Bloomberg Línea — O agronegócio brasileiro inicia o ano de 2025 sob a influência dos obstáculos enfrentados em 2024, com taxas de juros elevadas, dificuldades na renegociação de dívidas e incertezas relacionadas ao clima.
Essa é a análise feita por Angelo Guerra Netto, sócio fundador da EXM Partners, empresa especializada na resolução de conflitos empresariais e de recuperação judicial.
“O ano de 2024 foi um prenúncio daquilo que nos aguarda agora em 2025. Tivemos uma taxa Selic elevada e uma expectativa de redução que não se confirmou, o que afetou diretamente a capacidade do setor de renovar dívidas com condições favoráveis”, disse Netto em entrevista à Bloomberg Línea.
O raciocínio de Netto é de que a manutenção dos juros altos aumentará os custos financeiros dos produtores, o que dificulta justamente a rolagem de dívidas e impacta na liquidez do setor, que é um dos mais importantes para a economia brasileira.
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Na tarde de quarta-feira (29), o Copom, sob o comando de Gabriel Galípolo, elevou a Selic a 13,25% ao ano e prevê mais uma alta de 1 ponto na próxima reunião.
Segundo um estudo da EXM Partners, compartilhado com exclusividade com a Bloomberg Línea, o segundo semestre concentra o período mais crítico para esses pedidos, que é também o momento principal da colheita de soja e de milho.
Não à toa, a soja foi o produto que mais teve pedidos de recuperação judicial em 2024 em relação ao ano anterior, e passou de 53 para 59, segundo dados da Serasa Experian compilados pela EXM. O algodão, que não tinha nenhum pedido, passou a 5. A criação de bovinos diminui de 25 para 15. Os cereais, de 23 para 5, e o café de 7 para 3.
“A tendência é que 2025 siga essa mesma trajetória, especialmente porque produtores que rolaram dívidas em 2024 agora enfrentam uma nova rodada de vencimentos com taxas ainda mais altas”, afirma Netto.
A perspectiva é de que a inadimplência continue em alta e que a pressão sobre o setor financeiro se intensifique.
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Como alternativa, muitas empresas do setor agropecuário têm recorrido à recuperação extrajudicial para renegociar dívidas sem interromper suas operações. “Os credores começaram a entender que uma solução rápida para a crise pode evitar impactos ainda maiores no ciclo produtivo”, diz Netto.
Impacto do clima
Além dos fatores financeiros, o agro também enfrenta desafios climáticos. Eventos como El Niño e secas afetaram a produtividade em diversas regiões do Brasil no ano passado, e elevaram as incertezas do setor. As queimadas no Centro-Oeste e Sudeste também trouxeram prejuízos significativos, principalmente para cultivos como a cana-de-açúcar e a soja.
No campo político, a indefinição sobre reformas tributárias e possíveis medidas de apoio governamental geram receio entre os produtores. “O agro precisa de previsibilidade, e a falta de clareza sobre tributação e incentivos pode afetar os investimentos do setor”, diz Netto.
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Apesar do cenário turbulento, Netto, que se define como um “otimista por natureza”, acredita que o agro é um setor resiliente que também precisa ser otimista, sobretudo em tempos de maior aperto financeiro.
“Temos que observar com atenção o comportamento do mercado internacional, especialmente a relação entre Estados Unidos e China, que pode impactar os preços da soja e do milho”, afirma.
Além disso, o sócio fundador da EXM diz que as empresas precisarão se adaptar a um cenário que já está dado em relação às dificuldades relacionadas ao cenário macroeconômico, com altas taxas de juros e as mudanças climáticas. Para ele, a resposta para tais desafiados é a gestão financeira.
“Nesse momento mais complexo que vivemos, de custo financeiro muito elevado, com a ausência de subsídios governamentais mais claros, exige uma capacidade de ação estratégica financeira um pouco mais rápida.”
‘Divórcio litigioso’
Os fundos de investimento ligados ao agro, como os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e os Fiagros, que tiveram um “boom” há três anos, passam por um momento de baixa.
“Hoje estamos no meio de um divórcio litigioso. O mercado está testando a robustez das garantias dessas operações, e a insegurança tem afastado investidores”, diz Netto.
Com a inadimplência crescente, a liquidação de garantias, como terras e propriedades rurais, tende a pressionar ainda mais o mercado. “A terra já dobrou de preço nos últimos anos, mas essa curva de alta parou. Hoje, quem tem capital consegue comprar áreas a preços muito atrativos”, diz.
Segundo a EXM, cerca de 70% dos Fiagros precisaram flexibilizar suas cláusulas contratuais para lidar com inadimplências.
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No centro da crise dos CRAs e Fiagros está a Agrogalaxy (AGXY3), cujo pedido de recuperação judicial gerou um efeito cascata no mercado. A recuperação judicial da companhia afetou CRAs detidos por vários Fiagros, o que gerou desvalorizações de até 12% em uma única semana nessa classe de ativos.
“Se uma grande empresa tem dificuldades, isso afeta fornecedores, produtores e todo o ecossistema. Podemos ter novos casos semelhantes em 2025, a depender dos resultados da safra em abril”, afirma.
Diante desse cenário mais desafiador, a recomendação de Netto para produtores e empresas do setor é adotar uma postura de cautela, buscar assessoria especializada e garantir um planejamento financeiro sólido para atravessar mais um período de incertezas.
Com a redução do crédito rural subsidiado, fontes privadas também ganharam espaço nas carteiras das empresas e produtores que buscam financiamento do agronegócio. Entre julho e setembro de 2024, o volume de CPRs bancárias cresceu 58,8%, para R$ 104,5 bilhões.
Apesar desse movimento, essa transição encarece os custos e exige maior eficiência financeira dos produtores.
Há mais de 20 anos no mercado, a EXM Partners nasceu em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e já atuou em mais de 400 processos de RJ em diversos setores da economia. No ano passado, a empresa assessorou a Agroindustrial Olhos Verdes, no interior de São Paulo, e Pedro Merola, grande produtor de Goiás.
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