Bolsonaro aposta em ’Trumpão’ para voltar ao jogo do poder e concorrer em 2026

Ex-presidente, inelegível após condenação pelo TSE por crimes eleitorais, disse à Bloomberg News - em rara entrevista - contar com mobilização internacional de forças de direita para mudar decisões da Justiça

O ex-presidente Jair Bolsonaro em entrevista em seu escritório em Brasília para a Bloomberg News
Por Daniel Carvalho
30 de Janeiro, 2025 | 09:52 AM

Bloomberg — A presença de Donald Trump está em toda parte na órbita do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Jair - você é DEMAIS”, diz o autógrafo de Trump em forma de sismógrafo em um livro que Bolsonaro exibe com orgulho em seu escritório em Brasília, apontando as fotos em que aparece ao lado do presidente dos EUA.

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Um boné verde é estampado com letras douradas que soletram: “Make America and Brazil great again”. Em uma chamada de vídeo com um apoiador na América do Norte termina com “Eu amo Trump”.

Para Bolsonaro, o retorno de Trump à Casa Branca é uma manifestação da fé política que ele investiu em seu colega presidente. Bolsonaro, apelidado por seguidores de “Trump dos trópicos”, vê reconhecimento em todos os lugares para onde olha - e considera Trump como seu caminho potencial para a redenção política.

“Estou muito feliz”, disse Bolsonaro, 69 anos, em uma rara entrevista na sede do Partido Liberal (PL) em Brasília na terça-feira (28).

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Mais especificamente, ele está animado com o que está por vir do homem a quem ele se refere como “Trumpão - ou “Cenourão”, em uma referência afetuosa ao bronzeado permanente do presidente americano.

Ele considera que seu colega líder conservador tem uma linha de ação clara e realista que é semelhante à do Brasil sob sua presidência, incluindo a perfuração de poços de petróleo em reservas indígenas e evitando o produto da Venezuela de Nicolás Maduro.

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“Você não pode tirar um país como este da lama sendo amigo de todos”, disse.

Isso se estende à deportação de migrantes sem documentos, o que inclui milhares de brasileiros, entre eles seus apoiadores - mesmo quando perdeu a disputa pela presidência para Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, Bolsonaro obteve mais votos entre a “diáspora” americana.

Sua resolução para esse dilema é tipicamente contundente: “A lei é dele”, disse sobre os EUA de Trump. “Se você não quiser ser deportado, entre lá legalmente.”

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Ele agora está de olho em Trump como um meio de ajudar a resolver suas próprias dificuldades legais e para dar vida novamente às suas ambições políticas.

Dois anos após a ascensão de Trump à presidência em 2016 com a chapa America First, Bolsonaro realizou a mesma façanha no Brasil, com seus mandatos se sobrepondo de 2019 a 2020.

A presidência de um único mandato do ex-oficial do exército deixou um legado de aumento da polarização política que ainda assombra a maior economia da América Latina e encontrou expressão em um ataque de seus apoiadores a instituições da democracia em Brasília em 8 de janeiro de 2023, dias após a posse de Lula.

Paralelos com Trump

Bolsonaro faz questão de traçar os paralelos entre ele e Trump.

“Muito do que aconteceu nos EUA também está acontecendo aqui”, disse ele na entrevista que durou mais de 90 minutos, em um escritório em que o vazio de uma parede é “interrompido” apenas por uma pintura de Bolsonaro com a faixa presidencial, além de um mapa gigante do Brasil em outra. Em outra, fotos pelo país, inclusive imagens aéreas de suas “motociatas”.

“Eu fui esfaqueado aqui, Trump foi baleado lá”, disse ele. “Ele tinha o dia 6 de janeiro, eu tinha o dia 8 de janeiro. Fiquei muito feliz com a anistia que ele deu a todos [os envolvidos nos ataques ao Capitólio nos EUA]. Espero que não tenhamos que eleger um conservador em 2026 para obter a mesma anistia aqui.”

