Bloomberg Línea — Trinta anos depois do Plano Real, o Brasil conseguiu manter a inflação controlada, mas outros grandes problemas econômicos que o país já enfrentava seguem entre os principais desafios de governos e autoridades.
Entre eles estão o déficit fiscal persistente, a baixa taxa de crescimento da atividade econômica e a alta desigualdade social do país, de acordo com economistas e ex-ministros que participaram do Plano Real há 30 anos.
Em encontro na Fundação Fernando Henrique Cardoso na segunda-feira (24), Armínio Fraga, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan, Pérsio Arida e Rubens Ricupero relembraram as situações que viveram durante a adoção do Plano Real e compartilharam algumas de suas visões sobre os obstáculos do Brasil atualmente.
O Plano Real marcou um ponto de virada para a economia brasileira. Como lembrou Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, o Brasil conviveu durante 15 anos com uma inflação de 16% ao mês em média antes da adoção da nova moeda.
Em junho de 1994, antes da estreia do real em 1º de julho, a inflação acumulada em 12 meses chegou a 4.923%, segundo o IBGE, nível que só se compara a casos recentes como o da Venezuela. Hoje, a grande preocupação do Banco Central é que as expectativas para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) estão perto de 4%, acima da meta de 3%.
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Franco ressaltou que parte do desafio era recompor e restituir a autoridade monetária no Brasil. O número de representantes no Conselho Monetário Nacional (CMN) foi reduzido de 25 para três, dando mais força ao voto do próprio Banco Central. Também foi criado o Comitê de Política Monetária (Copom), que toma as decisões sobre a taxa Selic. Mais tarde, em 1999, o regime de metas de inflação entrou em vigor.
“A inflação caiu abaixo de 10% ao ano 30 meses depois de o Plano começar, no começo de 1997, quando caiu abaixo de 5% ao ano. E, no ano de 1998, foi 1,6% ao ano, um número que já confrontado com os de hoje soa muito bem”, disse Franco.
Além do controle da inflação
O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, que foi responsável pela implantação do plano depois da posse de Fernando Henrique na presidência em 1995, lembrou que o controle da inflação “não era um objetivo que se esgotava em si mesmo”.
Ele ressaltou o trabalho feito pelo governo em seguida para reformar o sistema financeiro. Algumas das medidas mais importantes foram a redução do número de bancos comerciais estaduais e a renegociação da dívida dos Estados e municípios, criando um mecanismo de garantias com base nas receitas para evitar um novo calote.
Para Malan, outro ponto importante foram as privatizações nos setores de energia, telefonia, entre outros. “A lista é longa de coisas que tiveram que ser feitas ali com o objetivo de consolidar e fazer as reformas necessárias para o país”, afirmou.
Rubens Ricupero, que assumiu o Ministério da Fazenda antes da estreia do real quando Fernando Henrique deixou o cargo para se candidatar à presidência, relembrou as dificuldades para convencer Itamar Franco sobre o Plano.
Na avaliação de Ricupero, Itamar foi “ao mesmo tempo indispensável e o maior obstáculo ao Real”.
O ex-ministro afirma que Itamar tinha ideia de fazer algo como o antigo Plano Cruzado. “O Cruzado parecia um plano miraculoso porque curava todos os males sem nenhuma dor. Aumentava todos os salários. Era uma coisa extraordinária. Acho que o ideal para o político brasileiro sempre foi o plano Cruzado. Era isso que eles tinham em mente”, afirmou.
Nesse sentido, Pérsio Arida, assim como os colegas, ressaltou a importância do papel do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, em colocar em prática o programa econômico. “Tão importante quanto as ideias é alguém que as implemente”, afirmou.
O Arida lembrou que FHC tinha uma trajetória de esquerda, mas não chamou os economistas de esquerda para elaborar o plano. Ele preferiu recorrer a um grupo de economistas liberais da PUC-RJ e bancou um plano de estabilização, colocando em risco o seu capital político.
