países como o Brasil, onde a autoridade monetária funciona há bastante tempo de forma independente, mas ainda consolida a credibilidade da autonomia oficial conquistada há apenas dois anos, e que Lula por vezes questionou.
“O desafio para qualquer banco central que opere com autonomia e meta de inflação é explicar seu plano de fuga com a maior transparência possível, mas causando a menor volatilidade para os mercados”, disse Felipe Sichel, economista sênior da Porto Asset em São Paulo . “É um equilíbrio complicado, mesmo para bancos centrais com uma longa história de autonomia, como o Banco Central Europeu.”
Mudança na estratégia
A nova autonomia do Banco Central e as críticas de Lula aos juros altos já levaram a mudanças iniciais em sua estratégia de comunicação. Os diretores começaram a conceder mais entrevistas e, no mês passado, o banco começou a hospedar discussões ao vivo no YouTube em um esforço para explicar os aspectos técnicos de suas declarações em termos leigos.
“Estamos muito na mídia e na agenda pública, e cada pequena coisa é amplificada”, disse Campos Neto durante uma entrevista coletiva recente.
Isso levou o Brasil na direção de alguns pares regionais e outras autoridades monetárias mais estabelecidas.
É comum que os diretores do Federal Reserve conduzam entrevistas e apareçam na TV, e os diretores do Banco Central Europeu discordam abertamente de suas decisões. Os membros do conselho do banco central do México frequentemente compartilham opiniões divergentes sobre como deve domar a inflação, e pelo menos um de seus governadores – Jonathan Heath – é ativo nas mídias sociais.
Embora Heath tenha enfrentado críticas de analistas que o consideram excessivamente explícito sobre seus votos futuros, ele pressionou o banco a adotar políticas de comunicação mais transparentes que sejam mais fáceis de entender pelo público em geral.
Como Heath, Galípolo é uma figura incomumente pública para um banqueiro central: quando foi número 2 no Ministério da Fazenda de Lula, ele desempenhou um papel na linha de frente na formulação e na “venda” da agenda econômica do novo governo e, após sua nomeação em maio para o cargo no Banco Central, embarcou em uma campanha de mídia que durou vários dias.
A autoridade monetária brasileira ainda está consciente dos riscos que uma abordagem de comunicação mais frouxa pode representar.
Em 2015, o então diretor Tony Volpon disse em um discurso que continuaria a favorecer o aumento das taxas até que a inflação estivesse sob controle, comentários que geraram reação dos legisladores que os interpretaram como uma indicação de seu voto em uma próxima reunião. Volpon ficou de fora da decisão como resultado.
O ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn adotou uma política mais rígida ao assumir o cargo em 2016. Ele revisou pessoalmente as consultas da imprensa, de acordo com duas pessoas familiarizadas com sua gestão, acreditando que uma voz centralizada e comum era importante para a credibilidade do banco.
Ainda assim, o Brasil provavelmente segue um novo caminho. Campos Neto disse recentemente que os membros do conselho têm debatido a realização de coletivas de imprensa após as decisões sobre as taxas, uma prática comum entre os bancos centrais de países desenvolvidos. O porta-voz do banco disse que os diretores ainda estudam a possibilidade, mas ainda não tomaram uma decisão.
Um comunicado divulgado pelo banco no final de julho, entretanto, disse que sua estratégia de comunicação está alinhada e continuará a evoluir junto com as de instituições com histórias mais longas de autonomia.
“Trata-se de ruído versus sinais”, disse Diogo Guillen, diretor de política econômica do Banco Central, durante um recente evento no YouTube sobre como as comunicações impactam a política monetária. “Podemos ter várias camadas de comunicação, sem perder o rigor técnico.”
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