Bloomberg — O Banco Central enfrenta uma emergência criada pelas suas próprias decisões e que corre o risco de afetar anos de decisões políticas hábeis e ganho de credibilidade, a dias do provável fim de um ciclo de cortes de juros.
As expectativas de inflação estão acima da meta para os próximos anos e a confiança se reduz conforme os mercados questionam se o BC – ou a presidência – é que está no comando da política monetária.
É uma reversão significativa para uma instituição que já foi elogiada pela sua atuação rápida contra a alta da inflação após a pandemia e pela série de cortes nos juros que ocorreram antes que nas economias desenvolvidas.
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Há investidores que agora se preocupam com o risco de repetição do cenário observado sob a presidência de Dilma Rousseff, há mais de uma década, quando as ações da autoridade monetária resultaram em aumento das estimativas de inflação para acima da meta, ao mesmo tempo em que se desenrolava uma sequência de cortes de juros em meio a uma elevação dos gastos públicos.
O BC corre o risco de entrar em outro ciclo vicioso, especialmente após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguir alcançar a maioria de indicados no Copom no término deste ano, no mesmo momento em que retoma a exigência de juros mais baixos.
A incerteza cresce antes da decisão do Copom desta quarta-feira (19), que é considerada a mais importante na memória recente.
A credibilidade do BC foi colocada em xeque após a votação dividida da reunião de maio, em um desfecho que opôs a maioria liderada pelo presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, a diretores escolhidos por Lula que eram a favor de um corte maior nos juros.
“É a primeira vez desde a eleição do Lula que usar a palavra crise faz sentido”, disse o ex-diretor de assuntos internacionais do BC Tony Volpon. “E o Banco Central tem culpa.”
Alguns diretores do BC tentaram dissipar as preocupações de interferência política e admitiram que uma mudança no “forward guidance” - sinalização para as próximas reuniões dadas pelo comitê - anterior não tinha sido discutida internamente.
Ainda assim, os receios de que a autoridade monetária seja mais tolerante com a inflação exacerbaram a sensação de déjà-vu nos mercados, uma vez que as crescentes tensões fiscais também refletem um período turbulento que teve início em 2011.
O Copom finalmente capitulou no início de 2013, quando iniciou um ciclo de aperto monetário que elevou as taxas de juros em quase quatro pontos percentuais antes das eleições do ano seguinte, apenas para aumentar ainda mais a Selic após a votação.
Embora o Copom não tenha dado qualquer indicação de que planeja elevar os juros neste momento, cresce a especulação de que tal movimento na taxa básica pode ser inevitável.
“Ainda é possível vencer essa batalha sem aumentar o juro”, disse o ex-diretor de política monetária do Banco Central Reinaldo Le Grazie, que ressaltou que as decisões unânimes sobre os juros fortalecem a política monetária aos olhos dos mercados. “Mas está ficando mais difícil fazer isso.”
As taxas de inflação implícita – embutidas nos títulos públicos e dadas pela diferença entre juros nominais e reais – de dois anos saltaram 41 pontos-base,para 4,96%, desde a reunião do Copom de 8 de maio. O Boletim Focus, que divulga semanalmente as estimativas de inflação dos economistas do período de 2024 a 2026, mostra as expectativas substancialmente acima da meta de 3%.
O mercado elevou a expectativa de inflação para 2024 pela sexta vez consecutiva e pela sétima para 2025, segundo a pesquisa Focus publicada nesta segunda-feira (17).
“É provável que seja necessário elevar os juros para que as expectativas de longo prazo fiquem novamente ancoradas”, disse o ex-diretor de política econômica do BC Fabio Kanczuk.
O BC declinou o pedido de comentário da Bloomberg News.
Em um discurso em 10 de junho, Campos Neto disse que a inflação está convergindo como o esperado em direção à meta, embora as expectativas de inflação sigam desancoradas. Este fenômeno “não aconteceu muitas vezes no passado”, disse ele.
Comparação prematura
Para Volpon, que ingressou na autoridade monetária em 2015, o Brasil ainda está longe de aumentar os juros, visão compartilhada pela maioria dos economistas. Ainda assim, ele apelou aos diretores para que prestem atenção às lições aprendidas sobre o elevado preço da perda de credibilidade.
“Foi horrível. Os juros acabaram subindo, eu entrei nesse ciclo e, ainda assim, as expectativas não estavam ancoradas”, disse ele. “No final do dia, é aquela história: quando você perde a credibilidade junto ao mercado, para reganhar isso tem que ter uma política monetária muito mais ortodoxa, muito mais austera, muito mais restritiva.”
Segundo Adriana Dupita, economista para Brasil e Argentina da Bloomberg Economics, a comparação com o período 2011 a 2014 parece prematura, “por vários motivos”.
“Primeiro, porque embora a situação fiscal siga longe do ideal, há muito mais transparência tanto na política quanto nos dados fiscais do que naquela época. Segundo, porque o nível de escrutínio do mercado é muito maior agora – dada a condição de liquidez global e doméstica – do que era em 2011. Terceiro, e não menos importante, porque um voto dissidente mas plenamente justificável tecnicamente não dá base suficiente para conclusões sobre o perfil dos membros do Copom.”
Os investidores temem que o Copom se torne mais leniente em relação à inflação quando Lula – que também defendeu uma meta de inflação mais elevada – nomear um novo presidente para a instituição e dois novos diretores ainda neste ano.
Na verdade, essas tensões devem tornar o cenário mais difícil para um presidente de esquerda decidir sobre um sucessor para Campos Neto, disse Le Grazie.
Para Volpon, o atual Copom terá uma oportunidade crucial de acalmar a situação na decisão desta semana, se decidir votar em uníssono para interromper o ciclo de cortes, o que contraria a pressão política.
“Tem que ser unânime”, disse ele. “A credibilidade da instituição está em jogo agora.”
Dificuldade de reancoragem
A desancoragem das expectativas de inflação a partir de 2011 resultou da negligência do BC em relação ao comportamento dos preços, de acordo com um estudo publicado neste ano que tem como um dos autores o ex-diretor de política econômica do Banco Central Carlos Viana.
O trabalho concluiu que o processo de reancoragem é complexo e gradual, e as expectativas só voltaram a ser controladas em 2016.
Para o cenário à frente, os gastos públicos serão fundamentais para que as expectativas de inflação voltem a cair. Os investidores ficaram desiludidos com o anúncio em abril de que a meta do governo seria de um déficit primário equilibrado no próximo ano, e não um superávit.
Mais recentemente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, expressou preocupação com as perspectivas fiscais do país durante uma reunião privada com investidores, o que fez com que os ativos locais “afundassem” – em uma clara indicação da sensibilidade do mercado em relação à questão fiscal.
O Copom não deve ter qualquer tipo de ajuda do Federal Reserve, o banco central dos EUA, que sinalizou que irá esperar mais tempo antes de iniciar o ciclo de cortes.
Ainda assim, os maiores desafios do BC são internos, de acordo com o ex-diretor de assuntos internacionais da instituição Alexandre Schwartsman.
“A hipótese é que terá uma nova diretoria com um compromisso menor em relação à meta de inflação”, disse ele. “Há um questionamento direto à credibilidade do Banco Central.”
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