Bloomberg — Graças à mão-de-obra mais em conta, às colheitas durante o ano todo e aos laços estreitos com a China, o Brasil passou a desafiar nas últimas décadas a posição dos Estados Unidos como principal fornecedor mundial de importantes commodities agrícolas. Agora, o país tem uma nova arma para desbancar a agricultura americana: a Geração Z.
Um grande número de jovens brasileiros tem trocado as carreiras no setor de serviços e na indústria para seguir seus pais no negócio agrícola da família, o que turbina ainda mais a posição do país na cadeia global de alimentos.
Eles são atraídos pela rápida expansão do agronegócio no país, pelo uso generalizado de tecnologia e pela promessa de enriquecimento. A idade média do produtor rural no Brasil caiu para 46 anos.
Enquanto isso, os produtores americanos nunca tiveram uma idade média tão avançada. E isso não pode ser atribuído apenas às idades médias gerais dos dois países, que, segundo dados do governo americano, têm menos de quatro anos de diferença.
“O jovem começa a enxergar o agro como uma oportunidade, e não como algo que ele tem que fazer por obrigação”, disse Fernanda Nonato, que coordena um programa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) que treina jovens para assumir papéis de liderança no agronegócio.
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Ganhos de produtividade
Outros países em processo de envelhecimento, do Japão à Itália, também estão sujeitos a mudanças, mas os Estados Unidos e o Brasil fornecem juntos mais da metade do milho do mundo e quase nove em cada dez toneladas de soja, e as mudanças demográficas nas duas nações terão o maior impacto sobre o que o mundo come — e a que preço.
Os produtores brasileiros de soja e milho geralmente conseguem vender suas safras com desconto em relação às dos Estados Unidos, graças à moeda mais fraca e aos custos de mão de obra mais baixos, ameaçando a viabilidade dos produtores americanos que tentam competir em um mercado global.
O envelhecimento da população rural americana é o mais recente revés para um país que vem perdendo seu domínio agrícola há anos. Essa posição tem sido uma fonte crucial de poder político, inclusive em relação à China, maior importadora mundial de commodities agrícolas.
Mas as relações entre Estados Unidos e China se desgastaram durante a guerra comercial de Donald Trump, ajudando o Brasil a conquistar mais mercado.
O país, que já é o maior exportador de soja, pode agora estar a caminho de ultrapassar os Estados Unidos também nas exportações de milho.
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Com o déficit comercial agrícola dos Estados Unidos estimado em um recorde de US$ 32 bilhões no ano fiscal de 2024, as famílias americanas correrão um risco cada vez maior de enfrentar interrupções na cadeia de suprimentos e picos de preços quando ocorrerem desastres em outras partes do mundo.
Enquanto isso, o agronegócio está em alta no Brasil — e a nova geração quer fazer parte dele. Com a rápida entrada de produtores das chamadas geração Z e geração do milênio no setor, eles estão adotando cada vez mais recursos da agricultura de precisão, que entre outras coisas permite que os operadores monitorem e analisem seus campos e tomem decisões baseadas em dados.
Os jovens brasileiros também estão experimentando novas variedades de sementes e máquinas, aumentando a produtividade. Eles estão adicionando irrigação, reduzindo o uso de pesticidas químicos e fazendo monitoramento por GPS quando assumem funções de liderança nas fazendas antes administradas pela geração anterior.
“Enquanto a maioria dos pais relutava em usar o celular, os filhos não. O filho com aprendizado acadêmico usa ferramentas digitais e está conseguindo obter mais sacas por hectare”, disse Alexandre Nonato dos Reis, diretor de uma concessionária da Deere no norte do Mato Grosso. “Os sucessores estão melhorando o negócio.”
É isso que está acontecendo na fazenda da família Pasqualotto, no Mato Grosso. Com quatro filhos e sobrinhos empreendedores — na faixa de 24 a 31 anos de idade e todos prontos para liderar —, o patriarca e presidente Osvaldo Rubin Pasqualotto pôde se afastar do dia a dia do negócio.
Nos últimos anos, a família reduziu o uso de pesticidas químicos em 50% e começou a usar antenas Starlink para ter cobertura de internet em suas terras.
“A entrada dos meninos no negócio trouxe uma nova dinâmica”, disse Osvaldo, de 61 anos. “Hoje, os sucessores são mais empresários rurais do que produtores.”
Envelhecimento nos EUA
A 4.000 quilômetros de distância, no estado americano de Illinois, o fazendeiro Brian Schaumburg, de 68 anos, não tem nenhum herdeiro — muito menos quatro — disposto a tocar o negócio quando ele se aposentar. “Eles não tinham interesse, e não posso culpá-los”, disse ele sobre seus filhos, que já se mudaram há muito tempo.
“Eles viram os prejuízos, a seca e tudo o mais, como a vida pode ser difícil.” Depois de três gerações de agricultores na família, a tradição “vai acabar em mim”. Um vizinho agora arrenda a sua terra.
Os agricultores mais velhos podem ser muito bem-sucedidos nos Estados Unidos, com anos de experiência e investimentos. Mas eles também estão se aproximando da idade da aposentadoria.
Em 1950, os produtores rurais americanos tinham uma idade média de cerca de 48 anos; o último censo mostrou que eles ficaram 10 anos mais velhos. Sem sucessores para assumir o comando, os fazendeiros podem vender suas terras a grandes conglomerados, acelerando o declínio do agronegócio familiar nos Estados Unidos.
“Os agricultores são a força de trabalho mais velha dos Estados Unidos e, com 370 milhões de acres de terras agrícolas mudando de mãos nos próximos 20 anos, não podemos ficar de braços cruzados e esperar pelo melhor”, disse o senador americano Mike Braun, republicano de Indiana, que faz parte da comissão de agricultura do Senado dos Estados Unidos e de uma comissão especial sobre envelhecimento.
