Bloomberg Línea — Nos últimos anos, a JBS tem se notabilizado no mercado de proteínas pela sua estratégia de diversificação geográfica e de negócios, em muitos casos por meio de M&As (fusões e aquisições).
Além do alinhamento estratégico, a empresa só considera levar adiante aquisições que estejam precificadas de forma a permitir a criação de valor, segundo o CFO, Guilherme Cavalcanti.
Em entrevista à Bloomberg Línea, Cavalcanti explicou que o porte da JBS - uma das maiores de alimentos do mundo - e sua “sólida” geração de caixa a posicionam como uma compradora natural de ativos relevantes no setor de proteínas, em que é líder mundial.
“Hoje, qualquer empresa do setor que entra à venda no mundo acaba sendo oferecida à JBS pelos bancos”, afirmou.
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Em março deste ano, a JBS acertou a compra da empresa The Vegetarian Butcher, da Unilever, para ampliar o seu portfólio de carnes vegetais. O valor da transação não foi divulgado.
Em janeiro, a JBS (JBSS3) anunciou a aquisição de 50% da Mantiqueira para reforçar a estratégia de diversificação com a entrada em ovos. O acordo envolveu a compra de 48,5% do capital social total e de 50% do capital com direito a voto da Mantiqueira, com enterprise value de R$ 1,9 bilhão.
Segundo Cavalcanti, não é sempre que o preço do ativo compensa. Essa lógica se aplica a exemplos recentes em que a JBS optou por realizar investimentos em plantas próprias nos Estados Unidos e no Brasil, como fábricas de bacon e produtos italianos em detrimento da compra de ativos.
No fim de março, a empresa anunciou US$ 100 milhões em investimentos para a construção de duas fábricas no Vietnã, um dos mercados recém-abertos para a carne brasileira.
“É sempre uma questão de fazer conta e decidir o que vale mais a pena: construir ou adquirir”, disse.
Confira a segunda parte da entrevista de Guilherme Cavalcanti à Bloomberg Línea, editada para fins de clareza e compreensão (Leia a primeira parte aqui):
Como as aquisições fazem parte da estratégia da JBS?
Hoje, exatamente pelo tamanho da JBS, pela nossa geração de caixa, pelo poder de fogo que temos, em todos os casos de empresas do setor de alimentos, de proteínas, que entram à venda no mundo, somos acessados pelos bancos, que perguntam se não queremos comprar.
Nos tornamos um potencial comprador para qualquer ativo que esteja à venda em nível mundial. Na minha mesa neste momento eu tenho pelo menos umas três ou quatro empresas em potencial em análise no mundo. Só que aí entra uma questão de disciplina de capital.
Quando olhamos para essas empresas, pensamos primeiramente no fit estratégico. Precisamos ter sinergias claras, saber quem vai tocar o negócio, se temos um management para tocar essa companhia, seja de dentro, seja de fora. E tem que ser por um preço que crie valor.
Portanto, para responder a sua pergunta sobre se planejamos novas aquisições, só se aparecer no preço justo ou a um preço razoável.

Há casos, portanto, em que a JBS decide não concretizar a compra. Como a empresa age a seguir?
Caso não haja a aquisição, nós construímos novas plantas. É um exemplo do que fazemos. Recentemente, tivemos acesso a várias boas empresas do chamado Italian White salame e de presunto, que estavam à venda, que tinham sinergias com a JBS, pois éramos fornecedores de matéria-prima. Mas estavam em preços que nós avaliamos que não iriam criar valor.
O que fizemos? Nós construímos fábricas de bacon nos Estados Unidos, fábricas de Italian meats, fizemos investimentos em expansão no Brasil. É uma questão de fazer conta e entender o que é melhor para a empresa: construir ou fazer uma aquisição em dado momento.
Em janeiro a JBS anunciou a aquisição de 50% da Mantiqueira. Qual foi o racional?
Começamos a estudar o mercado de ovos no passado. A princípio era algo que não interessava tanto à JBS porque antes era visto como uma commodity. Não tinha diferencial.
É por isso que escolhemos entrar em um negócio de marca, porque quando você tem marca e tem a preferência do consumidor, você tem pricing power e consegue repassar custos mais facilmente. Não é por causa de centavos em um produto que você vai deixar de consumir a sua marca preferida.
E o ovo começou a se tornar um negócio de marca. Antes, apenas 10% dos ovos nos EUA eram de galinhas livres [cage free]. Hoje, mais de 30% dos ovos nos EUA são desse tipo e com marca. Essa mudança começou a nos interessar.
No caso da Mantiqueira, combinamos a vontade da JBS de continuar com a sua diversificação e trazer a expertise do Leandro [Pinto], o fundador, que tem valores muito parecidos com os nossos.
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O que está nos planos da JBS com a Mantiqueira? Acessar o mercado americano?
De fato, a intenção é usar o relacionamento e a logística que já temos no mercado de varejo dos Estados Unidos para as nossas operações e, quem sabe, entrar nesse negócio de ovo no país com alguém que entende do negócio.
Como o preço do ovo está bastante em alta nos EUA, há uma probabilidade maior de construirmos fábricas e granjas no país.
A tendência do cage free é algo inexorável para nós, seja pela questão de bem-estar animal, seja por questão de qualidade mesmo do ovo. E converter uma granja de cage para cage free exige, basicamente, o mesmo investimento de construção de uma nova planta.
Como a empresa busca superar os riscos nos países, como as tarifas de Trump?
O Brasil e o mundo sempre passam por fases. Hoje existe uma fase que está complicada por um motivo, mas já foi complicada no passado por outro motivo.
Eu já passei por crise da Ásia, crise da Rússia, desvalorização do câmbio, depois estouro da internet, depois crise financeira em 2008, guerras comerciais... Você não pode tomar decisões de investimento baseadas em um momento específico do tempo ou em questões atuais. O que a JBS faz é exatamente continuar a investir sempre para poder capturar as oportunidades.
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E quais as prioridades atuais de investimento?
O Brasil continua sendo um país extremamente estratégico. Nos últimos anos, a maior parte do nosso investimento - de capex - de US$ 4,5 bilhões foi no Brasil, para a nossa fábrica de Rolândia, no Paraná, que é a maior e mais moderna fábrica de salsicha e de empanados da América Latina.
O Brasil é um país extremamente competitivo para a produção de alimentos, com grandes safras de milho e de soja, além do clima favorável. Temos duas safras por ano. Isso nos abre margem para ganhar via exportação, mas também no mercado doméstico. O brasileiro tem ampliado o consumo de proteína.
Entre os países onde a empresa já atua, quais regiões são estratégicas para o crescimento futuro?
Estamos presentes no mundo inteiro. No nosso capex de crescimento, vamos investir US$ 1 bilhão no mundo inteiro ao longo do ano. E, como eu falei, nos últimos seis anos investimos mais no Brasil do que nos Estados Unidos. Mas os EUA ainda respondem por 51% da receita, e o Brasil, por 26%.
É uma questão de olhar o mercado e avaliar em qual teremos uma oportunidade maior. De fato, o mercado doméstico brasileiro tem sido bastante resiliente, assim como o americano.
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