BC não tem como cortar Selic sem redução de gastos, diz estrategista do Deutsche

Drausio Giacomelli, estrategista-chefe para mercados emergentes, diz à Bloomberg Línea que taxa de juros deve seguir em 10,50% ao ano diante da falta de plano do governo sobre gastos

Banco Central de Brasil en Brasilia
18 de Junho, 2024 | 04:50 AM

Bloomberg Línea — A ausência de medidas concretas do governo que envolvam cortes de despesas impede o Banco Central (BC) de seguir com as reduções da taxa Selic, de acordo com Drausio Giacomelli, estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank (DB).

As expectativas de inflação têm subido nos últimos meses e estão cada vez mais acima da meta de 3% do BC tanto para 2024 como para 2025, o que, segundo Giacomelli, limita o espaço para cortes adicionais da taxa de juros de referência no Brasil - atualmente em 10,50% ao ano.

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“A falta de evidência sugere que não tem nenhum ajuste fiscal adicional do lado da despesa. Vejo como impossível o Banco Central cortar os juros nessa situação”, disse o estrategista em entrevista à Bloomberg Línea na quinta-feira passada (13). “É muito difícil achar que essa taxa de juros [de 10,50% ao ano] não vai ficar por um bom tempo até que se resolva o fiscal de alguma maneira.”

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O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC se reúne nesta terça (18) e quarta-feira (19), quando decide o patamar da taxa de juros de referência pelos próximos 45 dias. Economistas do mercado financeiro avaliam em sua maioria que o BC pode fazer uma pausa nos cortes de juros ou realizar mais uma redução de 0,25 ponto percentual, levando a taxa para 10,25% ao ano.

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Segundo Giacomelli, o cenário macroeconômico – de inflação relativamente controlada e de desaceleração dos núcleos de inflação no Brasil e nos Estados Unidos – em tese permitiria ao Banco Central reduzir a Selic a até 8,50% ao ano no fim de 2024. Mas isso poderia levar as expectativas de inflação para perto de 5% diante de temores fiscais e preocupações com a credibilidade da política monetária.

O Boletim Focus divulgado nesta segunda-feira (17) mostra um aumento das expectativas para o IPCA de 2025 – principal alvo da política do BC – pela sétima semana consecutiva.

Economistas consultados na pesquisa do BC agora estimam uma inflação de 3,80% para o ano que vem. No início de maio, antes da última reunião do Copom, a projeção era de 3,64%. Para 2024, as estimativas passaram de 3,72% para 3,96%. A meta de inflação do BC é de 3%.

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Já as estimativas para a Selic no fim de 2024 foram elevadas de 10,25% para 10,50%, e os economistas consultados pelo BC agora descartam cortes adicionais da taxa de juros até o fim do ano.

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Giacomelli disse avaliar que, se o governo não mudar de direção e seguir apostando apenas no aumento da arrecadação para reduzir o déficit fiscal, a inflação tende a ficar em patamar mais elevado.

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“Se eles continuam com a política de que ‘gasto é vida’, a única coisa que pode acontecer é um déficit fiscal nominal em torno de de 7% do PIB. Vamos dizer que isso caia para 6% com uma arrecadação melhor. Ainda assim, quem paga esse déficit? Só pode ser a inflação”, afirmou.

Desde a semana passada, os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) têm feito reuniões dentro do governo para tratar do tema das despesas depois da queda dos ativos brasileiros como reação do mercado financeiro. Eles dizem publicamente que a agenda de revisão de gastos ganhou força e que pretendem acelerar os planos para manter as despesas controladas.

O estrategista do Deutsche, no entanto, destacou a avaliação de que há um “silêncio ensurdecedor” do governo sobre cortes de despesas desde a posse de Lula há um ano e meio. Ele reforçou o entendimento de que, para a política monetária funcionar e ter credibilidade entre investidores, é preciso que as autoridades estejam dispostas a adotar um plano “whatever it takes” (custe o que custar).

“Não precisa resolver o problema da noite para o dia. Ninguém espera isso. Mas tem que ter um plano. E que cubra os dois lados da balança [receitas e despesas]. Todos sabem que, se o governo não focar o lado da despesa, não existe equilíbrio”, afirmou.

Giacomelli disse avaliar que o ministro Haddad errou ao transmitir em uma reunião com gestores que é o presidente quem toma as decisões e, depois, dizer que a Fazenda não tinha um plano B para compensar as isenções tributárias da desoneração da folha de pagamento, o que pesou sobre a confiança do mercado.

“No momento em que não há esse comprometimento incondicional com a sustentabilidade das contas públicas, começamos a precificar risco de crise”, afirmou.

Incertezas de investidores sobre qual será a postura do Banco Central a partir 2025 também têm pesado sobre as expectativas de inflação e levantado um debate sobre a tese de perda de credibilidade da política monetária.

O mandato do presidente do BC, Roberto Campos Neto, se encerra no fim deste ano, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicará um novo nome para comandar a instituição. Analistas têm se preocupado com a possibilidade de o BC ficar mais leniente com a inflação.

Na mais recente reunião do Copom, todos os quatro diretores nomeados por Lula votaram por uma redução de 0,50 ponto da Selic, enquanto os demais cinco diretores há mais tempo no cargo, incluindo Campos Neto, votaram pelo corte de 0,25 ponto, que prevaleceu.

Para Giacomelli, existe um risco de inação - isto é, de o governo não tomar nenhuma decisão clara para reduzir as despesas. É uma situação que, para ele, mina a confiança do mercado e a credibilidade do governo. “Isso só eleva o custo para retomar a confiança e é um custo para a economia.”

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Filipe Serrano

É editor sênior da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.