Bloomberg — Armazéns em toda a China estão abarrotados de grãos à medida que a crise econômica se agrava, deixando os agricultores do mundo lidando com a perspectiva de uma desaceleração prolongada em um de seus maiores clientes, enquanto autoridades de Pequim buscam tomar medidas para apoiar o setor imobiliário.
A tensão nos mercados globais já é visível. As exportações de cevada da França para a China caíram, e os Estados Unidos ainda não venderam uma carga completa de milho para a nova safra.
Nada disso vai mudar em breve, e a combinação de uma população mais envelhecida e uma economia em desaceleração prenuncia um futuro nebuloso.
Comerciantes e agricultores precisarão se ajustar a uma perspectiva de demanda muito diferente. Mesmo que as preocupações com a segurança alimentar mantenham as importações robustas por anos, o crescimento meteórico visto nas últimas duas décadas provavelmente acabou.
“As pessoas estão ficando mais pessimistas sobre a economia e a demanda”, disse Ivy Li, analista de mercados de commodities da StoneX, baseado em Xangai. “Os importadores serão muito cautelosos, comprando mais devagar e fazendo mais compras no estilo ‘just-in-time’. O impacto do colapso da confiança está por toda parte.”
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A desaceleração da China e o sofrimento no mercado imobiliário do país abalaram a confiança dos consumidores, empurrando famílias preocupadas com dinheiro a cortar o consumo de carne e evitar restaurantes, reduzindo a quantidade de grãos necessária para alimentar um grande rebanho de suínos ou produzir óleo para fritar alimentos.
Pequim já tomou medidas para tentar proteger os agricultores, pedindo aos comerciantes que limitem as compras no exterior de milho, cevada e sorgo — um esforço para conter o excesso de oferta exacerbado por uma onda de compras no início do ano, quando os comerciantes adquiriram cargas baratas no exterior.
Essas cargas chegaram aos portos chineses justamente quando o consumo enfraqueceu. A nação também tomou medidas para reduzir o uso de farelo de soja na ração animal.
Comércio em retração
O boom econômico da China no início do século transformou o país em um consumidor voraz de commodities, desde grãos até metais e petróleo, levando países ricos em recursos a aumentar a produção para atender à demanda crescente.
A própria indústria agrícola da China é enorme, mas a necessidade de alimentar 1,4 bilhão de pessoas fez dela uma gigante importadora de soja ao longo dos anos — e, mais recentemente, uma grande compradora de trigo.
Para a safra que começou em setembro, os Estados Unidos venderam apenas 13.400 toneladas de milho para entrega à China, em comparação com mais de 564.000 toneladas no ano anterior, segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA. Ao longo de 2023-24, as exportações caíram 63%. As exportações do Brasil também caíram.
As exportações de cevada da França — incluindo a usada para fazer cerveja — estão quase 50% menores nesta temporada no porto de Rouen em comparação ao ano passado. O grupo industrial Intercereales enviou uma delegação à China buscando esclarecimentos dos clientes sobre um recente pedido das autoridades para limitar as importações.
“Estamos testemunhando uma espécie de congelamento nos negócios”, disse Philippe Heusele, presidente de relações internacionais da Intercereales.
Alimentação de animais
Uma commodity essencial na qual a China continuará dependendo fortemente das importações é a soja, com Brasil e EUA sendo os principais fornecedores. A produção chinesa está longe de ser capaz de atender às necessidades, mesmo com a demanda desacelerada.
O Brasil registrou exportações recordes para a China no início deste ano, graças aos grãos mais baratos, usados para óleo de cozinha e ração animal para suínos. Mas, olhando para o futuro, os EUA venderam até agora menos de 5 milhões de toneladas para entrega na safra 2024-25 — o menor volume em 16 anos, exceto durante a guerra comercial de 2018-19, e uma queda de 25% em relação ao ano anterior.
“A demanda chinesa não é tão forte quanto era no passado”, disse Paulo Sousa, presidente da Cargill no Brasil. “Não estamos vendo um crescimento significativo como nos anos anteriores.”
Os agricultores locais não são os únicos que sentem o aperto. O lucros de grandes empresas de catering em Pequim despencaram 88% no primeiro semestre do ano, à medida que os consumidores buscam economizar.
‘Maior escrutínio’
A perspectiva para a economia chinesa continua nebulosa. A deflação mostra sinais de espiral e a meta anual de crescimento para este ano parece cada vez mais fora de alcance. Alguns no setor agrícola da China começam a calcular como serão as importações em 2024-25.
As remessas de milho do exterior podem mais que cair pela metade, para 9 milhões a 11 milhões de toneladas, enquanto as importações de trigo podem diminuir para cerca de 7 milhões a 9 milhões de toneladas — abaixo de 13 milhões em 2023-24 — segundo traders baseados na China, que pediram anonimato porque não estão autorizados a falar com a imprensa.
Pequim “declarou no início deste ano seu objetivo de melhorar a renda dos produtores de grãos chineses e promover maior eficiência na agricultura, o que implica que a China terá maior escrutínio sobre as importações no futuro”, disse Tanner Ehmke, economista-chefe de grãos e oleaginosas do CoBank. “Mas há também a preocupação óbvia com a desaceleração da economia da China.”
Embora os agricultores e comerciantes estrangeiros devam ver os lucros encolherem, o lado positivo para os consumidores globais é que os grãos mais baratos podem aliviar a pressão sobre a inflação dos alimentos, que disparou após a invasão da Ucrânia.
A outra incógnita para 2025 é o resultado da eleição presidencial dos EUA em novembro, que pode alterar os fluxos comerciais caso o vencedor adote uma postura rígida em relação à China.
Uma última dúvida é o clima, que pode atrapalhar os planos de reduzir as compras no exterior. A China foi forçada a usar uma grande parte de seu trigo na alimentação de animais no ano passado após danos causados pela chuva, o que aumentou as importações.
A China tem sido a maior compradora de trigo australiano nos últimos anos. Agora, é mais um produtor onde alguns agricultores já estão buscando alternativas.
O agricultor Andrew Weidemann geralmente envia cerca de um quinto de seus grãos para a China. Ele espera que esse volume caia pela metade.
“Qualquer coisa que aconteça na China vai ter um grande impacto nos mercados em outros lugares”, disse Weidemann, que opera uma fazenda de 4.000 hectares no centro de Victoria, no sudeste da Austrália.
-- Com informações adicionais da Bloomberg Línea sobre as medidas de estímulo recentes de Pequim.
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