Alta da Selic e do dólar reforça necessidade de empresas de revisar projetos

De Azul a Gerdau, companhias de diferentes setores que já estavam em processo de redução de dívidas se veem agora diante de pressão financeira, fontes disseram à Bloomberg News

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Bloomberg — Empresas brasileiras têm resedenhado planos, renegociado dívidas e contido investimentos com a alta dos juros e do dólar.

Embora companhias do mundo todo tenham enfrentado um ambiente de negócios com custos de financiamento mais elevados, empresas brasileiras vivem um fardo especialmente pesado, atingidas por uma das taxas de juros mais elevadas do mundo depois de sobreviverem à pandemia com pouca ajuda do governo. Agora, a Selic subiu de novo depois de uma pausa de pouco mais de um ano.

Algumas empresas começaram a fazer ajustes no final do segundo trimestre, à medida que o mercado começou a precificar aumentos na taxa de juros em meio à piora das expectativas de inflação.

Essas mudanças aceleraram agora que o Banco Central contrariou a tendência global de flexibilização, sinalizando que mais altas dos juros estão por vir.

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Em 10,75% ao ano, os juros já estão bem acima dos 9,25% projetados pelos analistas no início do ano – um desafio significativo para empresas com dívidas pesadas. Depois, há o câmbio, que tem depreciado devido a preocupações com os ambiciosos planos de gastos do governo, que ameaça as metas fiscais.

É uma dinâmica difícil para empresas como as companhias aéreas, que têm despesas em dólares, mas obtêm receitas em reais. O varejo também está em risco, juntamente com empresas de saúde e a principal indústria do país, a agrícola.

“Com certeza o cenário é mais desafiador agora, com a Selic acima de 10%, do que quando flertávamos com projeções de 8% ou 9% no início do ano”, disse Leonardo Ono, gestor de carteira de crédito da Legacy Capital, com R$ 20 bilhões em ativos sob gestão. “Veremos mais empresas fazendo reestruturação de dívida e veremos alguns pedidos de recuperação judicial”, disse Ono.

O risco médio de inadimplência das empresas brasileiras atingiu 6,27%, segundo estudo da FTI Consulting para o jornal Valor Econômico. Este é o nível mais elevado desde 2016.

A Azul (AZUL4), que está em negociações para fusão com a rival Gol (GOLL4), busca opções para reestruturar a dívida depois que seus resultados foram prejudicados por um real mais fraco.

O Grupo Casas Bahia (BHIA3) reescalonou as dívidas por meio de uma reestruturação extrajudicial no início deste ano.

Empresas no setor “estão mais disciplinadas”, disse Ricardo Carvalho, chefe de empresas brasileiras da Fitch Ratings. No entanto, “voltamos a olhar o setor com mais cuidado”, por conta do aumento do juro, ele disse.

Já as empresas de saúde deverão ver mais atividade desta vez, à medida que o Banco Central recomeça um ciclo de aperto. Muitas empresas do setor têm tomado medidas para limpar os seus balanços depois de uma leva de aquisições quando a Selic atingiu sua mínima histórica.

A Dasa (DASA3) busca vender ativos não essenciais e se concentrar na redução da dívida, segundo uma pessoa familiarizada com o assunto ouvida pela Bloomberg News, que acrescentou que uma fusão ou aquisição agora está fora de questão.

A empresa anunciou no início deste ano que estava em negociações avançadas para vender sua unidade de corretagem e consultoria de seguros, a Dasa Empresas.

A Kora (KRSA3) e a Oncoclínicas (ONCO3) também tentam colocar seus balanços em ordem. O diretor financeiro da Kora disse a analistas numa teleconferência em agosto que a empresa fez uma “grande mudança” no seu perfil de dívida no ano passado, conduzindo exercícios de gestão de passivos.

A Kora também iniciou negociações com credores locais um perdão para um possível descumprimento de uma cláusula financeira no contrato, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto.

Enquanto isso, a Oncoclínicas emitiu R$ 190 milhões em debêntures depois que seus lucros do segundo trimestre mostraram pressões no fluxo de caixa.

Muitas dessas empresas ainda precisam fazer o dever de casa, reduzir queima de caixa e vender ativos, disse Carvalho, adicionando que o setor é o que o deixa mais preocupado.

Azul, Casas Bahia, Dasa, Kora e Oncoclínicas não comentaram.

O setor do agronegócio também está sob pressão. Com os juros elevados e a queda dos preços das matérias-primas, duas empresas procuraram proteção contra credores nas últimas semanas.

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Embora a emissão de debêntures tenha atingido o máximo histórico no 1º semestre de 2024, as operações com ações caíram 64% em relação ao ano anterior, de acordo com dados da Anbima.

Entretanto, as ofertas públicas iniciais (IPOs) praticamente desapareceram em meio às taxas mais elevadas, à medida que os investidores evitam ações, preferindo instrumentos de renda fixa.

Apesar das expectativas de retomada de um ambiente mais favorável a ofertas esse ano, o Brasil não vê um IPO desde 2021 e há pouca esperança imediata de que isso mude. “Não vejo o retorno de uma onda de IPOs no início de 2025″, disse Denis Morante, fundador da Fortezza Partners.

A combinação do aumento das taxas e da alavancagem também leva as empresas a reduzir os investimentos e a preservar o dinheiro num país onde muitas companhias tomaram dívida com taxas pós-fixadas.

A Cosan (CSAN3) deve evitar usar dinheiro para estabelecer novas linhas de negócios e deixou de se tornar um investidor estratégico na maior concessionária de água da América Latina no início deste ano, segundo pessoas familiarizadas com o assunto.

O conglomerado, de propriedade do bilionário Rubens Ometto, cogita uma venda de ativos para pagar dívidas, acrescentaram as pessoas. A Cosan não comentou.

A siderúrgica Gerdau (GGBR4) também aguarda melhores condições antes de avançar em novos projetos de expansão em seu pipeline, segundo uma pessoa a par do assunto. Isso inclui uma nova laminadora de R$ 1,75 bilhão e a expansão de sua base florestal no sudeste do Brasil.

A Gerdau disse, no entanto, que mantém todos os investimentos em seu pipeline.

“O impacto imediato é adiar qualquer projeto que não seja urgente e fazer apenas o necessário”, disse Daniel Laudisio, sócio do escritório de advocacia Cescon Barrieu, que assessora empresas em transações no mercado de capitais.

A venda de ativo que não é core para desavalancar pode atrair o estrangeiro, segundo Laudisio. Esses investidores veem “um pouco mais de atratividade pós Fed”, diz ele, sobre o corte da taxa de juros do banco central dos EUA.

-- Atualizada com comentários no último parágrafo e correção da grafia de Laudisio no penúltimo parágrafo.

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