Bloomberg Línea — A estratégia de diversificação de negócios alinhada com uma melhora do perfil de dívida de médio e longo prazo garante uma espécie de proteção e de “colchão de liquidez” que permite à JBS (JBSS3) enfrentar desafios como os atuais, disse o CFO da companhia, Guilherme Cavalcanti.
Em entrevista à Bloomberg Línea, o executivo explicou a estratégia financeira da gigante de alimentos que tem permitido que a empresa faça investimentos que vão gerar crescimento, em decisões tomadas a despeito de adversidades em certos mercados e de incertezas macroeconômicas.
A JBS conta atualmente com cerca de US$ 10 bilhões em liquidez, segundo o CFO, contando recursos em caixa, linhas rotativas e de commercial paper no mercado americano.
A empresa brasileira de alcance global passou a economizar quase US$ 1 bilhão por ano em despesas financeiras com uma gestão que incluiu a troca de dívida bancária de curto prazo por emissões de longo prazo no mercado internacional e dispensa da necessidade de hedge cambial.
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A estrutura financeira permitiu alcançar a classificação de investment grade por agências de rating e acessar índices de dívida global que ampliam o acesso de investidores.
Segundo balanço financeiro divulgado no mês passado, a JBS encerrou 2024 com um Ebitda de R$ 10,8 bilhões no quarto trimestre, mais que o dobro do no mesmo período do ano anterior.
Esse resultado, de acordo com Cavalcanti, reflete o que classificou como robustez da plataforma global da companhia, marcada pela diversificação geográfica e de proteínas.
Apesar do momento desafiador no mercado de bovinos nos EUA – com preços recordes do gado e margens comprimidas –, outras operações, como as de frango e suínos, com unidades na Austrália e no Brasil, compensaram, levando a uma margem consolidada de 9,4% em 2024.
Com o “colchão financeiro”, a JBS tem investido cerca de US$ 1 bilhão ao ano em projetos que resultam em crescimento. As aquisições possuem o que o executivo descreve como caráter “estratégico”, como no caso dos 50% da Mantiqueira, que marcou a entrada no mercado de ovos de marca – um segmento com crescente demanda por produtos cage free (de galinhas livres).

Nesse contexto, o Brasil continua sendo um pilar estratégico da companhia. O país, que segue competitivo em termos de produção de alimentos, tem recebido a maior parte dos investimentos do grupo nos últimos anos, caso do anúncio da planta de empanados em Rolândia, no Paraná.
Ao analisar as perspectivas para 2025, que começa sob os efeitos de uma guerra comercial global, o executivo-chefe financeiro da JBS disse que a empresa mantém a cautela típica de início do ano, mas destacou que enxerga sinais promissores como a valorização do frango nos EUA.
Segundo ele, a JBS pretende continuar a investir em ativos considerados estratégicos para manter a flexibilidade para enfrentar adversidades nos mercados em que atua.
Confira a primeira parte da entrevista de Guilherme Cavalcanti à Bloomberg Línea, editada para fins de clareza e compreensão (Leia a segunda parte aqui):
A JBS registrou um Ebitda de R$ 10,8 bilhões no quarto trimestre de 2024, mais do que o dobro de um ano atrás. Como foi possível chegar a esse resultado?
O resultado confirma a plataforma que a JBS construiu e que é única no mundo. É uma plataforma que tem diversificação tanto de proteínas quanto geográfica. Em 2024, o nosso maior negócio é o de bovinos nos Estados Unidos, que passa por um momento de ciclo difícil.
Se pegarmos uma série [histórica] de 200 anos, veremos que o negócio de bovinos em qualquer lugar do mundo é feito de ciclos. Estamos passando por um momento desses nos EUA, em que o preço do gado é recorde, o que fez com que a margem desse negócio, que corresponde a 30% da nossa receita, ficasse quase no zero.
Mesmo assim, no consolidado, tivemos uma margem de 9,4%. Isso ocorreu porque todos os outros negócios performaram bem, seja por causa da proteína, seja por causa da geografia. Com o preço da carne bovina mais alto nos EUA, as pessoas tendem a consumir mais frango e mais porco, que apresentaram margens recordes.