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Um em cada três agricultores está se preparando para se aposentar na próxima década, e os Estados Unidos têm muitas barreiras que impedem os jovens de entrar no setor, acrescentou. “Manter a América alimentada significa manter a América forte.”
O número de fazendas nos Estados Unidos caiu cerca de 14% entre 1997 e 2022, durante um período de preços altos das commodities agrícolas, quando os produtores do país deveriam estar particularmente bem de vida.
Mesmo quando jovens querem entrar no agronegócio, está mais difícil, em meio ao aumento de custos e rápida consolidação. Alguns aspirantes a sucessores se decepcionaram por conta de margens apertadas, queda de renda e piora do clima.
No Brasil, o agronegócio é geralmente visto como uma trajetória de carreira atraente e lucrativa. Alguns dos bilionários brasileiros construíram suas fortunas no agronegócio, como o magnata da soja Blairo Maggi e o usineiro Rubens Ometto.
As fazendas no Brasil tendem a ser grandes, muitas com centenas de empregados e proprietários que viajam de jato particular. Essa riqueza, com direito a joias e caminhonetes importadas, já faz parte do imaginário popular do país, como ilustram a letra e o clipe do funk “Ram Tchum”.
Na política, o agronegócio conta com uma bancada ruralista que representa cerca de 60% do Congresso. Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou um Plano Safra recorde para apoiar o setor. Os impostos sobre herança também são baixos, mesmo após mudanças recentes.
Junto com o rápido aumento da produção agrícola do país nos últimos 50 anos, todo esse apoio gera uma legião de jovens herdeiros convencidos dos benefícios de passar a vida no campo. A agricultura respondeu por cerca de 24% do PIB do país no ano passado, em comparação com menos de 6% nos Estados Unidos, incluindo alimentos e setores relacionados.
Luana Belusso é uma dessas millennials que coloca em prática sua formação em agronomia em Mato Grosso. Quando a produtora rural de 35 anos assumiu boa parte da área financeira e administrativa do negócio da família, uma de suas primeiras ações foi garantir financiamento novo.
Esse dinheiro permitiu que a fazenda que ela administra com seu pai e seu irmão implantasse irrigação e diversificasse a produção além da soja e arroz. A terra agora colhe três safras por ano.
Terras agrícolas
Grande parte das terras agrícolas atuais em Mato Grosso ainda estavam cobertas por floresta até a década de 1980 e puderam expandir muito suas áreas cultivadas. Agora que o governo e a comunidade internacional procuram conter o desmatamento, a nova geração teve que encontrar novas maneiras de aumentar a lucratividade.
“Há a questão da idade, os jovens são mais arrojados, assumem mais riscos”, disse Belusso. “O pai já foi arrojado ao longo da história dele.”
Adolescentes e recém-formados que se preparam para entrar no mercado de trabalho nos Estados Unidos podem ter mais oportunidades de seguir carreiras em diversos setores, desde saúde até a tecnologia. Mas é inegável que o poder cultural da agricultura nos Estados Unidos não é mais o que já foi.
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Os gastos públicos dos Estados Unidos com pesquisa e desenvolvimento agrícola caíram mais de 20% nos 10 anos até 2019, para cerca de US$ 5,2 bilhões, o nível mais baixo em dados do governo que remontam a 1970.
A agricultura também não tem sido um grande ponto de discussão na atual campanha presidencial dos Estados Unidos, e até os agricultores que apoiam a candidatura de Donald Trump temem as disputas comerciais caras que envolveram o setor durante seu primeiro governo.
O secretário de Agricultura dos Estados Unidos, Tom Vilsack, tem tentado reverter algumas dessas tendências e atrair mais jovens para o setor. O órgão destinou dezenas de bilhões de dólares para promover práticas agrícolas favoráveis ao clima, como permitir que as fazendas lucrem com o excedente de energia renovável, além de ajudá-las a entrar em novos mercados, como o de assistência alimentar internacional.
Isso pode estar funcionando: o número de produtores novos e iniciantes nos Estados Unidos — aqueles com 10 anos ou menos de experiência agrícola — aumentou entre os dois últimos censos.
Dave Green, diretor-executivo do Wheat Quality Council, uma associação do setor de trigo, disse que, nos últimos tempos, o setor agrícola dos Estados Unidos tem atraído uma leva de jovens empreendedores ambiciosos que não cresceu no campo e quer trabalhar na terra.
“Muitos deles entram na agricultura porque parece interessante; alguns se interessam por romances franceses e outros se interessam por lavouras agora que há drones envolvidos”, disse Green.
Apesar do entusiasmo, muitos ainda têm muito o que aprender. Sem o capital e experiência familiar, muitos talvez não consigam produzir na mesma escala que as gerações que herdaram suas terras e o know-how.
Enquanto isso, no Brasil, os quatro sucessores da família Pasqualotto vivem e respiram agricultura desde a infância. E como já conhecem os meandros do negócio, desde operar tratores até o mercado de commodities, eles têm grandes planos: dobrar a produção de milho e soja nos próximos três anos e talvez expandir para o processamento da produção, com uma usina de esmagamento de soja, uma usina de etanol de milho ou uma divisão de aves.
“Você entra em um círculo vicioso positivo procurando produzir mais a cada ano, e isso traz satisfação para o trabalho”, disse Matheus Cury Pasqualotto, de 26 anos. “Meu pai sugeriu muitas vezes que eu ou meu irmão estudássemos medicina, mas nunca foi nosso forte; crescemos mexendo com boi e lavoura.”
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