Mercado de carbono precisa de regra para o agro, diz head de ESG Research do Itaú BBA

Em entrevista à Bloomberg Línea, Victor Natal diz que a exclusão do setor do mercado regulado de carbono é um empecilho para o segmento se desenvolver

Sheep and cattle graze in a field in Solano County, California.
21 de Março, 2025 | 06:06 PM

Bloomberg Línea — Apesar de ser responsável por cerca de 70% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, o agronegócio não está incluído na legislação do mercado regulado de carbono.

Para o head do ESG Research do Itaú BBA, Victor Natal, o agro deverá entrar em futuras regulamentações, a partir da formulação de metodologias próprias para a medição da cadeia.

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Além do setor rural, o de gestão de resíduos, que é considerado menor em emissões, também está de fora da legislação atual.

“Não tem problema o agro não participar [desse mercado], mas precisamos pensar em algum momento no futuro que ele participe ou que não participe nunca, mas que tenha uma regra diferente para descarbonizar”, disse Natal em entrevista à Bloomberg Línea.

Ele vê a exclusão do setor da regulamentação do mercado de carbono no país como o “único pushback” do desenvolvimento do segmento no Brasil.

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Leia também: Como funciona o mercado de carbono no Brasil e por que você precisa saber disso

“Em todo o restante, o Brasil está indo por um caminho positivo e devemos ter um mercado regulado de carbono muito bem estruturado, pelo menos com o que a gente tem hoje”, acrescenta.

Natal é um dos responsáveis pelo estudo “Mercado Regulamentado de Carbono no Brasil – Uma Oportunidade de Mais de US$ 120 Bilhões”, divulgado nesta sexta-feira (20).

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Segundo o head do ESG Research do Itaú BBA, a medição das emissões do agronegócios é um trabalho complexo.

“Não é possível fazer um copia e cola do que a Europa faz e colocar em prática aqui no Brasil, por exemplo. Temos idiossincrasias brasileiras que não permitem que isso seja feito. É preciso desenvolver metodologias próprias.”

Natal prevê que, sem a adição do agro, o mercado de carbono regulado no Brasil deve apresentar uma performance mais fraca incialmente, com uma cobertura de cerca de 15% das emissões brasileiras.

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O desafio de medir as emissões do agro não é algo exclusivo do Brasil, explica Natal, já que nenhuma bolsa regulada de carbono considera o setor entre aqueles obrigatórios.

Por outro lado, o de siderurgia, de cimento, de aviação, de frete marítimo, e de óleo e gás serão os setores mais afetados pela descarbonização por serem considerados mais caros para completar o processo ou são tecnicamente mais difíceis.

Entre os setores que podem ser beneficiados são aqueles que inicialmente não farão parte do mercado regulado.

“Esses setores não vão precisar obrigatoriamente se descarbonizar, mas vão poder colocar de pé projetos de crédito de carbono e, com o mercado regulado puxando o preço desse crédito de carbono, vão ter o benefício de participar do mercado regulado através disso”, disse.

Um dos principais meios para a redução desses gases é a precificação do carbono, que pode ocorrer de duas formas: via tributação, adotado por países como a Argentina, o Chile e a Colômbia, ou por meio de mercados de carbono, que são divididos em dois segmentos distintos: o mercado voluntário e o mercado regulado.

Mercado de carbono regulado x Mercado de carbono voluntário

No mercado voluntário, as empresas e indivíduos negociam créditos de carbono de forma espontânea, sem imposição do governo. Cada crédito de carbono representa uma tonelada de carbono que foi reduzida ou evitada.

Uma empresa pode decidir, explica Natal, preservar uma floresta para impedir a emissão de carbono que ocorreria caso houvesse desmatamento. Esses créditos podem, então, ser utilizados para compensar emissões em outras atividades.

O mercado voluntário não tem uma estrutura centralizada, o que torna a determinação de preços mais complexa. No Brasil, esse mercado começou a ser desenvolvido no início dos anos 2000 no contexto do Protocolo de Kyoto, assinado em 1997.

Diferentemente do mercado voluntário, o mercado regulado é estruturado por legislação e obrigações governamentais.

No Brasil, a lei nº 15.042, sancionada em 11 de dezembro de 2024, regulamentou o mercado de carbono com o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).

Nele, o governo estabelece metas obrigatórias de redução de emissões para determinados setores. As empresas precisam reduzir suas emissões ou adquirir permissões para emitir um crédito de carbono.

“Se uma empresa emite 100 toneladas de carbono por ano e recebe apenas 80 permissões do governo, ela precisará reduzir suas emissões ou comprar permissões adicionais. Isso cria um incentivo para que as empresas invistam na redução de suas emissões em vez de apenas pagar pelo direito de continuar poluindo”, disse.

Apesar de distintos, os mercados voluntário e regulado podem interagir. Em algumas situações, um percentual limitado de créditos de carbono do mercado voluntário pode ser convertido para uso no mercado regulado, o que cria uma demanda adicional por créditos voluntários, explica Natal.

Emissões em usina na Polônia

Patamar de preços

No mercado europeu, que é referência como um dos mais avançados, o preço de um crédito de carbono no mercado voluntário foi projetado inicialmente em US$ 100.

No mercado regulado, o preço é menor, explica Natal. “Não temos nenhuma bolsa de carbono no mundo que chega nesse preço, ou se tiver, é a exceção. Na bolsa europeia, que é a mais representativa, algo próximo de € 60 por tonelada. Essa já é uma bolsa bastante madura”, diz.

No Brasil, o patamar deve ser substancialmente menor, de cerca de R$ 50, ou de 10% do patamar de outros mercados. Isso ocorre por ser um mercado ainda em fase inicial, segundo Natal.

A previsão é que o mercado de carbono regulado no país comece a funcionar em 2030. O potencial desse mercado é de US$ 120 bilhões até 2030 no país, segundo um estudo da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), em parceria com a Way Carbon.

“É preciso continuar trabalhando para que esse mercado, que parece nascer bem azeitado, que continue em evolução do ponto de vista de preço, de abrangência, e de punições. As punições precisam existir e precisam ser bastante restritivas”, afirma Natal.

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Naiara Albuquerque

Formada em jornalismo pela Fáculdade Cásper Líbero, tem mestrado em Ciências da Comunicação pela Unisinos, e acumula passagens por veículos como Valor Econômico, Capricho, Nexo Jornal e Exame. Na Bloomberg Línea Brasil, é editora-assistente especializada na cobertura de agronegócios.