Bloomberg Línea — O pedido de recuperação judicial do Grupo Montesanto Tavares e de suas empresas controladas Atlantica e Cafebras, revelado na última semana, expôs os impactos da escalada dos preços globais do café no setor no Brasil e uma lista de credores que inclui de grandes bancos a tradings globais.
A crise financeira que afeta um dos maiores exportadores de café do país, com sede em Belo Horizonte (Minas Gerais), aconteceu, segundo a petição do grupo, em razão das dificuldades em realizar a gestão financeira adequada diante do aumento sem precedentes das cotações internacionais. Os valores chegaram a saltar 200% em 15 meses.
A petição na 2ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, a qual a Bloomberg Línea teve acesso, foi protocolada em meados de fevereiro, em processo que corre em segredo de Justiça.
A recuperação judicial, se aceita pela Justiça, deixará um rastro de prejuízos potenciais a alguns dos maiores bancos do país, de acordo com a lista de credores apresentada na petição. O grupo declarou dívidas de R$ 2,13 bilhões, mas o valor da causa é apontado em R$ 4,968 bilhões, somando todos os créditos.
O Banco do Brasil aparece como a instituição financeira com mais créditos a receber, com estimados R$ 828 milhões, valor aproximado que considera dívidas em dólar, que somam US$ 128,7 milhões, e em reais (R$ 83,7 milhões), segundo conversão com o fechamento do câmbio de sexta-feira (7).
O Banco do Nordeste aparece na sequência com cerca de R$ 250 milhões, seguido de Santander, com R$ 225 milhões e Banco Pine, com 154 milhões. Outras instituições financeiras apresentadas como credores são BV, Bradesco, Caixa e Safra.
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Entre empresas não financeiras, a trading global Cargill aparece com R$ 104,2 milhões em créditos a receber; a Marex é credora com R$ 74,47 milhões, a Louis Dreyfus Company, com R$ 30,5 milhões, e a Cooperativa de Crédito Coopermais - Sicoob, com R$ 16,56 milhões).
Na lista de credores há também processos trabalhistas com valores de até R$ 4.000.
O Grupo Montesanto Tavares se tornou ao longo das duas últimas décadas e meia um relevante grupo de comercialização e exportação de café, composto pelas controladas Atlântica Exportação e Importação (fundada em 2000) e Cafebras Comércio de Cafés do Brasil (2013).
As duas sociedades empresariais operacionais (Atlântica e Cafebrás) contam com aproximadamente 2.000 produtores locais para o fornecimento de seus cafés, segundo a petição, com unidades operacionais em quatro cidades mineiras: Carginha, Caparaó, Patrocínio e Manhuaçu.
A Atlântica responde, segundo o documento, por cerca de 8% das exportações de café arábica em grãos verdes do país, enquanto a Cafebras se especializou em cafés especiais.
Em 2023, último ano para o qual há dados consolidados do exercício, o grupo Montesanto alcançou receitas acima de R$ 3 bilhões e negociou mais de 166 mil toneladas de café. O Ebitda (métrica de geração de caixa operacional) foi positivo em mais de R$ 35 milhões.
Raízes da crise financeiras
Segundo a petição para a recuperação judicial, assinada por Daniel Vilas Boas, do escritório VLF Advogados, os problemas financeiros da companhia começaram nas safras de 2021 e 2022.
Na ocasião, devido a uma quebra de safra em razão do clima, parte dos produtores deixou de entregar as sacas prometidas diante dos problemas da safra, o que fez com que a Atlântica e a Cafebras comprassem a quantidade de café necessária para completar os estoques e honrar os contratos.
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Além disso, a empresa diz na petição que a compra do café à vista trouxe grandes prejuízos recentemente, uma vez que os preços mais que dobraram.
Esses descasamentos e perdas desestruturaram o equilíbrio financeiro das empresas do Grupo Montesanto Tavares, que aumentaram o seu endividamento nas negociações com bancos e corretoras para que os compromissos financeiros fossem postergados.
Para honrar os contratos e conseguir o café que estava em falta, as empresas passaram a tomar crédito por meio de ACCs (Adiamento em Contrato de Câmbio).
O instrumento, que é comumente utilizado por exportadores - nesse caso, para receber empréstimos referente ao café exportado no futuro =, passou a ser utilizado sem um contrato futuro de exportação previamente estabelecido para “rolar” as dívidas de curto prazo.
“De fato, como demonstram os números, a liberação de ACCs deixou de estar atrelada a exportações previamente justificadas (como exige a Lei) e passou a se vincular apenas à liquidação de contratos anteriores, caracterizando assim um limite de crédito comum, artificialmente configurado como ACC”, segundo a petição da companhia.
Houve um aumento expressivo de captações via ACCs. A média de captações por semana até maio de 2021, antes da crise, foi de cerca de US$ 1,4 milhão, e a média de liquidações, de US$ 1,2 milhão.
Entre junho de 2021 e julho de 2024, a média semanal de captações subiu consideravelmente e passou a US$ 5,7 milhões, enquanto a de liquidações avançou a US$ 4,7 milhões.
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A disparada do preço do café arábica na bolsa de Nova York, que chegou a ultrapassar o patamar de US$ 4,00 por libra-peso, piorou o cenário para a companhia.
Isso porque muitas empresas se comprometem com entregas futuras a seus clientes a partir de operações de hedge: exportadores tentam garantir o preço de venda dos produtos com a participação de corretoras.
Mas as oscilações da cotação do produto, principalmente para cima, levam corretoras e bancos a exigir dos clientes as “chamadas de margem” para cobrir as diferenças, apontou a Montesanto na petição.
No caso da gigante do café, a receita passou a ficar mais comprometida cada vez mais com derivativos: em maio de 2024, essa fatia estava em 74%.
Em meados de novembro de 2024, o volume de compromissos com derivativos passou a representar 158% do saldo de recebíveis. Em termos nominais, diz a empresa na petição, o valor de derivativos saltou de R$ 50 milhões para cerca de R$ 470 milhões.
“A escalada imprevisível dos preços observada em 2024 produziu enorme consequência em suas finanças, acabando por estressar ainda mais o caixa, uma vez que elas passaram a sofrer com constantes ‘chamadas de margem’ por parte de corretoras e bancos que comercializam os derivativos, ante a elevação absurda das cotações”, descreveu o grupo no pedido de recuperação judicial.
Próximos passos
Antes de decidir sobre o pedido de recuperação judicial, o juiz Murilo Silvio de Abre, da 2ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, solicitou uma análise prévia de um perito e nomeou Wagner Miranda Rocha, da WMR Peritos Associados, para apresentar um laudo sobre as alegações e a saúde financeira no grupo.
Daniel Báril, coordenador da área de Insolvência e reestruturação da Silverio Advogados, que não possui ligação com o caso, disse que os próximos passos do processo envolvem a apresentação do laudo ao juiz.
Se o processo ser deferido, a empresa poderá começar a preparar o plano de recuperação judicial.
Os credores terão espaço para apresentar objeções, para que, depois, seja convocada uma assembleia geral que reúna os mesmos para uma deliberação sobre o plano.
Para que possa começar a ser colocado em prática, o plano de recuperação judicial da empresa precisa ser aprovado pela maioria dos credores em cada categoria em assembleia.
Báril disse que o prazo que consta no plano de pagamento de uma empresa em recuperação judicial é deliberado em assembleia e que “há planos que demoram dez, doze ou até vinte anos para findar o pagamento aos credores”.
- Com colaboração de Sergio Ripardo.
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