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Por outro lado, a Austrália está no movimento inverso do ciclo bovino dos EUA. Essa compensação acontece no Brasil também. No ano passado tivemos uma disponibilidade de gado muito boa e também uma boa demanda doméstica e de exportação, o que também nos levou a margens recordes para o negócio de bovinos no Brasil.
E a Seara também apresentou margens recordes por causa de alguns fatores. Primeiro, o preço dos grãos, que responde por 70% do custo do frango. A taxa de câmbio no Brasil também favoreceu a Seara, que exporta metade da sua produção.
Há outros fatores de pressão no mundo, como a perspectiva de guerra comercial. Como a empresa se prepara financeiramente para essas mudanças?
A questão recai justamente sobre a variedade de momentos em diversos países em que estamos. A empresa se preparou para isso, com produção de alimentos nas localidades do mundo onde é mais competitivo produzir.
E há ainda a questão das moedas. Temos receitas em dólar, em real, em libras esterlinas, em peso mexicano e assim por diante. Portanto, isso acaba nos deixando com uma espécie de hedge natural para enfrentar situações diferentes no mundo.
E, financeiramente, nos preparamos ao longo dos anos, basicamente com alongamento e mudança de perfil de nossa dívida, o que nos deixa em posição extremamente confortável.
Qual a avaliação do endividamento atual?
Temos um prazo médio de praticamente 13 anos e um custo médio de 5,4% em dólar. No curto prazo, nossa exposição é bem pequena: ou seja, a JBS terminou o ano passado com quase US$ 6 bilhões em caixa e mais de US$ 3,3 bilhões em linhas rotativas, que é um cheque especial que eu posso sacar a qualquer momento. Ou seja, temos uma liquidez total de US$ 9,1 bilhões.
Além disso, começamos com um programa de commercial paper nos EUA - é a primeira vez que uma empresa brasileira acessa esse mercado, em que temos uma linha de até US$ 1 bilhão. Portanto, na prática, terminamos o ano com liquidez de quase US$ 10 bilhões.
A primeira dívida que temos vence em 2027: é um bond de US$ 1 bilhão, que tem um cupom muito baixo, de 2,5%. Há dívidas que vencem em 2030, 2031, com cupom de 3%, e dívidas de 30 anos com cupom de 4,25%.
É um trabalho que temos feito de alongar a dívida e de reduzir os juros - e de ganhar o investment grade. Um quarto da nossa dívida está no vértice de 30 anos. Ou seja, não temos nenhuma pressão de amortização nos próximos anos.
Isso nos deixa em uma posição muito confortável para enfrentar qualquer problema que venha a acontecer no curto prazo. E esse acesso ao mercado de capitais também ajuda no processo. Temos hoje só 5% do nosso endividamento com bancos. E 88% da nossa dívida é no mercado de bônus norte-americano. Isso significa que temos crédito de sobra com os bancos.
Como foi possível chegar a esse patamar?
Quando eu fui contratado, em 2018, tinha duas missões naquele momento: ajeitar a estrutura de capital e fazer a listagem da empresa nos EUA. E eu já tinha experiência com o meu background. Eu trabalhei no Grupo Globo, em que reestruturamos a dívida entre 2002 e 2005. Depois fui pra Vale e fizemos grandes aquisições. E depois na Fibria, uma junção da Aracruz com a Votorantim Celulose.
Minha primeira missão foi exatamente repetir um trabalho que eu já tinha feito na Fibria, que era ganhar o investment grade e reduzir os juros. Na JBS, o custo médio de dívida era de 9%.
E hoje esse custo é de 5,4%, ou seja, praticamente quase quatro pontos a menos de despesa financeira, sobre uma dívida de US$ 13 bilhões. São quase US$ 500 milhões por ano de economia, o que gera caixa para termos esse colchão de liquidez e podermos investir e continuar a crescer.