As semelhanças terminam aí.

Enquanto Trump transformou com “sucesso” a invasão do Capitólio em 6 de janeiro em algo para sua reeleição, Bolsonaro corre o risco de ir para a prisão pela alegada tentativa de golpe, em investigação no Brasil. “Eu durmo bem, mas já estou preparado para ouvir a campainha tocar às 6h da manhã: ‘É a PF!’”, disse.

Bolsonaro reafirmou que não pretende fugir do país nem se refugiar em nenhuma embaixada para evitar a prisão.

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O ex-presidente disse que é perseguido e afirma que seu ex-assessor pessoal, o tenente-coronel Mauro Cid, acusou ele e sua família “porque está sendo chantageado”. Ele classificou as alegações de Cid como “absurdas”.

Possibilidade de estado de sítio

Bolsonaro negou que tenha tentado dar um golpe, mas disse que discutiu com aliados a possibilidade de decretar estado de sítio e desistiu.

Bolsonaro já enfrenta uma proibição de oito anos de ocupar cargos políticos depois que o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil o impediu de concorrer, dizendo que ele havia abusado de seu poder ao usar uma reunião com embaixadores estrangeiros para lançar dúvidas sobre o sistema de votação do país.

Essa é uma alegação que ele ainda mantém, embora diga que, no Brasil, se você duvida da confiabilidade da “urna eletrônica e da vacina, você é um criminoso”.

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Sua esperança é que Trump e outros líderes da direita nacionalista, como o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban e o presidente argentino Javier Milei, o ajudem a reverter a situação antes da próxima eleição presidencial do Brasil, em outubro de 2026.

Bolsonaro aposta em uma mobilização internacional de forças de direita que pressione as autoridades brasileiras “a reconhecer que as eleições no Brasil não serão justas, pois não há oposição” - uma estratégia não muito diferente da adotada por Lula quando ele estava prestes a ser preso por corrupção.

Lula acabou sendo preso por 580 dias e foi impedido pela Justiça de concorrer em 2018, mas o caso foi posteriormente anulado, permitindo que ele concorresse com sucesso a um terceiro mandato.

“Não faz sentido que Lula concorra no Brasil, ou um candidato indicado por ele, sem oposição”, disse Bolsonaro.

"Hoje eu sou a oposição ao Lula. Qualquer outro nome corre o risco muito sério de perder para ele." Realizar eleições sem seu nome na cédula, disse Bolsonaro, seria "negar a democracia".

Um de seus filhos, o senador Eduardo Bolsonaro, tem trabalhado na frente internacional para dar visibilidade ao seu apelo. A Conservative Political Action Conference (CPAC), aliada de Trump, é um dos alvos do clã Bolsonaro.

Jair Bolsonaro está considerando outra tentativa de obter uma autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para deixar o Brasil e participar da CPAC em Washington DC em fevereiro. O último pedido de Bolsonaro, para participar da posse de Trump, foi negado.

A forma como ele espera que Trump intervenha em seu favor é um segredo discutido apenas na família Bolsonaro. "Não vou dizer publicamente o que estou pedindo a Trump para fazer, o que eu gostaria que ele fizesse", disse ele.

Bolsonaro foi questionado na entrevista sobre o filme brasileiro “Ainda Estou Aqui”, que concorre ao Oscar em três categorias com a história da família Paiva, que teve seu patriarca, o político Rubens Paiva, capturado e morto pelo regime militar. O corpo dele nunca foi encontrado.

O ex-presidente disse que “gostaria que Paiva estivesse vivo”, mas afirmou que “a história é contada pela metade” e “glamourizada para um lado só”.

Questionado se assistiria ao filme e torceria por Fernanda Torres, que concorre ao Oscar de melhor atriz pelo papel de Eunice Paiva, viúva de Rubens, ele afirmou que não.

“Nem vou perder meu tempo, tenho o que fazer. Conheço a história melhor que eles”, afirmou.

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