“É difícil imaginar um ministro da Fazenda que consiga, ao mesmo tempo, convencer o presidente da República [Itamar Franco], que tinha ideias muito diferentes – e todas erradas, diga-se de passagem –, e ter a capacidade de fazer uma aliança com o PFL, que era tão mal visto pelos puristas do PSDB quanto o Centrão é hoje”, afirmou Arida, se referindo ao bloco de partidos que compõe o Congresso atual.
Para o economista, Fernando Henrique Cardoso tinha a capacidade dupla de ser ao mesmo tempo um político e um intelectual, e teve um papel fundamental para negociar a aprovação do programa com o Congresso e explicá-lo para a opinião pública.
Outro fator importante, segundo ele, era o bom relacionamento entre os integrantes da equipe econômica – composta por ex-professores e ex-alunos que já haviam trabalhado juntos no Departamento de Economia da PUC-RJ –, direcionando os esforços para um objetivo em comum.
“Ter um time integrado, para quem já esteve em governo, faz toda a diferença. Você sabe que o time não está ali disposto a passar sua perna, a fazer uma maldade. O time joga em conjunto, o que foi uma característica importantíssima”, afirmou.
O economista Edmar Bacha fez uma reflexão sobre se seria possível aprovar o plano Real com a composição atual do Congresso, ainda mais fragmentado e com grande peso do Centrão. Na época, o PSDB, o PFL e o PMDB, ele lembra, tinham juntos mais de 50% dos votos.
Para Bacha, negociar com o Centrão “seria muito mais desagradável”. Porém, poderia ser mais fácil aprovar a URV (unidade de referência de valor que foi usada para indexar os preços antes da introdução do real como moeda), “porque o Centrão é bem mais à direita do que era o PMDB de então”.
“Por outro lado, seria muito mais difícil na entrada, porque o Orçamento hoje está bem mais rígido e as emendas parlamentares obrigatórias estão nas alturas”, afirmou.
“Seria muito mais complicado, creio eu, conseguir do Centrão o corte de 20% que fizemos nas despesas obrigatórias parlamentares, corte esse que nós colocamos como condição para fazer o plano em seguida”, lembrou o economista, que é diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças.
Responsabilidade fiscal
Olhando em retrospectiva, o ex-ministro da Fazenda e embaixador Rubens Ricupero avalia que a população se convenceu da “malignidade” da inflação, mas os políticos nem tanto.
“Eles não fazem uma ligação entre causa e efeito. Por exemplo, a questão do gasto público. Para eles, a inflação não tem nada a ver com gasto público. É uma variável independente”, disse.
Apesar dos avanços nos últimos 30 anos, Ricupero disse que vê com tristeza que, de tudo o que foi feito, a medida que não pegou no Brasil foi a responsabilidade fiscal.
Para ele, ter responsabilidade fiscal é um desafio para todos os países, mas, no Brasil, a questão foi abandonada. “Nós tínhamos melhorado e pioramos”, afirmou.
O ex-ministro Pedro Malan lembrou que, além dos 30 anos do Real, o Brasil comemora 25 anos e meio do regime de taxas de câmbio flutuante, 25 anos do regime de metas de inflação e 24 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Ele afirmou que há muito a comemorar, mas é preciso caminhar com outras reformas para lidar com problemas fundamentais do país, que são o baixo crescimento da economia, a distribuição de renda tão desigual e por que é difícil fazer reformas . “São questões a que as novas gerações terão que se dedicar, espero que com o mesmo empenho que vários daqui presentes”, disse.
Ao final do painel, o ex-ministro leu um trecho do documento do Programa de Ação Imediata (PAI), um conjunto de medidas adotadas para preparar o terreno para a adoção do real, com uma citação, que na avaliação dele, continua válida até hoje.
“As contas públicas só serão acertadas se as forças políticas decidirem encaminhar com firmeza nessa direção, deixando de lado interesses menores”, disse Malan, reproduzindo uma lista de cinco pontos destacados do texto. “Este quinto e último ponto detém surpreendente atualidade, relevância e urgência.”
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