Quando eu vim para cá, o prazo médio, de fato, era de três anos e tínhamos 65% da dívida exposta no mercado bancário, com grandes bancos. Alongamos as dívidas e trocamos pela emissão de dívida no mercado de capitais, com prazos mais longos, taxas mais baixas e pagando os bancos ao mesmo tempo.
Também transferimos a dívida para a entidade dos EUA. Casamos a receita em dólares que temos lá com a dívida em dólares, e com isso paramos de ter a exposição cambial e a necessidade de hedge, que é um custo caro. O carrego do hedge, que é o cupom cambial, é um custo caro que paramos de ter.
A partir desses ajustes, passamos a economizar quase US$ 1 bilhão por ano em despesa financeira, com eficiência fiscal. Também aproveitamos o período de juros baixos no mundo todo que começou em 2020 na pandemia de covid para trocar a estratégia e fazer essas emissões exatamente naquele momento.
Como se deu o acesso ao mercado americano de dívida?
Hoje somos negociados a praticamente o mesmo nível da Tyson Foods nos EUA. Criamos mais liquidez para os nossos papéis, porque passamos a poder vender a nossa dívida para uma gama muito maior de investidores.
Quando ganhamos o investment grade [em 2021 e 2022] e fizemos o registro na SEC, pudemos fazer parte do índice do Barclays para empresas com essa classificação, que tem vários subíndices. Se você quer investir o seu dinheiro em dívidas do setor de alimentos de forma agregada, existe o índice de Food and Beverage do Barclays. A JBS tem quase US$ 18 bilhões emitidos no mercado americano.
E essa estratégia de melhora do perfil da dívida vai continuar neste ano?
Sim, a nossa estratégia segue a de continuar alongando a dívida. Para o segundo semestre, temos a possibilidade de fazer uma emissão de pontos parecida com a que fizemos em janeiro, de US$ 1,77 bilhões de emissão de dez em 30 anos, que teve US$ 10 bilhões de demanda. Se nós realizarmos uma emissão de US$ 2,5 bilhões, limpamos toda a dívida até 2031.
Essa é a estratégia que vamos adotar. Provavelmente vamos terminar o ano sem nenhuma amortização até 2031. E, na verdade, quando a empresa cresce, facilita um pouco a visão do crédito, porque fica até difícil se endividar.
De que forma?
Vou explicar o meu ponto. Temos um Ebitda de US$ 7,2 bilhões, ou R$ 39 bilhões, e uma dívida líquida sobre o Ebitda de 1,89 vez, ou seja, abaixo de duas vezes. Para eu levar esse indicador, por exemplo, de duas para três vezes, eu tenho que gastar US$ 7 bilhões, ou R$ 40 bilhões.
Mesmo que eu faça uma aquisição de US$ 7 bilhões, essa empresa traz um Ebitda. Ou seja, a minha alavancagem nem chega a atingir três vezes.
Quanto maior a empresa fica, mais difícil fica de se endividar e de se colocar em um tamanho de alavancagem que seja arriscado.
Estamos nesse caminho: estamos crescendo e vamos continuar desse jeito. Temos investido cerca de US$ 1 bilhão por ano em capex de crescimento e temos pago cerca de US$ 1 bilhão por ano em dividendos.
Ou seja, a empresa vai continuar a crescer e a investir no crescimento, fazendo aquisições como a da Mantiqueira. E, de novo, à medida que vamos crescendo, é natural que o nosso risco de crédito melhore por causa dessa questão do tamanho que eu mencionei.
Qual a perspectiva para os negócios neste ano?
Sazonalmente, o primeiro trimestre é sempre o mais fraco do ano. Só começamos a sentir o ano no segundo trimestre, seja no Brasil, por causa da questão de férias, seja nos Estados Unidos, por causa da questão do clima.
Mas alguns dados públicos sinalizam que teremos um bom ano à frente. Por exemplo, o peito de frango nos Estados Unidos já começou o ano com os preços em ascensão, o que pode dar a perspectiva de que deve ser outro ano bom, seja para o frango, seja para o crescimento.
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