Aperto no crédito abre espaço para expansão de empréstimos com fornecedores

Crédito mercantil, modalidade de financiamento não bancária, ampliou a participação para 39,2% do total nos últimos anos, segundo análise da Serasa Experian obtida pela Bloomberg Línea

Região da Faria Lima, em São Paulo, setembro de 2022. Foto: Victor Moriyama/Bloomberg
29 de Fevereiro, 2024 | 05:10 AM

Bloomberg Línea — O aperto no mercado de crédito bancário nos últimos anos levou as empresas brasileiras a recorrer com ainda mais intensidade ao chamado empréstimo mercantil – uma modalidade de financiamento não bancário contraído junto a fornecedores e outros negócios, usado principalmente para ganhar mais prazo para o pagamento de serviços e produtos contratados.

De todo o crédito tomado pelas empresas, 39,2% eram da modalidade mercantil até o final de 2022, de acordo com um estudo da Serasa Experian, divulgado com exclusividade à Bloomberg Línea.

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A proporção é a maior registrada desde o pico histórico de 41% em 2018, quando a atividade econômica ainda se recuperava lentamente da recessão de 2015 e 2016.

O resultado mostra que o Brasil teve dois anos seguidos de expansão do crédito mercantil depois de uma fase de retração. É o primeiro ciclo de aumento desde o intervalo entre 2013 e 2018, de acordo com o estudo.

O crescimento do crédito mercantil coincide com um período de inflação elevada, juros em alta e inadimplência de famílias e empresas em ascensão, o que levou as instituições financeiras a ficarem mais seletivas e criteriosas na concessão de crédito.

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“As empresas que necessitam manter um certo nível de endividamento para tocar suas atividades acabam recorrendo ao chamado crédito mercantil”, disse Luiz Rabi, economista da Serasa Experian e responsável pelo estudo, em entrevista.

“É o atacado financiando o varejo, e é a indústria financiando tanto o atacado quanto o varejo. Essas empresas fornecedoras desempenham de certa forma o papel de instituições financeiras dos seus clientes, para eles continuarem operando.”

O estudo tem como base os balanços de cerca de 80.000 empresas no Brasil que publicam demonstrações financeiras em jornais no país. Os dados de 2023 não estão disponíveis porque a análise ainda depende da divulgação dos números fechados no ano, o que deve ocorrer ao longo dos próximos meses.

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Para Rabi, da Serasa, a tendência é a de que a expansão do crédito mercantil tenha continuado em 2023, diante da desaceleração da concessão de crédito no país no ano passado e das condições financeiras mais apertadas.

O Banco Central começou a fazer cortes na Selic apenas em agosto, depois de mantê-la no patamar de 13,75% ao ano por cerca de 12 meses. Atualmente, a taxa básica de juros está em 11,25% ao ano e a expectativa de economistas do mercado financeiro é de que encerre 2024 em 9%, de acordo com o Boletim Focus divulgado em 27 de fevereiro.

Para 2024, as perspectivas são mais amenas, com a redução das taxas de juros e a indicação dos bancos de que podem voltar a expandir a concessão de crédito.

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“Há todo um horizonte de que os bancos vão aumentar o crédito neste ano, porque os juros estão caindo, a inadimplência está dando os seus primeiros sinais de queda, a economia não está em recessão, a inflação está sob controle. Não vemos muitos obstáculos para que o crédito bancário possa voltar a ter um crescimento mais próximo de dois dígitos”, disse Rabi.

Comércio é setor mais ativo

Dos setores analisados, o comércio é o que tem a maior proporção de crédito mercantil em relação ao passivo total. O segmento atacadista lidera, com o crédito mercantil representando 59,6% das dívidas contabilizadas. Ele é seguido de comércio varejista (54,4%), indústria de bens intermediários (43,8%), indústria de bens de capital (42,2%) e de serviços de telecomunicações (38,4%).

Entre os segmentos nos quais o crédito mercantil tem menor participação estão os de energia elétrica (5,5%), construção civil (22,6%), setores diversos (23,6%) e agricultura e extração vegetal (27,2%).

Para Rabi, da Serasa, o crédito mercantil é uma importante fonte de financiamento das empresas. Mesmo nos anos em que a modalidade retrocedeu, a participação se manteve acima de 30%.

O economista notou que, quanto mais próximo do consumidor a atuação da empresa, maior é a participação do crédito mercantil, como é o caso do varejo e do atacado, que movimentam muitos estoques de produtos acabados.

“O crédito mercantil não chega a ser um competidor do crédito bancário. Ele é um complemento que ganha preponderância em momentos em que o bancário acaba se retraindo. Ele tem esse papel fundamental no financiamento das atividades de diversos setores”, disse o economista.

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Filipe Serrano

É editor sênior da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.